sábado, 13 de dezembro de 2025

A MAÇONARIA ATRAVESSA UM DOS SEUS PERÍODOS MAIS SOMBRIOS

Uma Ordem construída para elevar consciências e formar homens livres está se deixando arrastar para o pântano da politicagem, das manobras de bastidor e dos arranjos profanos que nada têm de iniciáticos.

O Templo que deveria ecoar sabedoria e silêncio hoje se contamina com disputas mesquinhas por cargos, vaidades infladas e projetos pessoais travestidos de “interesse da Ordem”.

Há irmãos que esqueceram completamente que a Maçonaria não é carreira.

Não é trampolim.

Não é máquina eleitoral.

É caminho filosófico.

É ética.

É trabalho interior.

Mas alguns transformaram a instituição em praça pública de barganhas, como se nossos rituais fossem meras formalidades e nossas leis internas fossem peças maleáveis ao sabor de conveniências momentâneas.

O mais grave é ver que essa prática não apenas desvirtua a essência da Ordem — ela a profana.

Profana quando ignora a Constituição Maçônica.

Profana quando atropela regimentos.

Profana quando usa o avental para proteger interesses particulares.

Profana quando irmãos são tratados como peças descartáveis em jogos de poder.

E enquanto isso cresce, cresce também a sensação de que estamos nos afastando do verdadeiro propósito:

"Lapidar nossa pedra bruta, não disputar território político".

A Maçonaria não nasceu para ser um teatro de vaidades.

Não nasceu para ser um comitê de eleição permanente.

Nasceu para ser um farol moral.

Uma escola de virtudes.

Um espaço onde o homem comum se torna melhor do que era ontem.

Por isso, é preciso levantar a voz.

 É preciso confrontar os vícios internos com firmeza.

Não há como combater a corrupção profana quando toleramos pequenas corrupções dentro de casa.

Não há como falar de fraternidade quando há perseguição, favoritismo e coronelismo administrativo.

Não há como falar de liberdade quando o pensamento crítico é abafado pelos donos do poder.

Se a Ordem quiser sobreviver com dignidade, precisa retomar sua essência.

Precisa expulsar a mentalidade politiqueira que se infiltra sorrateira.

Precisa lembrar que um irmão sem valores nunca poderá ocupar um cargo com legitimidade.

E que nenhum avental — por mais adornado — tem valor quando quem lhe veste esquece que a Maçonaria é escola da alma, não palanque.

A reconstrução começa com coragem.

Com posicionamento.

Com a recusa em aceitar a decadência como normal.

A Maçonaria não é lugar para ambições profanas — e quem as cultiva deve ser chamado pelo nome: "desviou-se do caminho".

É hora de recuperar a Ordem — ou ela afundará sob o peso dos próprios vícios.

Ir Ricardo Martinez

 

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O HOMEM E A RENOVAÇÃO MAÇÔNICA


 

“Um eterno aprendiz, nunca cessará o seu processo de aprendizagem”

A vida é uma escola continuada que temos ao nosso dispor desde o dia em que nascemos e até que exalemos o último suspiro estaremos sempre numa contínua aprendizagem.

Este processo passa talvez sem ser percebido pela maioria dos indivíduos que apenas transitam pela vida e não abstraem nenhuma lição útil para dar mais brilho aos seus espíritos.

Entretanto, ainda que não cheguemos a frequentar escolas regulares temos ao nosso dispor os costumes, as tradições, as normas de conduta transmitidas pelos mais velhos, as experiências e os conceitos de ética e moral que nos são disponibilizados.

Alguns indivíduos têm a chance de frequentar escolas, cursos profissionalizantes, universidades e expandir esses conhecimentos para além da maioria das pessoas, como pós-graduações, mestrados, doutorados e muito o que há ao seu dispor para os colocar acima da média no campo do conhecimento.

Tudo isto serve para aprimorar os espíritos que servirão para ficar em melhor comunhão consigo mesmo e com o universo que os rodeia, aí incluídos o resto da humanidade. De nada adianta tanta aprendizagem se ele não tiver como propósito o engrandecimento do indivíduo provido de alma que se relaciona com os seus iguais.

E há uma possibilidade disposta para o homem de bem que ama a liberdade e se habilita a conviver em harmonia com os seus irmãos a ajudar o Grande Arquiteto Do Universo na árdua tarefa de edificar um mundo melhor e mais justo.

A maçonaria universal possibilita a quem nela ingressa a união desses dois elos edificantes: o aprendiz e a aprendizagem, com a observância estrita de que o homem é um eterno aprendiz e que nunca cessará o seu processo de escolaridade. Na maçonaria o lema de aprender sempre precisa ser compreendido como a busca incessante pela verdade e pela evolução do espírito.

Esta é uma escola que se apresenta como uma faculdade da vida e que induz os seus integrantes a estarem em constante contato com as lições que servem para renovar o homem em todos os seus quesitos, como moral, espiritual, familiar, profissional e humano.

Um Maçom é um diligente e dedicado aprendiz, que cultua a virtude e combate os vícios que o desviam do rumo da perfeição. Nas nossas lojas buscamos aprender com os nossos irmãos a melhoria dos nossos edifícios interiores através da prática desses princípios: o exercício do amor, da tolerância, da humildade e da harmonia que deve reinar nas relações de todos os homens.

Cada Maçom é um aprendiz que tem ao seu lado um mestre pronto a ajudá-lo a rever a lição e aprimorar o ensinamento que lhe foi ministrado. Para que o aprendiz consiga abstrair em toda a sua essência o ensinamento a ele ministrado é preciso despir-se de capas e indumentárias que impedem essa evolução, por isto dizemos que um bom aprendiz consegue vencer as suas paixões e superar as suas vontades para crescer.

Somente com espírito aberto e sem vontades que nos prendem aos vícios e máculas trazidos pelas más experiências conseguimos elevar as nossas mentes à boa aprendizagem e à evolução que buscamos.

Para ingressar nas nossas fileiras o indivíduo precisa acreditar na existência de um princípio criador a quem chamamos de Deus, o Grande Arquiteto Do Universo. Isto engrandece o homem porque o coloca na senda da supremacia do amor, da concórdia, da paz e da retidão de caráter.

Assim, é imprescindível que cada irmão admitido na maçonaria seja um homem plenamente renovado na sua forma de encarar o mundo e se relacionar com os demais indivíduos que convivam ao seu redor.

