Dia destes um amigo me perguntou: Qual é a função da Maçonaria
na sociedade?
Inicialmente não é muito fácil explicar para alguém que não
pertence à Ordem Maçônica, qual a razão de um grupo de homens, alguns com
grande cultura, como Goethe, Voltaire, Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva (para não
estender em demasia a lista), iniciaram na Ordem e não mais saíram, aliás,
poucas pessoas, após iniciarem, deixam de frequentar nossos templos e, não
querendo ser ufano, não existe, para nós, ex-maçom (conta-se nos dedos os casos
de maçons que por qualquer motivo abandonaram os templos e saíram dizendo
impropérios sobre nossos rituais e nossos costumes).
Para tentar responder ao questionamento do meu amigo, preciso
voltar ao passado e viajar de braços dados com a história, não somente a que
está registrada pela escrita, mas também, pelo que foi transmitido pela
oralidade e que chegou até nossos tempos pelo posterior registro literal nos
livros.
Antes de nada preciso dizer que é impossível, para qualquer
pessoa que frequenta os templos das lojas maçônicas, por mais tempo que seja
conhecer todos os nossos “segredos”, ou seja, toda a história da maçonaria,
toda a sua filosofia, pois esta remonta se quisermos estender nossos olhos para
3.000 anos atrás, para o tempo do Rei Salomão (Bíblia Sagrada – Capítulo III,
Crônicas II) que pediu ao Rei de Tiro que lhe enviasse um homem que soubesse
trabalhar com o ouro, madeira, prata, ferro, latão e a pedra, para ajudá-lo a
erigir um Templo em Jerusalém e este lhe enviou o artista de nome Hiram Abiff
que sabia os segredos para manusear todos estes artefatos.
Como supervisor de obra de tamanha envergadura (enormes pedras,
unidas entre si com argamassa de terra, com profundas fundações, que
resistiriam à força dos tempos), Hiram, na sua sabedoria, decidia quando um
determinado homem poderia ter acesso a determinado “mistério” da construção e
por isto ele os dividiu em três categorias: “aprendizes”, “companheiros
artesões” e “grandes mestres”, de modo que os primeiros não sabiam os “segredos
profissionais” do mais graduado, obrigando-os, com isto, a se interessarem pelo
aprendizado; em outras palavras, cabia aos “aprendizes” desbastar a pedra bruta
e torná-la polida o suficiente para serem colocadas, umas sobre as outras, na
construção, tarefa que cabia aos “companheiros artesões”, supervisionados pelos
“grandes mestres”.
Deve ser esta uma das razões para que um individuo que foi
iniciado na Ordem, dificilmente a abandona, pois o simbolismo dos nossos
rituais, por conterem ensinamentos colhidos em eras tão remotas da nossa
civilização, sempre despertará curiosidade para se descobrir “novos segredos”.
Para facilitar o diálogo com meu amigo, gostaria de me reportar
a acontecimentos mais recentes, quando, realmente, a nossa história está
registrada em documentos acessíveis ao público, ou seja, nos primeiros decênios
do século XVIII, quando apareceu em Londres uma sociedade, presumivelmente já
existente antes, da qual ninguém sabe dizer de onde vinha, o que era e o que
procurava.
Esta sociedade se expandiu e se difundiu pela França, Alemanha e
por todos os Estados da Europa Cristã, chegando até a América; homens de todas
as classes sociais, regentes, príncipes, nobres, eruditos, comerciantes,
fizeram-se iniciar e nominavam-se, mutuamente, de irmãos.
Esta sociedade chamava-se, sem que saibamos a razão, de
Associação de Pedreiros Livres e chamou a atenção dos governos, foi perseguida
na maior parte dos Estados onde foi difundida, foi excomungada por dois
pontífices, sofreu acusações caluniosas, no entanto ela resistiu a todas estas
tempestades e passou das capitais para as cidades do interior.
Assim ela chegou até nossos dias e nossos membros aos se
reunirem nos templos, se perguntam, uns aos outros, de onde viemos? O que somos
e o que procuramos? Nenhum dos presentes é capaz de responder a estas
intrigantes perguntas. Então o que eles fazem? Retornam às suas casas, deixam
de lado os compromissos que assumiram “por engano” com a Ordem e abandonam os
templos?
Nada disto, a Ordem perdura e se expande, do mesmo modo que
antes, portanto cabem as perguntas – Qual seria então a função da maçonaria?
Por que tantos homens se unem a esta confraria?
Analisando os perfis destes homens que a frequentam, podemos, se
quisermos ser cruéis conosco mesmos, dizer que se tratam de fanáticos,
hipócritas e ou ambiciosos; é possível que homens fanáticos possam se unir a
hipócritas é possível que o ambicioso atraia o fanático no afã de descobrir
mistérios que ele esconde e pode ser, também, que este homem ambicioso atraia o
homem de classe social superior a sua, para colocá-lo à sua mercê.
Não! Isto não acontece, pois em todas as épocas, encontraram-se
sob o mesmo teto dos templos da Ordem, homens de cultura, os mais respeitáveis
na sociedade pelo talento, saber e caráter e penso que há vários entre os
maçons que meu amigo conhece – pelo menos um – que ele poderia ter plena
confiança para discutir aspectos particulares da sua vida.
Sei que poderia ser refutado nesta afirmativa, ao ouvir do meu
amigo a afirmação de que fora da Ordem ele também encontraria pessoas deste
jaez e que este homem virtuoso poderia ter entrado na Ordem, que ele não
conhecia em essência, por um mero capricho de juventude e depois de descobrir
que ela nada valia, não pode voltar atrás porque não quer ser tido como presa
fácil da ilusão.
Na verdade não é isto o que acontece, pois os homens sábios e
virtuosos (alguns dos quais citei acima) persistiram na Ordem e dela se
ocuparam seriamente, dedicaram-se a estudá-la e a transmitir o que aprenderam
para outros “fratelis” membros e, também, para os que desejarem ouvi-lo fora
dos nossos templos.
Para finalizar gostaria de dizer ao meu amigo, o que “ouvi”
lendo (um pequeno trecho) o que escreveu (Filosofia da Maçonaria, 1802-1803,
Berlim) o maçom e filósofo Alemão Johan Gottlieb Fichte (1762-1814), iniciado
na Ordem em 1793 em Zurique, provavelmente influenciado por Goethe, de quem era
amigo:
“Aquilo que o homem sábio e virtuoso quer, vem a ser a
finalidade última da humanidade. O único fim da existência humana sobre a terra
não é nem o Céu nem o Inferno, mas apenas a humanidade, da qual fazemos parte e
que desejamos elevar ao máximo da perfeição possível”.
Concluo dizendo: – A maçonaria se insere neste contexto, pois
ela procura, incessantemente, cavar masmorras ao vício e construir catedrais à
virtude.
Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia
Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás
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