A ORDEM QUE PROTEGE A CENTELHA DIVINA


 

Começo a sentir uma dormência no braço. São umas picadas que me começam a acordar. As costas estão doridas. Terei passado horas deitado numa superfície bastante dura, uma pedra… veio-me à memória uma pedra de xisto, que na aldeia dos meus pais no norte do país faz de mesa suportada por uns pés de carvalho. Sim a madeira de carvalho é muito boa, resiste ao tempo; e o que resiste ao tempo tem valor, tudo o que resiste, sobrevive e se adapta é forte, é bom, já Darwin pensava, dizia e escrevia…

Agora comecei por me perder na memória longínqua da mesa de xisto onde a minha Família se reunia. Reunia e reúne, porque a Família é forte, também resiste ao tempo. A tradição na minha Família faz dela uma família forte. E perdi-me de novo… Entretanto, as picadas no braço desapareceram, e o sangue voltou a preencher o sistema vascular do braço, sim, já consigo mexer os dedos, sangue venoso e sangue arterial entendem-se e chegam a acordo nas trocas gasosas das células musculares… Enfim, o corpo humano é a criação justa e perfeita. Curioso, justo e perfeito parece um slogan político, mas não é daí que eu já ouvi esta expressão tão feliz…

Agora consigo abrir os olhos que estavam colados com lágrimas secas… Sim, adormeci a chorar, mas não me lembro por quê? Mas estava a chorar a morte de alguém, de um amigo de um mestre, sim era de alguém pelo qual tinha bastante estima e consideração, talvez um Professor.

Quando me levanto para ficar sentado no escuro, reparo na dor forte na parte lateral da cabeça, e que mal me permite abrir o olho direito. Sim, fui atingido na cabeça e devo ter ficado aqui inanimado durante esta noite.

Continuo sem nada ver, giro o corpo pelo pó que cobre a pedra onde estou, faço uma volta de 360°, típico de quem dá voltas à vida e não sai do mesmo sítio, estou a patinar na inércia do momento…

Mas calma, sinto um frio nas costas, sim é uma corrente de ar. Desta vez a volta é de apenas 180° e este tipo de volta é das que valem à pena; servem para nos mudar a direção para o rumo certo, aliás, a direção até poderia ser esta, mas desta feita com o sentido invertido, com o correto para esta situação, quem sabe?

Se vier ar, vem da saída deste lugar escuro, frio, úmido; cheira a mofo, cheira a desolo, o ambiente é de comoção, tristeza.

Estarei na parte escura da Lua?

Estarei no meu inconsciente?

A sonhar?

Estarei a escrever este texto ou ele já estaria escrito, neste mesmo momento, neste mesmo local? Sim, este texto sempre cá esteve e sempre vai estar, está dentro de mim, de mim faz parte. O momento não dura só o momento, o momento é eterno.

E agora as sinapses acendem, impelem o impulso nervoso, temos condução axônica, transdução de sinal, sinapses neuronais e neuromusculares que me permitem dar a mim mesmo a ordem de me levantar e sair daqui, deste lugar horrível…

Mas… por azar, o local não é muito alto e bati com a cabeça no teto. Pedra dura e rugosa… O teto e a minha cabeça… Agora estou mais acordado, dói-me a cabeça um lado de cada vez, com a batida de agora e com o ferimento de ontem, está completa a dor de cabeça, vai pelo perímetro completo… esquerda e direita, que parvoíce, que dor…

Que cabeça a minha, esqueci-me que para caminhar, primeiro temos de gatinhar… Sim, é isso, a gatinhar avanço, não me magoo, quando for à altura, sim quando for à altura certa, a centelha divina que temos em nós, a programação divina que o Arquiteto nos deu para sermos e estarmos vivos dará o comando… Sermos e estarmos, que conveniente para os anglo-saxônicos terem o mesmo verbo para estes dois estados… Sermos e estarmos… Não conseguimos ser amigos, sem estarmos. Não conseguirmos estar bem conosco, sem o sermos, em bem e em valores comigo e com os outros…

Sim, os outros, eu não estava sozinho. Programação divina do Arquiteto… sermos justos e perfeitos… agora sim, lembrei-me… que felicidade me percorre, qual sistema vascular, qual sinapse neuronal, sim, é o orgulho em ser Maçom que me percorre o corpo… o orgulho… o ser e sentir… Orgulho em ser Maçom!

