Capelinha em um lugarejo com
pouco mais de trezentos habitantes. Todos se conheciam e viviam na ternura
dos deuses.
Acontece que naquele dia um
alvoroço diferente tomou conta do lugar. Um dos moradores, pessoa bem
simples e de hábitos exemplares, morreu.
Com idade já avançada, vivera na
localidade por mais de oitenta anos, tendo nascido ali mesmo. Era dono de
uma pequena propriedade onde criava gado e mantinha uma razoável plantação de
milho. Tudo dava para o sustento e, ainda, ajudava muita gente menos
favorecida.
Dele sabia-se, apenas, que saía
pouco, indo uma vez por semana à cidade, em sua charrete bem cuidada. O
veículo para transporte de
muita gente doente estava lá, à
espera de qualquer necessitado: a charrete.
- Por que os bons também
morrem? Dizia uma senhora, esfregando as mãos no rosto enrugado pelo
tempo:
- Verdade. O bom nunca devia
morrer.
Essa mistura de oposição é que dá
valor à vida. Esse mosaico que se mistura e, quase sempre, nos apresenta
um só valor é o verdadeiro sentido da vida.
É a busca por melhorias. É o
desafio que o Supremo Mestre coloca diante de cada um de nós, para que
possamos buscar o
aprimoramento.
É o caminho do livre arbítrio.
Alguns, mais esclarecidos, fazem, e bem, a sua parte.
A charrete estava parada. A
viúva, uma senhora já bem cansada, havia se preparado para a partida
daquele que fora seu companheiro por mais de cinquenta anos.
A humildade com que o casal viveu
não condizia com a chegada de tanta gente ao lugarejo. Sendo pessoa simples,
sem ter participado de movimento político, era difícil para o povo do
lugar entender tanta movimentação no velório.
A capelinha simples, aliás,
tornara-se palco de um gigantesco velório.
Jamais passara por ali um
automóvel. Naquele dia, mais de cinquenta carros entupiam as estradinhas,
duas no total.
Várias pessoas procuravam saber a
causa de tanto prestígio.
- Como é que pode?
- O quê?
- Um homem que não era visitado
nem pelo prefeito da sua cidade... vai ter um enterro de gente rica!
- Que rico nada. Vai ver esses
homens estão no velório errado.
Um garoto, na inocência, ouvia a
conversa e não juntava as palavras. Olhava admirado o movimento no lugar.
Os homens, todos de preto,
lembravam aqueles da procissão, cheio de faixas, de chapéus pretos. A rua
ficara toda preta.
- Que urubuzada!
- Não fale assim. Olha a falta de
respeito. Eles podem ouvir.
- Mas que parece, parece.
- É ... mas, não é para falar. É
só pra ver.
Havia mais de cem homens vestidos
assim. O defunto devia ser muito importante mesmo.
A curiosidade é tão grande que
não cabe no mundo.
Uma senhora, temendo ficar
sem saber o que estava acontecendo, fez uma pergunta ao primeiro que
encontrou, um senhor carregando na lapela várias medalhas. No peito, uma
faixa de veludo, toda bordada.
- O que o finado era, para trazer
tanta gente para cá?
- Ele é nosso irmão!
- Que família grande!
- É a maior família do mundo.
- Então ele era muito rico?
- Sim. Muito rico
- O que é que ele era?
- Maçom.
- Maçom?
- O que é maçom?
- É isso que a senhora está
vendo.
- Isso o quê?
- A união, mesmo depois da morte,
da passagem para o Oriente Eterno.
Linda prancha, quão bom seria se todos assim fosse.
ReplyDeleteIsso nos faz refletir.
TFA
A obra é "Reflexões Maçônicas: Crônicas" de Jorge Tavares Vicente... Recomendo a todos os Iir.'. essa excelente leitura.
ReplyDeleteTFA
Linda e essencialmente verdadeira a conclusão final '' A união, mesmo depois da morte, da passagem para o Oriente Eterno.'' Isso é que nos faz irmãos e faz com que nossa ordem tenha uma beleza além da compreensão dos profanos!
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