SOBRE O SIGILO MAÇÔNICO


Na longa história da Maçonaria, nada causa tanta controvérsia como o compromisso da Ordem com o sigilo. Este único fator tem gerado rumores tão fantasiosos a ponto de se tornarem mitos. Produzindo sátira, desconfiança e, por vezes, a exposição da Ordem ao ridículo. O sigilo leva a uma mística que tanto ajuda quanto prejudica a instituição, de uma forma tão subjetiva que só pode ser imaginada.

Infelizmente, esta mística não é inteiramente benigna. Enquanto os Irmãos desfrutam da fraternidade, o público é deixado para imaginar o que se passa por trás das portas fechadas do Templo. A imaginação é uma ferramenta poderosa, e por isso as características que tornam a Maçonaria atraente para os seus membros dão origem a uma grande variedade de imagens fantásticas para o não iniciados.

Algumas pessoas que veem a Maçonaria do lado de fora acreditam tratar-se de uma organização sinistra. Nos Estados Unidos, por exemplo, ainda é comum pessoas acreditarem que a Loja é um lugar onde o sussurro de uma reunião noturna se transforma em políticas de governo no dia seguinte e onde os homens podem ganhar poder através do conhecimento da “palavra secreta”, e não através de eleições populares.

Esta visão não é difícil de entender. O simples fato de alguma coisa ser escondida aflora a curiosidade. E uma organização que preserva o seu sigilo certamente evoca imagens de conspiração e atividades proibidas.

A questão é que a falta de explicação só provoca o leigo, que é então, deixado para especular sobre o significado de nossas vestimentas peculiares, os emblemas que as decoram e nossos símbolos e alegorias. 

Mas quando examinamos o fenômeno, começamos a vislumbrar a real natureza do segredo maçônico: Como a Maçonaria percebe a sua relação com o público em geral é o cerne da questão.

A partir da iniciação somos levados a entender os significados dos símbolos e as tradições a que se referem, mas prestamos pouca atenção ao aspecto singular do simbolismo.

E rapidamente tornamo-nos confortáveis com a situação, tão rápido quanto perdemos de vista o fato de que o grande público vê tudo isso de uma forma diferente.
Os símbolos são um ponto focal para a crença de muitas pessoas de que a maçonaria detém informações ”clandestinas”, para as quais o resto do mundo não tem acesso.

Este tipo de percepção se manifesta de uma maneira tangível: Ao longo dos anos, a crítica à Maçonaria tem se tornado uma indústria. Existem diversos críticos dedicados a entregar sua mensagem anti maçônica.  Eles aparecem em televisão, escrevem cartas a editores, artigos e livros, todos voltados para um público que muitas vezes parece fascinado pelos contos sensacionalistas que são o estoque do comércio anti maçônico.  Mas o que pensamos de tudo isso?  Como seria de se esperar, não passa despercebido.

Mas este tem sido um debate interno. Raramente divulgamos nossa preocupação. O leigo, ao não ouvir respostas, é induzido ao erro pelo silêncio e pela indiferença. 
No entanto, o debate é real e consciente.

Se por um lado podemos questionar a necessidade de manter o sigilo abrindo a Maçonaria à opinião pública, afinal o mercado já é farto de material de livre acesso, por outro lado é importante lembrar que o sigilo é parte integrante do ofício.

Os “segredos” da Maçonaria são elementos simbólicos intimamente envolvidos com os ensinamentos maçônicos. Mudar isso alteraria a natureza básica da Ordem.

Isto porque somos ensinados a valorizar as tradições representadas por um elaborado sistema de símbolos e alegorias.

 A maior parte da mística, é claro, não tem nenhuma substância.  Ela surge a partir de uma confusa falta de informação combinada com uma tentativa evidente de escondê-la.

As pessoas sabem pouco sobre a Maçonaria, simplesmente porque não sabem para onde olhar. Na realidade, a suspeita que paira sobre a Maçonaria deve-se mais à falta de publicidade do que uma conspiração anti maçônica deliberada. 
Parece, então, que um breve estudo sobre qualquer uma das várias histórias gerais da Ordem seria suficiente para dissipar a maior parte do mal entendido que tem se edificado em torno dela.  Mas aí reside outro problema.

