INTOLERÂNCIA


 

À primeira vista, intolerância é o oposto de tolerância, virtude que, como muito bem acentua Airton da Fonseca, deve ser praticada pelos maçons. Bastaria então definir esta para, por oposição, nos depararmos com aquela.

Este caminho é tentador. Recordo-me de uma frase que bastas vezes ouvi a Fernando Teixeira, Grão-Mestre Fundador: “O limite da Tolerância é a estupidez”. Portanto, se a estupidez está fora da tolerância, aí temos: a Intolerância não será, então, mais do que uma estupidez!

O que apetece declarar ser uma grande verdade!

Mas, por muito tentador que seja proclamar isto, uma mais atenta meditação permite-nos apreender que, em bom rigor, o oposto da Tolerância não é a Intolerância, é o Preconceito.

O tolerante renega, rejeita o preconceito. O preconceituoso, esse, não está disponível para tolerar a diferença, o que considera erro ou o que vê como inferior.

Há mais de três anos, aqui no blogue, o José Ruah e eu mantivemos uma não totalmente desinteressante polêmica sobre o conceito de Tolerância. Quem não a leu, ou dela não se recorda, poderá através do marcador “Tolerância”, localizar os doze textos em que essa troca de opiniões se desenvolveu publicados entre 16 de novembro de 2006 e 16 de janeiro de 2007.

O ponto de partida da controvérsia foi o entendimento do José Ruah de que a tolerância pressupõe uma posição de superioridade (moral, social, pessoal, conceptual, o que se quiser) do tolerante em relação ao tolerado, ao que eu contrapus o meu entendimento da igualdade essencial de planos entre ambos, no verdadeiro conceito de Tolerância.

Recordo aqui esta troca de opiniões, porque precisamente entendo que é o Preconceituoso que se pretende colocar numa posição de superioridade, não o Tolerante que nela se coloca.

Curiosamente, não me parece que essa seja necessariamente (pode sê-la, mas não o é necessariamente) a posição do Intolerante. Este, em relação ao objeto da sua Intolerância, não se arroga necessariamente da condição de superioridade. Pode muito bem atribuir ao objeto da sua postura uma posição no mesmo plano da sua – ou pode mesmo reconhecer-lhe a prevalência – e precisamente por isso contra o objeto da sua Intolerância lutar.

Porque a Intolerância não é, nunca, conceitualmente, passiva. É sempre proativa, tendencialmente agressora, ou, pelo menos, agressivamente opositora.

A Intolerância não é, pois, a mera antinomia, oposição, à Tolerância. É bem mais do que isso, é um estado de espírito tendencialmente militante, diverso, suscetível de assumir múltiplas formas ou manifestações.

A Tolerância é sempre uma postura de ordem moral. A Intolerância não é necessariamente uma postura de que a Moral está arredada. Não se admire o leitor: não me enganei e quis mesmo escrever o que acabei de escrever! Esclarecerei por que.

É que, ao contrário do que me parece que entende o Airton, não considero a Intolerância necessariamente um mal. Volte a leitor a não se admirar. Novamente quis escrever o que acabei de escrever. E repito: a Tolerância é sempre uma virtude, um bem; a Intolerância – ao contrário do Preconceito – nem sempre é um mal. Explico então, antes que o leitor conclua definitivamente que ensandeci de vez.

Considero-me uma pessoa tolerante. Esforço-me por sê-lo e por praticar esta virtude. Procuro banir o Preconceito da minha postura. Mas entendo – e julgo que todos também assim o entenderão – que há na Vida e no Mundo coisas e posturas e situações que não podem, não devem, ser toleradas. Em relação às quais não só podemos como devemos ser absoluta, completa e inamovivelmente INTOLERANTES.

Sou completamente INTOLERANTE em relação à pedofilia, à violação, à violência gratuita, ao abuso de poder, à opressão, aos maus-tratos dos mais fracos. Só para dar alguns exemplos e exemplos por todos pacificamente aceites.

Em termos morais, a Intolerância é em si mesma neutra. Não é necessariamente um mal ou um bem. Depende do seu objeto. Admito que muitas das intolerâncias com que nos deparamos são um mal. Mas são-no em função do seu objeto. A Intolerância religiosa, ou de cariz racial, ou derivada de preconceito social são obviamente más.

Era certamente nisso que o Airton pensava quando escreveu o que acima se transcreveu. Mas são más EM FUNÇÃO DO SEU OBJETO, não porque intrinsecamente a intolerância seja necessariamente sempre má. Creio já ter acima elucidado convenientemente que há intolerâncias que, atento o caráter particularmente desprezível dos seus objetos, não são más – pelo contrário, são socialmente úteis e devem ser cultivadas por quem procura ser uma pessoa de bons costumes.

Portanto, e em conclusão: o oposto da Tolerância não é a Intolerância – é o Preconceito. Em termos morais, a Tolerância é boa, o Preconceito é mau, a Intolerância é neutra, sendo boa ou má consoante o objeto sobre que se manifeste.

Surpreendido?

In Blog “A Partir Pedra” – Texto de Rui Bandeira (10.03.2010)

 

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