Se não nos tornamos melhores quando ingressamos na nossa sublime ordem de nada adiantou o legado de lições que os nossos mestres nos transmitiram e terá sido em vão todo o tempo que dedicamos às nossas reflexões e todo o esforço que empreendemos na busca da verdade e da evolução dos nossos espíritos.

Se não conseguimos desbastar a pedra bruta que há em nós e não nos tornamos pedra polida ou cúbica o erro terá sido nosso por não sermos férteis em virtude e não nos despimos das nossas vontades e as imperfeições das nossas almas terão vencido.

O escritor francês Saint-Exupéry legou-nos ensinamentos primorosos sobre o sentido da renovação que cada indivíduo precisa ter em consonância para crescer e evoluir.

Renovar significa ser melhor a cada dia, abandonando os vícios da sociedade contemporânea como imediatismo, egoísmo, intolerância, concorrência desleal e hipocrisia.

Todos temos a oportunidade de nos reinventarmos a cada dia. Somente quem tem vontade e disciplina consegue se renovar com a aprendizagem que a vida nos possibilita.

Adolfo Ribeiro Valadares

 

domingo, 7 de dezembro de 2025

A FÁBULA DO PROFANO, ZOMBETEIRO E SEM RUMO


 

A Busca Vazia

Era uma vez um homem, um eterno profano, cujo único propósito parecia ser perturbar. Munido de uma curiosidade superficial e um falso brilho nos olhos, ele começou sua jornada: colecionar mestres da Maçonaria. Seu jogo era simples: preenchia formulários, marcava encontros e consumia o tempo precioso dos Mestres com perguntas vazias, fingindo um interesse que jamais se concretizaria.

Em menos de três anos, ele já tinha no currículo mais de trinta formulários de iniciação e conversas com igual número de Mestres. Suas promessas eram como fumaça: sumia na hora do compromisso, ignorando e desrespeitando o tempo e a boa-fé dos Obreiros.

O Zombo e a Ruptura

Um dia, reencontrou o primeiro Mestre, aquele que mais havia confiado nele. Com o coração ainda inclinado à esperança, o Mestre tentou uma última vez, explicando o processo iniciático com paciência. O Profano, porém, nem sequer esperou o final.

Ele explodiu em uma gargalhada de escárnio, apontando o dedo para o Mestre. "Maçonaria é isso? Tenho mais de trinta amigos maçons! Isso que o senhor fala não é nada!", vociferou. Zombou abertamente da Ordem, virou as costas e se retirou, convicto de que, por ter falado com muitos, sabia de tudo.

 A Queda e a Ilusão

Meses depois, navegando pelas redes sociais, a vaidade do Profano encontrou um espelho. Um indivíduo chamado Mister Willians, que se dizia "Illuminati", prometeu o que o Profano mais desejava: fama, riqueza e poder, tudo a troco de apenas 10 mil reais.

O Profano, sempre cético com a sabedoria, mas crédulo diante da ganância, não hesitou. Vendeu seu único bem, o carro, e depositou a quantia. Naquele instante, Mister Willians lhe deu a única verdade que ele ouviria: caiu na gargalhada e o bloqueou. O golpe estava consumado.

 O Preço da Arrogância

Desesperado, o Profano tentou reverter o erro. Buscou um por um os trinta Mestres, mas descobriu que a paciência tem limite: o desrespeito e a zombaria haviam custado seu acesso a qualquer ajuda. Ele estava bloqueado por todos.

Hoje, passados mais de dez anos, dizem que o Profano ajunta migalhas para tentar comprar um veículo muito inferior àquele que ele vendeu por uma ilusão. Sua vida segue sem rumo, uma prova viva de que a arrogância tem um preço caro.

 O Peso da Soberba

A humildade é a porta de entrada para a verdadeira elevação. Aquele que zomba da sabedoria e desrespeita o tempo dos Sábios se torna um alvo fácil para a ilusão e a fraude. O Profano que perdeu seu bem material não perdeu apenas dinheiro; perdeu a chance de evoluir, pois trocou a disciplina pelo escárnio e a verdade por uma mentira que lhe agradava.

Conclusão:

Não desperdice o tempo de quem quer te ensinar. A verdadeira riqueza não se compra, se conquista com esforço e respeito.

ÁTRIO DO SABER - MAÇONARIA & AMORC/CIÊNCIAS & FILOSOFIAS

 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

ERA VULGAR E ERA DA VERDADEIRA LUZ


 

Era – do latim aera, substantivo feminino, designa, dentre outros, o ponto determinado no tempo, que se toma por base ou referência para a contagem dos anos. Exemplo: a Era Cristã.

Sob esse aspecto o termo também representa o número de anos provindos a partir de algum acontecimento notável, cuja expressão época sugere o momento primordial desse episódio. É o caso bastante apropriado, por exemplo, no que se refere ao próprio começo dos tempos, ou o princípio do mundo.

Embora essa concepção seja ainda hoje especulativa, é graças a ela que muitas civilizações e religiões adotaram a sua própria “Era” relacionada com a criação do mundo. Dentre outros, os Judeus, por exemplo, concebem-na a partir do Pentateuco no primeiro livro de Gênesis, enquanto os Cristãos a idealizam a partir do nascimento de “Jesus Cristo”.

Vulgar – do adjetivo latino vulgare, menciona dente outros o que é relativo ou pertencente ao vulgo; comum, trivial, usual.

O termo “vulgar” relacionado à “era” (tempo) está presente, segundo alguns autores, embora ainda discutível, desde que os judeus estabeleceram o título “Era Vulgar” em substituição ao “antes e depois de Cristo”, fato que viria servir de parâmetro para designar o mundialmente conhecido Calendário Gregoriano, já que a Era Cristã e a Era Vulgar por força das circunstâncias se tornariam análogas.

Em se tratando de Maçonaria e o seu particular calendário, neste, o primeiro ano rotulado que aparece em antigos documentos do século XVIII é o Ano da Verdadeira Luz, em latim Anno Lucis, tido como a “idade dos cortadores de pedra” (Age of Stonecutters).

Buscando dar uma classificação independente de religião, bem como também dar um caráter de universalidade à Ordem, James Anderson, autor da Constituição de 1.723, baseado nos cálculos do bispo irlandês anglicano James Usher que houvera desenvolvido um estudo relativo à criação do mundo conforme o Livro de Gênesis e nos comentários críticos da massorat, segundo os quais a criação do mundo teria ocorrido em 4.004 antes de Cristo, Anderson então cogitou no texto constitucional que o início da Era Maçônica havia se dado 4.000 anos antes da Era Vulgar ou Era Comum (antes de Cristo).

