Esta não é uma história que se possa contar em poucas linhas, pois ela é
construída sofre fatos e acontecimentos pertinentes ao desenvolvimento da
Maçonaria Francesa nos séculos XVIII e XIX.
Em resumo, os episódios se alinharam pelo aparecimento de dois ramos de
Maçonaria em solo francês: um “stuartista” (escocesismo), livre, que não se
sujeitava a nenhuma Obediência e a outra dependente da Primeira Grande Loja que
fora fundada no ano de 1727 em Londres.
Esta última vertente francesa absorvia o sistema dos Modernos ingleses que
se havia expandido pelo continente europeu na época. Segundo alguns autores, na
França, a Maçonaria foi introduzida em Paris por volta de 1725 numa Loja
instalada por iniciativa de Charles Radclyffe, o Conde de Derwentwater e teria
sido frequentada principalmente por maçons de origem irlandesa e jacobitas
(católicos) exilados.
Deste modo, no curso da história as Lojas francesas ficariam então
divididas em dois grupos – as Lojas derivadas do “stuartismo” e as derivadas da
Grande Loja inglesa de 1717. Essas últimas que eram em menor número.
Embora sem existir ainda uma Obediência genuinamente francesa, em 1728 o
Duque de Wharton, Ex-Grão-Mestre da Primeira Grande Loja londrina (1722 e
1723), foi reconhecido como o 1º Grão-Mestre dos maçons franceses, sendo
sucedido por outros dois Grão-Mestres que eram também ingleses – James H.
MacLean e Charles Radclyffe.
Em 1735, pelo grande número de Lojas stuartistas (tronco do escocesismo)
então surgidas, pleiteou-se a necessidade de se designar um Grão-Mestre para
uma Obediência genuinamente francesa, com isso as poucas Lojas de Paris ligadas
à 1ª Grande Loja em Londres acabariam fundando uma Loja Provincial Na França,
mesmo que a contragosto dos ingleses.
Assim, a 24 de junho de 1738 era instalado Louis de Pardaillan de Gondrin,
o Duque d’Antin como “Grão-Mestre Geral e Perpétuo dos Maçons do Reino da
França”. A bem da verdade, este acontecimento estancava a subserviência da
Maçonaria francesa à Primeira Grande Loja londrina.
Mais tarde, no curso dos acontecimentos e com o falecimento do Duque
d’Antin em 1743, assume o grão-mestrado francês o personagem Louis de Bourbon
Condé, o Conde de Clermont.
Este grão-mestrado, contudo, trouxe consequências graves para a Maçonaria
francesa, sobretudo pelo seu desinteresse pelas práticas maçônicas, o que fez
com que fossem nomeados prepostos para dirigir a Grande Loja, cujos quais
exercendo todo o seu poder, acabariam por fracionar a recém-criada Obediência
francesa, principalmente pelas oposições que entre si eles mesmo provocavam.
Neste contexto, pode-se citar como exemplo, o extraordinário tumulto
ocorrido na festa dedicada a São João Evangelista em 27 de dezembro de 1766,
quando maçons excluídos por motivos de rixas internas invadiram o local onde se
realizavam os trabalhos. Houve necessidade de intervenção policial para que a
ordem pudesse ser restabelecida.
O resultado desse tumulto foi a proibição das atividades maçônicas que
durariam até 1771 (cinco anos de paralisação).
Em 1771, com o falecimento do Conde de Clermont, muitos maçons que haviam
sido excluídos conseguem o aval do Duque de Luxemburgo para conduzir Louis
Philippe Joseph d’Orléans, o Duque de Chartres, primo do rei, para ser o
Grão-Mestre da França, contudo este Grão-Mestre deixa toda a administração da
Grande Loja francesa para o Duque de Luxemburgo.