Um ou dois bons livros sobre Maçonaria seriam suficientes para esclarecer uma série de mal entendidos, mas apenas se o leitor entender e acreditar no que está escrito.  Como sabemos a boa literatura maçônica não basta ser lida, deve ser interpretada.

Outro ponto importante é que uma rápida pesquisa de livros sobre maçonaria revela diferentes e contraditórias descrições da organização. Um livro descreve a Maçonaria como uma organização nobre que promove os mais elevados valores morais. Outro a descreve como um sistema anticristão.

Obviamente nem tudo o que tem sido escrito sobre a Maçonaria pode ser verdade.  Muitas obras devem ser imprecisas, mesmo as que tentam explicar as origens da Ordem, visto que podemos encontrar literaturas que defendem a evolução do ofício a partir das guildas de pedreiros medievais, outras imputam o crédito aos Templários ou aos Egípcios. Há até quem já tenha visto os primórdios da maçonaria no Jardim do Éden...

O fato é que qualquer um de nós, dos quais se espera conhecer ao menos parte da verdade, será sempre duramente pressionado para dizer qual é qual.

Durante séculos, as pessoas têm tentado descobrir as origens da Maçonaria. Talvez grande parte deste trabalho tenha sido em vão por estarem procurando por uma organização antiga, que evoluiu para a fraternidade moderna.  Mas a Maçonaria nunca foi uma única organização. Ela sempre foi tradição.

Uma das características de uma alegoria é a de que ela não fornece respostas.  É, afinal, apenas um veículo de comunicação por símbolos. E os símbolos apenas apontam a atenção na direção certa.  O resto é com o indivíduo.

E sob este prisma, o Maçom é livre para interpretar as lições da Loja como quiser. O ritual convida-o a fazê-lo uma vez que é repleto de lendas e, por vezes, situações que dão margem a interpretações diferentes.

Assim, ao usar o livre arbítrio, qualquer indivíduo maçom pode concluir que as lições são destinadas para separar ou unir, que, por exemplo, nossos sinais, toques e palavras são concebidos para receber um Irmão, ou simplesmente excluir um não iniciado.

E isto é tanto uma lição quanto um aviso. Nós, Maçons modernos, temos o espírito e a reputação da Ordem em nossas mãos. Assim, seremos os mocinhos ou os bandidos, dependendo da maneira como interpretamos o ritual e da nossa capacidade (ou falta dela) de argumentar sobre a Ordem com o público em geral. A escolha é nossa.

O fato é que tanto o nosso compromisso com o sigilo quanto os argumentos dos críticos são baseados em um ponto de vista comum. Esse ponto de vista liga o Maçom ao seu crítico em um vínculo que talvez seja até mais forte que a ligação maçônica de fraternidade. Ele promove a intolerância e a exclusividade.  É o contraponto do espírito benevolente que a Maçonaria ensina desde os seus primórdios.

Infelizmente muitos dos que estão envolvidos com a maçonaria, sejam maçons ou seus críticos, não se informam além do básico. Satisfeitos com o que encontram na superfície deixam de perceber o significado subjacente a tudo. E assim, um sistema que foi cuidadosamente construído para unir as pessoas é muitas vezes usado para mantê-las separadas (o maçom do seu crítico).

 Dizer a um homem alguma coisa, qualquer coisa, e então adverti-lo que é um segredo é a melhor maneira de separá-lo das pessoas ao seu redor. Isto o obriga a escolher entre esconder seu conhecimento dos outros e trair aquele que o deu a ele.

Seguros que estamos na crença de que não fazemos nada de sinistro, não vemos razão para corrigir o que não consideramos errado, mas no final, é provavelmente muito melhor entender uma coisa e debater seus desdobramentos, do que ser mistificado por ela.

Bibliografia:
- C. Bruce Hunter. Beneath the Stone, The Story of Masonic Secrecy (1992).
- George S. Eichhorn, Masons.
Reticent like any family.
- Anotações pessoais.

Rogério Alegrucci - M.´.M.´. 
Trabalho apresentado na A.´.R.´.L.´.S.´. Manoel Tavares de Oliveira, 2396 - GOB/GOSP em  13/11/2012 E.´.V.´.


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