Já me recordo da minha missão, éramos mais de 90 no início, mas sua Majestade com a sua justiça salomônica apenas me escolheu a mim e a outros oito. Sim fomos eleitos nove para esta missão.

Oh meu Deus, mas se eu estou assim, fora de combate, não estou a ajudar os outros oito, Estarão bem os meus Irmãos? Mas não ouvi até agora o grito pelos filhos da viúva…

Agora tudo faz sentido, agora e sempre, a teoria espaço-temporal do Einstein faz, fez e fará com que a alegoria da caverna se recrie em nós, relembrando o passado, vivendo o presente e projetando o futuro…

O Platão sabia do que falava, na sua Caverna, o Einstein das suas explicações matemáticas da nossa existência e convivência com o Universo. Física, Filosofia. Parece que os extremos se tocam na minha cabeça, o concreto e o metafísico, o prático e o retórico, o bem e o mal, a escuridão e a luz, a caverna e o exterior, e o eu, sem par, sozinho nesta dança, o eu que fica atolado nos pensamentos e imóvel nas intenções…

Mas, esperem, estou a ver neste momento uma fonte de água cristalina… e tenho sede, vou aproveitar… esta água, imaculada, fresca, transparente, pura, aquele ideal que temos de uma mulher, da nossa mulher… e que sede que eu tenho, e também de água; o resto não é vício e paixão, é amor, é amor pela vida, cumpro os desígnios do criador de amar uma mulher, a minha. E depois os falsos moralistas do reino, com a história da carne ser fraca… claro que é se não fosse fraca não me doía tanto à cabeça com os ferimentos que tenho…

Vislumbro agora uma luz muito tênue que substitui à porta da caverna a luz natural… Mas por Deus, tão tênue que és que não substitui em nada a luz, a luz pela qual os meus olhos anseiam a luz que me aquece a sabedoria, a luz que me afasta dos tontos e dos parvos que habitam o reino. A sorte, é que dos tolos, Deus tem piedade e sua majestade o Rei Salomão, é muito justo e benevolente com os mais fracos…

Escuto passos, escuto cavaleiros, sim, vêm no início do sopé que conduz a esta caverna escondida e aninhada a meio da montanha; mas não lhes grito por agora, vou entrar de novo dentro da caverna para ser o primeiro dos nove, nem acredito, sou um Cavaleiro Eleito dos Nove, vou chegar primeiro, vou apanhar eu o assassino do Mestre Hiram, agora é nítido como a pedra por talhar no fundo das rochas para onde a fonte de água cristalina jorra…

Vou capturar o inimigo da Luz, da verdade, sim e serei recompensado junto de sua Majestade… mas silêncio… em mim, cá dentro, para fora da minha boca, para vocês que se seguem dentro do meu pensamento, a ouvir e a construir esta narração, seus loucos, continuam comigo dentro do meu pensamento… e o louco sou eu… meu Deus, o louco sou eu…

Sim eu reconheço aquele que está a dormir junto ao corpo decapitado. É Johaben…

Mas se este é Johaben, e acabam de chegar mais 8 Cavaleiros eleitos, o que faz com que sejam 9…

E estão a discutir uns com os outros, Joahaben com a cabeça do assassino numa mão e um punhal forrado a sangue na outra; os outros 8 gritam por Vingança… e viram-se para mim, para o desconhecido deles, eles não me conhecem, agora lembro-me de tudo…

Eu encontrei a caverna, e lá dentro vi o assassino do Mestre Hiram. E nem tive coragem de captura-lo, nem tive coragem de ser misericordioso com ele para que fugisse. Dirigi-me ao Capitão dos Guardas de sua Majestade e o resto da História, vocês já sabem…

Eu sou o desconhecido, eu sou o inconsciente, o vosso, o meu, eu sou o eterno, já cá estive, estou aqui neste momento, e vou ficar escrito neste papel, e enquanto se lembrarem do que aqui foi lido ou escutado por vós, irmãos Cavaleiros Eleitos, eu vivo, eu existo, eu sou a luz, sou a justiça, sou a vingança, sou a matéria, o corpo, a luz, o átomo, a centelha Divina que se acende para que se saia da escuridão da ignorância, eu sou a Maçonaria…

Luis Pinheiro

 

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