A bem da verdade, era essa a intenção, pois visava-se aproveitar o
prestígio do Duque de Chartres, que era primo do Rei, para ajudar a reerguer a
então combalida Maçonaria francesa – proliferação e descontrole de Altos Graus
e a fundação de centenas de Lojas com veneráveis vitalícios que ficariam
conhecidos como “donos de loja”.
Ainda em 1771, um grupo de maçons, então reintegrados e consorciados com o
Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente que tinha sido criado em 1758
por Pirlet, formam uma comissão com a finalidade de organizar uma reforma
administrativa na Maçonaria francesa, elaborando assim novos estatutos para
fazer uma reorganização na desordem que prevalecia no ambiente dos Altos Graus,
dentre outros.
Destaca-se nesta reforma administrativa a introdução de eleições
periódicas para Venerável Mestre, o que desagradou de imediato os tais
“veneráveis vitalícios”, também conhecidos como donos de Lojas, comuns nas
lojas parisienses como já comentado.
Estes veneráveis vitalícios nada mais eram, de fato, do que donos das suas
Lojas já que, na conturbada organização da Maçonaria francesa, muitos criavam
as suas próprias Lojas e assumiam as seus mandatos pela vida toda, isso quando
não criavam ainda Altos Graus para se promover perante a aristocracia francesa.
Estes Veneráveis com mandatos para a vida inteira acabariam resistindo
contra essa reforma e por isso se ligaram a outra Grande Loja que ficaria
conhecida como a Grande Loja de Clermont ou o Capítulo de Clermont. Esse
Capítulo, que fora criado em 1754 pelo Cavaleiro de Bonneville, objetivava
sacramentar definitivamente uma classe especial de maçons com os seus Altos
Graus, dando-lhes, principalmente, uma conotação aristocrática. Teve vida
efémera e acabou extinguindo-se em 1789.
Por conta das reformas, no final do ano de 1771, uma assembleia
especialmente convocada para esse fim, declarava extinta a Grande Loja da
França e, em 1772 era criada uma nova Obediência denominada Grande Loja
Nacional da França. Ainda nesse mesmo ano, a 22 de outubro, a Grande Loja
Nacional da França se reunia em assembleia geral e adopta para si no nome de
Grande Oriente da França.
Neste sentido, a grande inovação promovida, agora pelo Grande Oriente de
França, foi a chamada “democracia maçônica” que é baseada num poder central
assessorado por um grupo de deputados de todas as Lojas. Enfim, esse tem sido,
desde então, uma característica dos Grandes Orientes.
Vale mencionar que, já ano de 1758, era criado por Pirlet o Conselho dos
Imperadores do Oriente e do Ocidente. Desse Conselho originar-se-ia em solo
francês o Rito de Perfeição, ou Heredom, com 25 graus. A bem da verdade uma concepção
formada para organizar o caos que vivia o sistema de Altos Graus na França.
É bom que se diga que boa parte desses Altos Graus foram criados
aleatoriamente por “donos de lojas” e serviam mais para explorar as vaidades e
satisfazer egos do que trazer crescimento iniciático.
Assim, em 1778, o Grande Oriente da França nomeia uma comissão de maçons
esclarecidos para realizar um profundo estudo do sistema de graus vigente,
visando com isso eliminar doutrinas estranhas ao pensamento maçônico,
principalmente.
Na realidade, o que se buscava era um Rito com menor número possível de
graus em contraposição ao emaranhado de graus existentes no contexto francês de
Maçonaria.
Depois de três anos, esta comissão concluiu que o melhor para o Rito era
trabalhar apenas no franco-maçônico básico – Aprendiz, Companheiro e Mestre (o
termo simbolismo ainda não era conhecido). Mas, infelizmente, para não fugir à
regra latina, o Grande Oriente “achou” que isso poderia gerar descontentamentos
e até mesmo cisão, tendo em vista o grande número de maçons existentes já
condecorados com os Altos Graus. Com isto, mesmo antes de um parecer oficial, a
comissão achou por bem renunciar.