Embora se perceba um pequeno arredondamento de quatro anos entre o resultado proposto por Usher e o adotado por Anderson prevaleceria maçônicamente o acréscimo da constante de 4.000 anos somada à Era Vulgar, cujo ano teria a mesma duração do Gregoriano, com a diferença de que o ano maçônico começaria no dia 1º de março, tendo os títulos dos meses designados conforme o seu número ordinal correspondente. Exemplos: segundo Anderson, o dia 1º de março de 2.014 da Era Vulgar (EV) corresponde ao dia 01 do mês 01 do ano de 6.014 da VL; o dia 10 de Junho de 2.014 da EV corresponde ao dia 10 do mês 04 do ano de 6.014 da VL.

À bem da verdade essa inserção de Anderson não pode ser considerada como uma regra geral e única adotada pela Moderna Maçonaria (a partir de 1.717), até porque com a evolução e a proliferação de ritos e sistemas maçônicos, particularidades nesse sentido devem ser criteriosamente observadas, sobretudo sobre o ponto de vista cultural e até mesmo religioso que possa envolver o costume.

Assim é o caso, por exemplo, de uma grande parcela dos trabalhos inerentes ao franco-maçônico básico da Maçonaria anglo-saxônica, bem como o Rito Moderno, ou Francês que adotam o calendário da Verdadeira Luz conforme o anteriormente mencionado, enquanto que o Rito Adonhiramita (origem francesa) adota um calendário equinocial que, embora também mantenha a mesma constante de 4.000 acrescida à Era Vulgar, tem o ano maçônico iniciado – ao invés do dia 1º – em 21 (vinte e um) de Março que corresponde ao primeiro dia do primeiro mês.

Já no caso do simbolismo do Rito Escocês Antigo e Aceito (também filho espiritual de França), provavelmente pela forte influência hebraica exercida sobre ele, adota para a Verdadeira Luz a constante de 3.760 [4] somada à Era Vulgar (gregoriana) entre os dias 1º de janeiro até 20 de setembro e 3.761 entre 21 de setembro e 31 de dezembro.

Nesse caso o ano maçônico tem início em 21 de março no equinócio de Primavera no hemisfério Norte o que por certo aspecto até se confunde com o calendário religioso hebraico (judaico) que é lunar e geralmente começa também no ponto vernal que ocorre na meia-esfera boreal do Planeta, cujo primeiro mês tem o nome de Nissan. Assim no simbolismo do Rito Escocês o dia 21 de março de 2.014, por exemplo, corresponde ao 1º dia do 1º mês Nissan do ano de 5.774 da Verdadeira Luz (2.014 + 3.760 = 5.774), enquanto o dia 21 de setembro de 2.014 corresponde ao 1º dia do 7º mês Tishrei ou Tishri do ano de 5.775 da VL (2.014 + 3.761 = 5.775).

A explicação para a diferença de constantes (3.760 ou 3.761) é porque o ano civil hebraico (judaico) geralmente quase coincide no seu princípio com o início da estação do Outono no hemisfério Norte (21 de setembro). Assim o calendário hebraico (judaico) se constitui pelo ano religioso e pelo ano civil, cujos respectivos inícios se dão muito próximos aos equinócios de Primavera e Outono no Norte. O religioso no mês Nissan próximo a 21 de março e o civil no mês Tishrei ou Tishri conexo a 21 de setembro.

Vale a pena mencionar que é no sétimo mês (Tishrei) que ocorre o Rosh Hashaná, o Yon Kippur e o Sucot.

A título de ilustração, em se tratando de Rito Escocês Antigo e Aceito e citando como exemplo os seus Supremos Conselhos norte-americanos, em linhas gerais eles adotam o termo Ano do Mundo (Anno Mundi) em lugar do título Verdadeira Luz e usam também a constante de 3.760 somada à Era Vulgar, porém a partir de 1º de janeiro até 31 de agosto e 3.761 a partir de 1º de setembro até 31 de dezembro. Nesse particular o ano se inicia em primeiro de setembro do ano em curso e se encerra em trinta e um de agosto do ano seguinte. Os meses são designados por numeração ordinal, assim setembro é o primeiro mês, enquanto Agosto, por exemplo, é o décimo segundo e último mês.

Também na Maçonaria e conforme os costumes e práticas ainda pede-se encontrar outros cálculos inerentes ao calendário, todavia os até aqui mencionados são os principais e os que mais aparecem dentro do franco-maçônico básico.

Em resumo a Era da Verdadeira Luz pode ser encontrada nos conceitos maçônicos adicionando-se as constantes de 4.000, 3.760 ou 3.761, conforme o caso, ao ano da Era Vulgar (calendário Gregoriano).

Antes de dar por concluídas as considerações, vale a pena aqui mencionar que o ideário relacionado aos calendários maçônicos e a sua afinidade com fatos históricos e lendas religiosas do passado é apenas e tão somente simbólica, não incentivando ninguém a imaginar a existência da Maçonaria junto ao princípio do mundo. O conceito provavelmente foi idealizado no intuito de simbolizar uma antiguidade para pragmática maçônica, e não a idade da Sublime Instituição que verdadeiramente possui aproximados oitocentos anos de história.

Graças ao ufanismo de alguns somados às falsas interpretações do calendário por outros é que no Brasil arrumaram uma data equivocada para a independência do Brasil dentro da Loja Comércio e Artes como sendo no dia 20 de agosto e ainda por cima sacramentaram mais tarde o erro histórico constituindo para falsa data o Dia do Maçom. Pelo calendário equinocial usado pela Maçonaria na época da Independência, 20º dia do 6º mês (início do sexto mês em 21 de agosto) correspondia no calendário gregoriano dia 09 de setembro da EV (Boletim do GOB datado no ano 1.874 da EV). No dia 20 de agosto da EV nem mesmo houve sessão no GOB, fato que pode ser verificado nas suas próprias atas de ouro concernentes à época.

Pedro Juk

 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O PORQUÊ O MAÇOM LEVA O PSEUDÔNIMO DE BODE


 

Essa é, sem dúvida, a pergunta campeã entre os curiosos e uma das lendas mais difundidas sobre a nossa Ordem. Mas de onde vem essa associação?

Primeiro, a verdade nua e crua:

Dentro da ritualística, da filosofia e da simbologia maçônica, NÃO EXISTE nenhuma alegoria, ferramenta ou símbolo ligado à figura do bode. Você não encontrará bodes em nossos templos, nem em nossos rituais. O Bode não é um símbolo maçônico.

