A MAÇONARIA E A IGREJA DO MUNDO PERFEITO



Um grande amigo meu, maçom reconhecido nos quatro costados do mundo, com relevantes serviços prestados à Pátria e à Humanidade, brincou comigo depois de muito ler minhas reflexões sobre a maçonaria brasileira:

‒ Você será o vigário da igreja do Mundo perfeito.

Ele tem razão; no mesmo sentido raciocina outro grande maçom e amigo meu, com relevantes serviços prestados à Ordem:

‒ Irmão José Maurício... você é um cândido...

A palavra cândido significa inocente, pessoa incapaz de praticar ou planejar o mal, ingênuo e visionário: um vigário da igreja do mundo perfeito que almeja uma UTOPIA. Nesse sentido, sou cândido sim.

Candidato seria uma pessoa cândida, o que não acontece em lugar nenhum, pode crer: aqui no Brasil principalmente, se a pessoa é candidato significa que é espertalhão, nutre variadas intenções além do bem comum.

Cândido também era o nome do meu bisavô (vô Candico), este sim ‒ homem corretíssimo, franco, sincero, verdadeiro, lhano, singelo, despretensioso. Mascate (1) de profissão que nas horas vagas mantinha correspondência com o Imperador D. Pedro II. Ambos tinham barba.

Hoje ninguém tem o fio de bigode para atestar honradez.

Cândido é também o personagem das obras de Voltaire, o “Candide” que, de tanto acreditar na pureza dos outros se deu mal; muito mal!

Cândido ou não, hoje estou bem curtido e sovado ‒ apanhei e tenho apanhado muito dos “poderosos” que querem me calar. Aprendi a ler nos olhos deles... sofri calado com as barbaridades que vi. Mas também aprendi do Irmão Arnaldo Xavier:

“Pertencendo, não faça parte; fazendo parte, não pertença”.

Destarte, no sossego da minha biblioteca e do meu lugar sagrado, prossigo no meu posto, no alto daquela torre no bairro Sagrada Família.

E continuo candidato a vigário da igreja do mundo perfeito, aquele mundo que, nas palavras de São Voltaire, “é o melhor dos mundos possíveis”, desta que é a melhor das galáxias do melhor dos universos imagináveis.

Não obstante essas impertinentes divagações quero tranquilizar a todos os maçons e profanos do Universo: declaro que sou cândido, mas não sou CANDIDATO a nada. 

Não sou e jamais serei, pois quero me manter nessa candura, e observando... Podem escrever isso numa placa de bronze, afixar em todas as Potências do mundo.

E vamos aos fatos:

       I) Importante artigo recentemente divulgado pelo Irmão Quirino, alerta, com muita lucidez, para o substantivo EVASÃO que melhor expressa à saída de membros das Instituições Maçônicas. Evasão essa que, segundo ele, é mais do que pedir QP, pois evasão é fuga: o Irmão fujão desiste de tudo e não quer mais ouvir falar de maçonaria.

De fato encontramos centenas (talvez milhares) desses “desertores” por aí, mundo afora. Perdão! “desertores” NÃO! Na maioria, são pessoas coerentes com um ideal e decepcionadas com o que viram. Continuam amando a Maçonaria (com “M” maiúsculo), mas não querem ouvir falar desse “maçonaria” miúda de “m” minúsculo que vive de tantos aborrecimentos.

Permita-me o estimado Irmão Quirino ampliar a reflexão sobre o tema, magistralmente abordado em seus estudos e artigo.

Os conflitos gerados pela divergência de pontos de vista vão além do que acontece no dia-a-dia das Lojas e das Potências.

A candura (condição, estado ou qualidade do que é puro, límpido, que não tem mistura ou impurezas) esbarra na astúcia da ambição,  nas malícias do ofício, na manha dos interesseiros, na incontinência e impudicícia verbal de “maçons” que, pelo seu Grau, função ou cargo deveriam ser os primeiros a dar bons exemplos da postura e do falar maçônico. Quem acaba esbarrando na cerca de arame-farpado são os homens livres e de BONS COSTUMES, pois aqueles outros, cuja sindicância foi feita "inter femura” (2) nem se dão conta das contradições existentes na Augusta e Veneranda Ordem Maçônica.