Refletindo melhor sobre a situação, o Grande Oriente acabou acatando o
parecer da comissão e expediu uma circular em 3 de agosto de 1777 na qual
declarava que só reconheceria os 3 primeiros graus.
Foi o que bastou para que aflorassem enormes ressentimentos no seio da
Maçonaria Francesa, pois a contaminação pelo amor a esses graus de paramentos
vistosos estava por demais radicado. Para muitos maçons do Grande Oriente,
sobretudo aqueles que tinham perdido o cargo de venerável vitalício, a redução
de graus os levaria ainda mais a um caráter de inferioridade.
Assim, mais uma vez, diante dos descontentamentos aflorados, é que em 1782
o Grande Oriente instituiu uma Câmara dos Graus, sob a liderança de Alexandre
Roëttiers de Montaleau, para formatar o Rito dando-lhe Altos Graus, porém
apenas os essenciais. Com isto, em 1784 sete Lojas Capitulares Rosa-Cruz
constituem o Grande Capítulo Geral da França para trabalhar nessa nova
formatação capitular. Em 1786, um projeto de um Rito com apenas 7 Graus seria
aprovado pela assembleia e posto em prática.
A título de ilustração, é somente em 1801, época pós-revolução Francesa,
com a publicação do Le Régulateur du Maçon, é que o Rito Francês
passa a ter os seus rituais e fica conhecido com sistema dos 7 graus do Grande
Oriente da França.
Em 1804, a vertente maçônica francesa do escocesismo passa a ter em Paris
o 2º Supremo Conselho do REAA, cujo Rito, herdado do Rito de Perfeição, ou de
Héredon, com os seus 25 Graus que passa para 33 Graus nos Estados Unidos da
América do Norte, passa a ser chamado de Escocês, Antigo e Aceito.
Aí começa um segundo capítulo da Maçonaria Francesa com uma Loja Mãe
Escocesa, Lojas Capitulares em 1816 e o ingresso do 1º ritual para o simbolismo
do REAA no Grande Oriente da França.
Desse modo, o simbolismo do REAA constrói a sua história na Europa a
partir do seu primeiro ritual para o franco-maçônico básico datado de 1804 e já
deturpado em 1821 por imposição do Grande Oriente da França ao adaptá-lo para
Loja Capitular, mas essa é outra história.
Ainda sobre o Rito Moderno, ele passaria ainda por revisões no curso da
sua história, principalmente entre os séculos XIX e XX a exemplo da de Murat,
em 1858; Amiable, em 1887; Blatin, em 1907; Gérard em 1922; Groussier, em 1946.
Foi então do ambiente conturbado da Maçonaria francesa do século XVIII,
principalmente antes da Revolução Francesa, que os Veneráveis vitalícios – que
criavam as suas próprias Lojas – se desenvolveram e desapareceram após a
reforma e a criação do Grande Oriente da França, oportunidade na qual
Veneráveis Mestres passavam a ser eleitos pelos membros das Lojas.
Graças a esses acontecimentos, onde a depuração fez com que muitos maçons
perdessem o seu status irregular simbolizado por aventais vistosos e
títulos hauridos de graus aristocráticos e cavalheirescos é que surgiu, em
1777, a Palavra Semestral como penhor de regularidade na Maçonaria francesa.
A história, mesmo que contada de modo superficial, carece muitas vezes de abordagem em tópicos que construíram as causas dessa mesma história.
Assim,
peço perdão pela prolixidade, mas foi o modo mais abreviado que pude encontrar
para dissertar um pouco sobre a existência no passado dos então chamados “donos
de loja” e os seus “mandatos vitalícios”.
Na academia da história, muitas vezes os fatos somente se explicam quando
lhes revelamos a sua causa.
Pedro Juk,
M. M. – Secretário Geral de Orientação Ritualística do Grande Oriente do Brasil
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