Então, qual a origem histórica desse apelido?

Existem diversas vertentes históricas que explicam como esse pseudônimo colou na imagem do maçom:

Herança Templária: A teoria mais forte remonta à perseguição dos Cavaleiros Templários no século XIV. A Inquisição acusava a Ordem de idolatrar uma figura chamada "Baphomet". Séculos depois, ocultistas desenharam essa figura com cabeça de bode. Como a Maçonaria herdou tradições templárias, os detratores transferiram a acusação (e a imagem) para nós.

O Bode Expiatório: Na tradição bíblica (Levítico), o bode era enviado ao deserto carregando os pecados do povo. O maçom, por ser um homem de segredos, discreto e que muitas vezes "pagava o pato" por defender a liberdade contra tiranos, acabou sendo associado à figura daquele que aguenta o fardo em silêncio.

Propaganda Antimaçônica: No século XIX, fraudes literárias (como as de Léo Taxil) inventaram rituais demoníacos envolvendo bodes para difamar a Ordem perante a sociedade e a Igreja. Embora desmentidas, as imagens ficaram no imaginário popular.

Hoje, o termo "Bode" foi ressignificado pelos Irmãos. O que era para ser um insulto, virou um apelido carinhoso e uma gíria interna de reconhecimento, sinônimo de um Irmão que sabe guardar segredos e é resiliente.

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A IMPORTÂNCIA DO TEMPO DE ESTUDOS PARA O MAÇOM ESPECULATIVO

O objetivo deste trabalho é tentar revelar a importância do Tempo de Estudo em Loja, o qual pode servir como fonte de reflexão e de exercício das virtudes valorizadas pela sublime ordem. Ainda, procura causar, neste restrito tema, alguma inquietação que provoque nos leitores (ou ouvintes) o gosto pela especulação. Primeiramente, vamos retomar às origens da maçonaria especulativa e o que vem a ser esse termo.

A Maçonaria Especulativa, também chamada Maçonaria dos Aceitos, iniciou-­se por volta do ano de 1717 da era vulgar e perdura até os dias atuais. Os maçons que nos antecederam eram predominantemente operativos e dedicados à arte de construir, embora não negligenciassem os conceitos de fraternidade e guarda dos segredos da Arte Real (Audi, Vide, Tace). 

Os maçons aceitos levam esse nome porque foram aceitos entre os maçons operativos, mesmo sem possuir a mesma profissão dos maçons ditos antigos, utiliza do simbolismo das ferramentas operativas como forma de desbastar a pedra bruta, que eternamente seremos, seja do ponto de vista moral, espiritual ou intelectual.

O outro termo utilizado para designar os maçons modernos merece uma definição vinda do dicionário, ou seja, o que é especulativo, que vem de especular:

  • Especulativa: faculdade de especular.
  • Faculdade: poder de efetuar uma ação física ou mental; capacidade.
  • Especular: estudar com atenção e minúcia sob o ponto de vista teórico. Meditar, raciocinar.

Ser maçom especulativo significa ser observador, perceber os princípios morais subjacentes aos símbolos e aplicá-los no desbaste da pedra bruta e na construção de relacionamentos humanos confiáveis, sinceros e leais. Isso é feito através do estudo e da observação, tentando apreender a melhor forma de construir uma harmoniosa e perfeita fraternidade. O que os maçons especulativos ultrapassam os limites de suas Lojas. O maior trabalho de um maçom moderno é aplicar de maneira prática e correta a sabedoria moral que, se espera, venha adquirindo durante sua vida maçônica.

O maçom vai à Loja para especular, estudar e aprender e volta ao mundo para trabalhar e aplicar o que aprendeu. O maçom especulativo não é mais um construtor material como o eram os mestres maçons operativos. Ele será, antes de tudo, um homem moralmente sadio em busca da luz da verdade, dedicado à construção do edifício moral próprio.

Símbolo maior disso é o Painel de Aprendiz, o qual devemos ter marcado a ferro e fogo em nossa mente. Na mais bela representação, segundo minha visão, vê-se o Aprendiz, meio homem e meio pedra bruta, se lapidando com o uso do maço e do cinzel. 

Enquanto o Aprendiz segura o cinzel, instrumento de precisão que desbasta a pedra bate-lhe com o maço, que é o símbolo da força que sozinho não desbasta, apenas destrói. Nessa alegoria vemos a construção de si mesmo, lapidando-se em busca da utópica perfeição, cabível apenas ao G.’.A.’.D.’.U.’., mas a qual deve ser perseguida dos pontos de vista já citados (moral, espiritual ou intelectual).

Se o maçom moderno deve ir à Loja para especular, estudar e aprender creio que momento mais que oportuno seja o tempo de estudo, ou, ¼ de hora (15 minutos). Entretanto, uma reflexão sobre a nomenclatura é válida, pois o que temos é tempo de estudo e não tempo de leitura. Para entender melhor, vejamos as definições extraídas do dicionário:

  • Leitura: ação ou efeito de ler.
  • Estudo: trabalho ou aplicação da inteligência no sentido de aprender uma ciência ou arte. Aplicação, trabalho do espírito para empreender a apreciação ou análise de certa matéria ou assunto especial. Ciência ou saber adquiridos à custa desta aplicação. Investigação, pesquisa acerca de determinado assunto.

É notório que as possíveis definições de estudo coadunam justa e perfeitamente com o dever de um maçom especulativo, que é especular, estudar e aprender e voltar ao mundo para trabalhar e aplicar o que aprendeu. 

A especulação deve ocorrer logo após a apresentação do trabalho, momento esse muito rico no qual os irmãos podem contribuir para o enriquecimento do trabalho ou até mesmo propor questões para o irmão que trouxe o trabalho em Loja. 

Quando um irmão tece comentários a respeito do trabalho, é fato que enriquece o que foi exposto, mas também serve como forma de promover o exercício da oratória, que se bem-feita, cria instantaneamente líderes, pelo simples fato de convencer mediante argumentos.

Fazendo um paralelo com o Quadro de Aprendiz, quando apenas lemos um trabalho e ninguém faz comentários, vamos embora crendo que a forma como estamos manuseando o maço e o cinzel é perfeita.

Por outro lado, as críticas e comentários nos impõem uma reflexão a respeito do manuseio e nos ajudam a apurar a arte do uso dessas ferramentas. Assim que nos retiramos para o mundo profano com uma visão diferente daquela inicial quando da chegada na Loja.