E as lutas fratricidas existentes em nosso meio? Enquanto a sociedade espera dos homens livres uma luz no fim do túnel para a infelicitada República, as cisões que Morel & Souza definiram como “autofagia maçônica” provam isso (MOREL; SOUZA. O Estado de S. Paulo) Como não somos capazes de combater inimigos externos, voltamo-nos contra nós mesmos com um excesso de tribunais maçônicos (coisas inexistente na Maçonaria original e inimagináveis para Albert Mackey na lista dos Landmarks).

Se vocês pensam que ao neófito passam batidas tais monstruosidades, estão muito enganados. Os Aprendizes, principalmente, são os mais atentos e acabam se decepcionando com a Loja (ou a Potência) que exigiu tanto deles para serem iniciados e que, na sessão seguinte à da Iniciação abre o véu “do mistério” e lhes mostra a face cruel de algo insuspeitado.

       II) Liberdade para uns e submissão para outros; uns são “mais iguais” que outros; a fraternidade torna-se apenas formal, pois prevalecem grupinhos que cochicham antes das reuniões, “petits comités” que falam por dezenas de contribuintes; as votações são feitas de supetão “pelo sinal de costume”, ou no voto glúteo: “os que estiverem de acordo, permaneçam como estão” ‒ gritante afronta ao livre pensamento e aos postulados democráticos: dá mais trabalho e leva mais tempo para se levantar do que permanecer com a bunda na cadeira ‒ daí, voto glúteo (3), como ficou conhecido entre nós.

Outro fator de desânimo e decepção: as infindáveis perdas de tempo nas Lojas discutindo “sexo dos anjos” ou a festinha do dias das mães, dia do sobrinho, dia da sogra, dia do cunhado, dia da cunhada, etc. Até que cheguem à sapiente decisão sobre o refrigerante ‒ se vai ser coca-cola ou mate-couro. A paciência de quem foi buscar conhecimento nesse ponto já se esgotou. E o bom-senso acaba fazendo essa pergunta:

‒ O que eu estou fazendo aqui? Essas pequenezas não poderiam ser resolvidas pela comissão social, fora do Templo?

Na “palavra ao bem da Ordem e do Augusto quadro”, haja controle físico e emocional para a ladainha da pompa fácil, a distribuição de elogios e o trombetear de auto-elogios; e pelos termos que jamais deveria existir na Maçonaria como, por exemplo, a expressão “poderoso Irmão”; caso soubessem a origem dessa gaiatice, deixariam de usá-la pelo resto de suas vidas.

       III) Para encerrar tanta CANDURA e análise do que é ou não é cândido, vou falar sobre as eleições maçônicas.

Herdamos todos os vícios da República e nenhuma das virtudes que ajudamos a moldar para a formação do Brasil e de governos desejáveis para a Pátria.

Nossas eleições são meramente formais, estruturadas sobre o pensamento retrógrado que impede a alternância no poder. Nossas “eleições” ou acontecem com candidato único, ou resultam engessadas por chapas “da situação” ‒ não há real desincompatibilização de cargos para o registro de chapas, e desta forma a “máquina” sempre sai na dianteira. Abstenho de falar das “cartas marcadas”, das dinastias e das capitanias hereditárias.

Quanto aos projetos maçônicos, esses nunca saem do papel ‒ mesmo quando são colocados nos folder das candidaturas.

Prouvera Deus, O Grande Arquiteto do Universo, que houvesse muita divergência de pontos de vistas nas Lojas e nas Potências. Só assim poderíamos crescer como Instituição e como homens!

Se vocês pensam que ao neófito esclarecido passam batidas tais monstruosidades, estão enganados. Quando eles buscavam afiliação na Maçonaria, fizeram uma opção por esta Ordem e pelas instituições maçônicas que se apresentam como democráticas, libertárias, aberta ao contraditório e ao debate.

Eu acredito na Maçonaria e nos bons maçons, e tenho certeza de que temos excelentes Aprendizes, Companheiros e Mestres capazes de, em médio prazo, transformarem o atual panorama num verdadeiro projeto, em novas leis, novas constituições e métodos capazes de nos colocarem na mesma altura da Maçonaria de outros países.  

José Maurício Guimarães
(1) mascate: antigo mercador ambulante, viajando a pé ou no lombo de burro, que oferecia mercadorias de porta-em-porta.
(2) peço perdão pelo uso da grosseira fórmula na expressão latina, “inter femura”, que significa “nas coxas”.
(3) cada um dos três músculos das nádegas que executam movimentos de abdução e extensão da coxa na articulação do quadril: o mesmo que bunda.


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