Outro ponto sobre especulação a respeito do trabalho, que, creio eu, deva ser feita de forma quase que exaustiva, está no fato que essa prática vai de encontro à vaidade e ao encontro da temperança. A verdade é que quando alguém apresenta um trabalho em público, o que se espera são os aplausos e as palavras de agradecimento pelo belo trabalho exposto. Ninguém espera o contrário. Aqui vale a pena citar uma frase do escritor americano Norman Vincent Peale (1898­-1993):

“O mal de quase todos nós é que preferimos sermos arruinados pelos elogios a sermos salvos pelas críticas.”

O ser humano é vaidoso por natureza e, em geral, quando faz algo pelos outros, o faz não pela ação em si, mas na esperança de receber em troca o reconhecimento pela ação feita. A vaidade, segundo o dicionário, é o “desejo imoderado e infundado de merecer a admiração dos outros. Presunção mal fundada de si, do próprio mérito”. Acrescento: vício vil!

Sendo assim, esse momento de embate no tempo de estudos também é importante para ajudar a conter a vaidade e exercitar uma das quatro principais virtudes de um maçom: a temperança, a qual, segundo o dicionário é o “poder ou virtude pela qual o homem pode refrear os apetites desordenados”. “Parcimônia. Modéstia. Humildade”. Empregamos a temperança no tempo de estudos quando da forma como nos dirigirmos aos irmãos a respeito do assunto sendo especulado, o qual por sua vez, mesmo que a vaidade o instigue, deva usar a temperança para aplacá-la e tratar o irmão como irmão.

Resumindo, creio eu ser o tempo de estudos momento único no qual o conhecimento trazido pode ser especulado e salutarmente debatido entre os irmãos, como forma de lapidar a pedra bruta do ponto de vista intelectual (conhecimento e reflexão) e moral (combate ao vício e estímulo às virtudes). Assim, faremos valer a resposta à indagação: “O que fazem em vossa Loja?”…”Levantam-­se templos às virtudes e cavam-­se masmorras aos vícios”.

Termino este trabalho a respeito da importância do estudo e da especulação com uma frase do escritor francês Bernard le Bovier de Fontenelle (1657–1757):

“É verdade que não podemos encontrar a pedra filosofal, mas é bom que ela seja procurada. Procurando-­a, encontramos muitos segredos que não procurávamos.”

Autor: Ivair Ximenes

 

 

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

O CORPO, OS VÍCIOS E AS VIRTUDES


 

Esta peça tem como objetivo a relação entre os vícios e as virtudes, representados pelos três companheiros e os três mestres que encontram Hiran. Sua base foi extraída do livro "Do sexo à divindade" do autor Jorge Adoum, também conhecido como Mago Jefa, onde ele aborda as conexões existentes nas religiões, desde as mais antigas até as atuais, navegando pelas Fálias, Mítrica, Osíris, Druidas, védicas, budista e Cristã, fazendo referência ao ato sexual, ou o ato de procriar, como sendo algo sagrado.

Mas aqui me atenho às observações que o Mago Jefa faz no livro, falando sobre o mito de Hiran.

Os obreiros citados no livro e que estão presentes na história, são classificados como companheiros, possuíam dentro de si as vontades latentes e a ânsia em se tornar mestre, porém, somos sabedores que nenhum dos três estava pronto ou sequer era merecedor ou estava apto à passagem do grau.

Os três companheiros foram considerados e relacionados pela trindade dos vícios, sendo eles a ignorância, o fanatismo e a ambição. O autor menciona no livro: "Os três malditos assassinos são os três meses do inverno", nos levando à reflexão de que, quando consumidos pelos vícios, causamos a cegueira nas ações e pensamentos, falhando na nossa proposta maior de contemplação, vagando pelo vale escuro, onde o frio é intenso e pouco ou nada se vê de luz e calor.

Nesse ponto, os três companheiros, representados pela ignorância, fanatismo e ambição, querem ocupar o lugar da verdade, lucidez e generosidade. Sabemos que esses três vícios matam o homem, fazem-no sucumbir, se perder nos propósitos, não dando espaço aos valores de uma vida pura e limpa.

A ignorância, é representada por toda a falta de instrução, a deficiência de absorver práticas e de colocá-las a prática em todos os âmbitos, seja externo ou interno. Ela é uma das principais responsáveis pela carência de responsabilidade, causando cegueira parcial no indivíduo.

O fanatismo, é representado pela intolerância obsessiva e irracional, esse por vez cria uma paixão extrema por algo, tanto emocional quanto material, nunca está aberto a ouvir ou aceitar algo que não seja aquilo que entende por correto em sua visão de mundo, causando cegueira parcial no indivíduo.

A ambição, essa última abrangendo a ignorância e o fanatismo, pois a característica de um ambicioso é que ele é tanto ignorante quanto fanático, possui dentro de si um forte desejo de alcançar algo, passando por cima de tudo e todos para alcançar o que ele tem por objetivo, normalmente o ambicioso não mede o que terá de ser feito para que consiga alcançar o que procura e dificilmente quando alcançar para, pois a ambição se torna um vício, pois o desejo de ter tudo a qualquer custo causa a obsessão deteriorando tudo e todos em volta, causando cegueira total no indivíduo.

Vemos na história de Hiram os três vícios, ou os três companheiros, que aguardam o mestre nas principais portas do templo, para que o mestre lhes dê a palavra secreta do grau, porém a resposta do mestre foi "trabalha, e obterás."

O templo referenciado no texto tem a conexão com nosso templo interior, o corpo do homem, quando agimos pelos impulsos e vontades, colocando em evidência os três vícios ou os três companheiros, deixo que eles façam o trabalho sujo e saiam impunes, denegrindo nosso corpo, imagem e todos aqueles que nos rodeiam.

O livro mostra que não morremos quando, por motivos, nós deixamos agir com algum desses vícios, desde que deixemos que os três mestres, esses que buscaram a verdade, nos mostrem e corrijam os caminhos e ações, sendo eles o mestre saber, o mestre fé e o mestre Amor.

O saber, envolve a capacidade de entendimento, ele é importante para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo, trazendo consciência e sensatez em suas decisões, cautela em suas colocações e sabedoria em seu agir.

A fé, envolve a fidelidade a um propósito, a esperança em algo que se crê e que se acredita, é a condição de acreditar na verdade, mesmo que não a conheça ou esteja em sua busca, sem a fé a verdade se torna uma alusão.

O amor, envolve os sentidos, envolve tudo que se movimenta, sendo portador desse sentimento nos pensamentos e atitudes tudo se torna mais verdadeiro, porém sem ele, nosso corpo sucumbi, caindo nas garras da ignorância, fanatismo e ambição.

Os três mestres eliminam do corpo esses vícios, desde que não sucumbamos a cair neles de novo, de novo e de novo.

"O corpo é o templo de Deus vivo.", cita o Mago Jefa, é nele que ocorre a manifestação dos vícios e virtudes, tudo agindo de acordo e sendo reflexo do nosso trabalho e nossas ações.

O templo conforme sua descrição histórica, é um local sagrado, de santidade, habitado por Deus. Quando referimos ao templo interno, a descrição não se muda, pois torna nosso corpo um local sagrado e habitado por Deus.

Possuímos dentro de nós esses vícios, aqueles que controlamos e a todo instante cavamos masmorras, mas sabemos que se formos falhos iremos sucumbir e deixar que eles nos consumam. Se isso ocorrer e estivermos com a ciência de que falhamos, os três mestres irão encher nosso corpo com saber, fé e amor.

Mas se formos ignorantes, fanáticos e ambiciosos a ponto de não conseguir controlar os vícios, é o momento de retirar o avental e repensar o propósito e sentido da vida, pois dentro de nosso templo interior somos aquilo que optamos por evidenciar, ou vícios ou virtudes, sempre irá vencer aquele que mais fortalecida estiver, ou seja, aquela que mais alimentarmos com nossas atitudes ou pensamentos.

Por fim, o texto causa complexo entendimento, trazendo a referência do templo como um corpo, dos três companheiros como os vícios e dos três mestres como as virtudes.

Trabalhemos incansavelmente nosso saber, que é a fonte do conhecimento e que combate a ignorância, trabalhemos nossa fé, que traz a segurança naquilo que cremos combatendo o fanatismo e que possamos transbordar de amor em nossas vidas, para que nunca nos deixemos levar nem sucumbir pela ambição.

Todas essas coisas sem nenhuma exceção são fundamentais para que o mestre cumpra seu papel dentro e fora do templo, ou seja, no templo maçônico e no seu templo interior, buscando a todo momento identificar e corrigir a ignorância, ou fanatismo e a ambição.

Mateus Hautt Nörenberg-MM

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O TRIPONTO E A ARTE DE COMPLICAR O ÓBVIO

Desmistificando uma Convenção Tipográfica Francesa

O triponto maçônico não passa de uma convenção tipográfica francesa. Ponto. Mas não, senhores: preferimos inventar interpretações esotéricas dignas de um esoterismo de almanaque. Aí vem o irmão, de avental e luvas brancas, jurar de pés juntos que o triponto representa os três graus simbólicos, ou o Esquadro e Compasso com o Livro da Lei, ou — pasmem — as pirâmides de Quéops, Quefren e Miquerinos. Alguns, em surto místico-quântico, chegam a falar em prótons, elétrons e nêutrons. Pelo amor de Deus!

Isso é o que chamo de senso comum maçônico: uma espécie de vulgata interpretativa que naturaliza práticas regionais como se fossem universais, essenciais, ontológicas. É a nescionaria em operação — esse ritual do não-saber que se traveste de conhecimento profundo. É importação acrítica. É viralatice hermenêutica.

A verdade — essa coisa simples, essa obviedade solar — exige que voltemos às origens. Antes de 1700, não existia triponto maçônico — existiam apenas reticências ou pontos abreviativos usados em manuscritos latinos. Desde os escribas romanos, os grupos de pontos e sinais de abreviação eram ferramentas gráficas, não místicas.

Adriano Cappelli documenta o seu uso sistemático no século XIII (Lexicon Abbreviaturarum, Milano, Hoepli, 1899), e o próprio Justiniano já as restringia no Corpus Juris Civilis (Digesto, XLVIII, 10, 32), no século VI. Philippe le Bel chega a proibi-las formalmente em 18 de dezembro de 1304 (Ordonnance) — o que mostra que o problema era paleográfico, não metafísico.

O triponto maçônico propriamente dito nasce na França iluminista. A mais antiga menção conhecida está nos registros da loja La Sincérité, Oriente de Besançon, de 1764, onde aparecem fórmulas abreviadas como GODF (conforme Chapuis documenta em Histoire du Rite Écossais Ancien et Accepté, Paris, Guy Trédaniel, 1989, p. 21). O Grande Oriente da França, segundo Jean-Marie Ragon, Orthodoxie Maçonnique (Paris, Bailleul, 1853, p. 214), em 12 de agosto de 1774, oficializa a prática em circular administrativa.

Ou seja: o triponto é inovação iluminista, não legado atlante. Esta padronização coincide com a reorganização burocrática do GODF sob o Grão-Mestre duque de Chartres, o que explica a ênfase no aspecto documental e caligráfico, não ritual.

O costume de abreviar palavras, cumpre lembrar, surgiu com os gregos e foi extensamente explorado pelos romanos, que criaram inclusive a regra de duplicar a letra inicial nas abreviações de termos no plural — regra ainda existente na abreviação maçônica.

Se sempre adotadas em atas e sinalizadas por traços, barras ou reticências, é natural que nas atas maçónicas francesas as abreviações ganhassem um sinal correspondente com a instituição: uma variação das reticências lembrando o símbolo geométrico mais importante, o Triângulo.

Não demorou para que, pelo costume da escrita e exclusividade do uso, o triponto ultrapassasse a sua utilidade caligráfica e alcançasse a assinatura dos Irmãos.

Simples assim. Sem mistério. Sem Egito. Sem alquimia. Sem física quântica. É convenção paleográfica, não cosmologia iniciática.

Mas o (Maçom) brasileiro — ah, o brasileiro! — na sua condição periférica, recebe o Rito Escocês Antigo e Aceito de matriz francesa e naturaliza tudo: o triponto vira “essência” da Maçonaria. Converte regionalismo em universalismo. E aqui está o problema central: o triponto não é universal. Nunca foi. Nunca será.

A tripontuação é inexistente nos manuscritos da Grossloge von Hamburg (1801) e da Observância Draskovic (1775). O Schrödersche Lehrart (Hamburgo, 1801) de Friedrich Ludwig Schröder (Hamburg, 1801) não apresentam triponto. Nenhum manuscrito da Grande Loja de Hamburgo o utiliza.

O Systema Constitutionis Latomiæ Libertatis da Observância Draskovic (Zagreb, 1775) é redigido em latim clássico, sem qualquer uso de pontos triangulares — as abreviações seguem o modelo jurídico latino (MM. para Magister etc.). A Observância utilizava código especial para correspondências baseado em letras-chave por grau (T, N, E), mas jamais usou o triponto.

Os seus documentos seguiam convenções paleográficas centro-europeias. A simplicidade tinha motivação prática: sigilo absoluto em contexto de repressão imperial. As lojas reuniam-se em locais variáveis, inclusive “em campos e florestas”, onde “com algumas mesas, cadeiras, três velas, papel, canetas e tinta” formavam uma Loja perfeita.

Não havia triponto porque não havia necessidade de triponto. A tradição linguística e tipográfica era outra.

As lojas anglo-saxônicas usam abreviações lineares, sem triângulo.

 Os Proceedings da United Grand Lodge of England (fundada em 1813) não possuem triponto — as abreviações são lineares e separadas por pontos simples (G.L., R.W., W.M.). Os Transactions da Grand Lodge of Pennsylvania (desde 1731) tampouco adoptam o formato francês. A França a inventou; o resto do mundo, com razão, a dispensou.

Mas isso não importa para o fundamentalismo “tripontista” brasileiro, que trata esse acidente histórico como se fosse dogma revelado no Monte Sinai.

E o delírio místico sobre o triponto nasce cem anos depois do seu uso. Ragon (1853) nunca lhe atribuiu valor simbólico universal — apenas registrou a prática como convenção administrativa. Foi Oswald Wirth, em Le Livre du Compagnon (1894, p. 51), quem começou a associar o triângulo equilátero à divindade, influenciado pelo simbolismo hermético de Éliphas Lévi — é aqui que nasce o mito simbólico do triponto. O simbolismo do triponto é invenção tardia. Desde então, cada repetidor multiplicou o eco sem retornar à fonte.

Gadamer, em Wahrheit und Methode, ensinou-nos que toda compreensão é situada, que carregamos preconceitos (no sentido hermenêutico, Vorurteit) que condicionam a nossa leitura do mundo. O problema é quando o preconceito vira pré-compreensão inautêntica: quando naturalizamos o contingente e perdemos a capacidade crítica.

É exatamente isso que ocorre com o triponto na Maçonaria brasileira. Transformamos convenção francesa em universalidade maçônica. Esquecemos que a palavra clara é o verdadeiro instrumento da iniciação, e que a forma tipográfica é mero acidente histórico-cultural.

O triponto vira fetiche. Deixa de ser o que é — convenção tipográfica francesa de 1774 — e passa a ser tratado como coisa em si, como substância metafísica, como essência maçónica universal. O que começou como sinal tipográfico em 1764 virou fetiche iniciático em 1894. O erro não está no uso — está na crença.

Então, meus irmãos, sejamos honestos: a verdade é muito melhor do que imaginar que estamos desenhando Quéops, elétrons ou enxofre quando assinamos. O triponto não é mistério sagrado. É convenção francesa. Respeitável? Sim. Legítima? Claro. Universal? Absolutamente não.

Confundir regionalismo gráfico com essência filosófica revela desconhecimento da real diversidade das tradições do Ofício. É colonialismo simbólico travestido de universalismo. É a crença de que só é Maçonaria “de verdade” aquela que replica o padrão francês, ignorando que vastas regiões da Maçonaria mundial — Alemanha, Hungria, Croácia, Inglaterra, Estados Unidos — nunca conheceram nem precisaram do triponto.

Portanto, quando assinar com o seu triponto, faça-o conscientemente: você está usando uma convenção tipográfica francesa do século XVIII, não um símbolo cósmico universal. E isso não diminui em nada o valor da sua assinatura nem da sua condição de Maçom. Apenas a torna historicamente situada — que é como as coisas são na realidade, fora do esoterismo de botequim que confunde convenção paleográfica com revelação iniciática.

Em resumo: há mais história do que mistério no triponto. O triponto não é símbolo universal — é a assinatura do provincianismo disfarçado de tradição.

Rui Badaró, Meister vom Stuhl da ARLS Gotthold Ephraim Lessing nº 930, Or. de Sorocaba / SP, GLESP

Referências

  • CAPPELLI, Adriano. Lexicon Abbreviaturarum. Milano: Hoepli, 1899.
  • RAGON, Jean-Marie. Orthodoxie Maçonnique. Paris: Bailleul, 1853.
  • CHAPUIS, Paul. Histoire du Rite Écossais Ancien et Accepté. Paris: Guy Trédaniel, 1989.
  • LAXA, Eugene; READ, Will. “The Draskovic Observance.” Ars Quatuor Coronatorum, Vol. 90, 1977.
  • SZENTKIRÁLYI, Miklós; VÁRI, László. Szabadkőművesség Magyarországon. Budapest: Akadémiai Kiadó, 2018.
  • WIRTH, Oswald. Le Livre du Compagnon. Paris, 1894.

 

 

domingo, 16 de novembro de 2025

EGRÉGORA: SIGNIFICADO, TRADIÇÕES E IMPORTÂNCIA NA MAÇONARIA


 

A utilização do termo Egrégora tem suscitado, ao longo da história, diferentes compreensões entre pesquisadores, espiritualistas e iniciados. É um conceito que, dependendo do ângulo de observação, pode ser entendido de maneira mais simbólica, mais esotérica ou até mesmo filosófica. Mas afinal, o que significa exatamente Egrégora?

Algumas definições mais simples a descrevem como “a aura de um local onde há reuniões de grupo, e a aura de um grupo de trabalho”. Essa concepção, bastante difundida entre espiritualistas, apresenta a Egrégora como um campo energético que se forma sempre que pessoas se reúnem com um propósito comum, seja ele religioso, esotérico, cultural ou mesmo social.

Por outro lado, existem definições mais ousadas e complexas. Há quem considere a Egrégora uma espécie de entidade autônoma, formada pela persistência e intensidade das correntes mentais geradas por indivíduos reunidos. Segundo essa visão, nos centros verdadeiramente espiritualistas, tais criações psicomentais assumem formas sutis e elevadas, comparáveis aos devas ou inteligências espirituais.

Porém, nos centros desvirtuados, essas mesmas criações podem se degenerar em verdadeiros “monstros astrais”, forças hostis que passam a perseguir tanto seus criadores quanto os frequentadores daquele espaço. Essa é uma advertência sobre o poder criador da mente coletiva e sobre a necessidade de pureza de intenções.

Há ainda uma definição mais clássica, de natureza etimológica e conceitual. A palavra Egrégora vem do grego egrégoroi, que significa “vigilantes”. Essa definição a compreende como a força gerada pelo somatório das energias físicas, emocionais e mentais de duas ou mais pessoas quando se reúnem com qualquer finalidade.

Nesse entendimento, a Egrégora é uma condensação de energias múltiplas, que se acumulam e se harmonizam no éter, criando uma realidade vibratória capaz de influenciar tanto o grupo quanto os indivíduos que dele participam. Quanto mais poderoso, equilibrado e consciente for um indivíduo, mais força empresta à Egrégora, que assimila e integra suas vibrações.

Na média, portanto, podemos considerar a Egrégora como a somatória de energias mentais, emocionais e espirituais, criadas e nutridas por grupos humanos. Essa energia se concentra em virtude da força vibratória ressonante, e quanto mais harmônica for essa vibração, mais sólida e eficaz se torna a Egrégora.

POLARIDADES DA EGRÉGORA

Se a Egrégora é fruto da soma de energias, não há limites para o nível de frequência em que pode atuar. Assim, podem existir Egrégoras de altíssima vibração espiritual, luminosas e construtivas, como também Egrégoras densas, destrutivas e negativas.

Essa existência de diferentes frequências reforça a antiga lei da dualidade: claro e escuro, positivo e negativo, bem e mal. Porém, a análise mais profunda revela que essa dualidade não é absoluta, mas relativa e complementar. A própria existência da Árvore da Vida, enquanto símbolo do caminho da queda e da reintegração, sugere que há uma árvore oculta, imersa na escuridão da terra, que lhe serve de raiz. Ou seja, luz e sombra, virtudes e vícios, vida e morte, coexistem em permanente tensão, contribuindo para o equilíbrio cósmico.

A partir dessa visão, torna-se evidente que podem existir Egrégoras positivas e construtivas, capazes de elevar seus participantes, e Egrégoras negativas e destrutivas, que escravizam e drenam energias. O equilíbrio, e não o extremismo, é o verdadeiro objetivo do iniciado.

FONTE GERADORA DA EGRÉGORA

Surge, então, a pergunta fundamental: qual é a fonte que anima e mantém viva uma Egrégora? Como ocorre, no plano físico e sutil, esse processo de geração e ressonância energética?

A resposta parece residir na constância. Uma Egrégora não se forma por ações dispersas ou ocasionais, mas pelo trabalho contínuo, disciplinado e harmonioso. Da mesma forma que um dínamo gera energia elétrica pela rotação constante de seu eixo, um grupo espiritual gera energia sutil pela repetição regular de rituais, práticas e intenções comuns.

Daí a importância dos rituais, cerimônias e trabalhos templários em tradições como a martinista, a rosacruciana ou a maçônica. A permanência do gesto ritual, sempre no mesmo sentido e em harmonia, cria um campo vibratório estável e acumulativo, sustentando uma Egrégora poderosa.

O trabalho regular, constante e harmonioso, somado aos interesses superiores de seus praticantes, é a fonte de uma Egrégora elevada, capaz de gerar paz, evolução espiritual e conhecimento. Esse princípio também explica por que tradições iniciáticas, como a martinista, condenam a mercantilização do sagrado. A venda de graus, cargos ou conhecimentos não apenas fere o espírito da tradição, como rompe a harmonia vibratória, contaminando a Egrégora com intenções profanas.

A EGRÉGORA NA MAÇONARIA

Ao trazer esse conceito para a Maçonaria, sua importância se torna ainda mais clara. A Ordem, que é essencialmente iniciática, ritualística e simbólica, vive e respira através da sua Egrégora.

Cada Loja Maçônica, ao se reunir em sessão regular, com seus ritos, símbolos e palavras de ordem, alimenta e fortalece uma Egrégora própria. Essa energia coletiva não é apenas resultado da presença física dos Irmãos, mas da intenção comum de buscar a Verdade, trabalhar pela evolução espiritual e pelo bem da humanidade.

A Egrégora Maçônica se torna, assim, um campo de proteção e inspiração. É ela que garante a continuidade da tradição, que dá coesão ao trabalho ritual e que conecta a Loja ao corpo mais amplo da Maçonaria Universal. Não é exagero afirmar que, sem sua Egrégora, a Maçonaria seria apenas uma sociedade de reuniões formais. É a força sutil e invisível que transforma cada sessão em uma verdadeira oficina espiritual.

Vale ressaltar que, na Maçonaria, essa Egrégora se alimenta não apenas da constância ritual, mas também da conduta moral e ética dos Irmãos. A presença de paixões desordenadas, vaidades, disputas materiais ou interesses profanos pode fragilizar e até mesmo corromper a Egrégora de uma Loja. Por isso, o cuidado com a pureza das intenções e com a fraternidade é essencial.

Da mesma forma, quando Maçons de diferentes Lojas e potências se reúnem em um congresso, em uma iniciação conjunta ou em uma consagração, a Egrégora se expande, integrando-se a uma corrente mais ampla, que conecta todos os maçons do mundo. Esse é um dos mistérios da Ordem: cada Loja tem sua Egrégora particular, mas todas se ligam a uma Egrégora Maçônica Universal, sustentada por séculos de rituais, símbolos e trabalhos constantes.

Essa concepção é confirmada pela própria prática ritual, quando se afirmar que as Lojas trabalham “sob os auspícios do Grande Arquiteto do Universo”. Ao invocar o G.’. A.’. D.’. U.’., a Loja não apenas orienta seus trabalhos a uma dimensão superior, mas também conecta sua energia coletiva à grande corrente universal que dá vida à Maçonaria.

CONCLUSÃO

A Egrégora, seja compreendida como aura, entidade ou força vibratória coletiva, é uma realidade presente em todos os agrupamentos humanos. Nas tradições iniciáticas, sua importância é ainda maior, pois ela constitui a base sutil que sustenta e orienta os trabalhos.

No Martinismo, no Rosacrucianismo e especialmente na Maçonaria, a Egrégora é fonte de proteção, inspiração e elevação espiritual. É ela que garante a continuidade dos mistérios, a coesão do grupo e a ligação com as realidades superiores.

Cabe aos iniciados, portanto, a responsabilidade de cuidar dessa energia, mantendo a constância ritual, a pureza das intenções e a fraternidade verdadeira. Somente assim a Egrégora permanecerá luminosa, capaz de conduzir seus filhos pelo caminho da Luz, do Equilíbrio e da Sabedoria.

E assim, em espírito e verdade, podemos proclamar: sempre e sempre, para a Glória do Grande Arquiteto do Universo!

A/D

 

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