Só pode ser admitido maçom regular quem seja crente num Criador,
qualquer que seja a sua concepção Dele, e creia na vida para além desta vida.
Só assim faz sentido o processo iniciático maçônico, só assim é profícuo o
labor de análise, interpretação e aprofundamento da simbologia maçônica, alguma
dela diretamente baseada em elementos extraídos de textos de natureza
religiosa.
No seu processo de construção de si mesmo segundo o método maçônico, o
estudo, a meditação, a associação livre, a descoberta de significados dos
significantes que são, afinal, os símbolos, o maçom, se bem fizer o seu
trabalho, inevitavelmente que nalgum momento se confrontará com a busca do
significado da Vida, do seu lugar no Mundo e na Vida, com a Vida ela mesma e
com a morte do seu corpo físico.
Se bem faz o seu trabalho, o confronto com a morte física, à luz da sua
crença na vida para além da vida e dos elementos colhidos nos seus estudos
simbólicos, algo de muito positivo lhe traz: a perda do medo da morte!
Pausada, calma e profundamente analisada a questão, quase que intuitiva
é a conclusão de que a morte é simplesmente parte da vida, do percurso que
efetua a centelha primordial que nos anima e que é o melhor de nós, que é
afinal o essencial de nós, a Vida em nós, que permanece para além da
deterioração, desativação e destruição do invólucro meramente físico a que
chamamos corpo. Porventura adquirirá mesmo a noção de que essa morte física é
indispensável ao processo vital, à essência da vida, que é feita de energia e
transformação e mudança.
A perda do medo da morte é uma imensa benesse conferida àquele que dela
beneficia, por isso que o liberta para apreciar plenamente a Vida, vivê-la em
pleno, colocando nos seus justos limites tudo o que de bom e tudo o que de mau
se lhe depara.
A perda do medo da morte propicia enfim a Sabedoria para apreciar a Vida
da melhor forma que se tem para tal: vivendo-a, sem constrangimentos, sem
medos, sem dúvidas, sem interrogações sobre quanto durará o bem de que se desfruta
quanto se terá de suportar até superar o mal que se atravessa.
É a perda do medo da morte que nos ilumina para o essencial significado
da Vida: ela existe para ser vivida, para ser utilizada e modificada (na
natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, disse-o, há muito,
Lavoisier...), força perene essencial que existe e prossegue existindo através
da sua contínua transformação.
A perda do medo da morte assegura-nos a Força para continuamente
persistirmos na nossa melhoria, na nossa purificação, não porque interesse ao
nosso corpo físico, mas porque disso beneficia a nossa centelha vital, que
melhor evoluirá quanto mais beneficiar do que aprendemos, do que acrescentarmos
eticamente a nós próprios e, portanto a ela.
A nossa melhoria, o nosso aperfeiçoamento ético liberta a nossa
consciência para alturas que as grilhetas do egoísmo, da materialidade, dos
vícios e paixões impedem que atinja. É a nossa Força nesse combate que
constitui o cais de partida da nossa identidade para a viagem possibilitada
pela purificação da nossa essência, que terá lugar após a libertação do peso do
nosso corpo físico (será isto o Paraíso, a Salvação?).
Pelo contrário, a insuficiente libertação da nossa essência do peso do
vício e das paixões, do Mal enfim, inibirá essa nossa essência de subir tão
alto e ir tão longe como poderia ir se liberta, quiçá limitando o valor futuro
da nossa vida que permanece, quiçá impondo a continuação de esforços de
purificação e transformação (será isso o Inferno, a Perdição?)
A perda do medo da Morte permite-nos enfim desfrutar plenamente da
Beleza da Vida - sem constrangimentos, sem temores, sem interrogações. Como diz
a canção, o amor poderá não ser eterno, mas que seja imenso enquanto dure.
Apreciar a Beleza da Vida sem temer ou lamentar a mudança, que algum dia
inevitavelmente ocorrerá, permite a suprema satisfação de sentir realmente toda
a beleza que existe na Beleza, toda a vida que há na Vida. Verdadeiramente. Um
segundo que seja que se consiga ter deste clímax vale por toda uma vida...
Encarar a morte à luz da Vida e, portanto, deixar de temê-la, liberta o
nosso Ser para além dos constrangimentos da materialidade, reduz o Ter à sua
real insignificância, dá-nos finalmente condições para, se tivermos atenção no
momento preciso e irrepetível que antecipadamente desconhecemos quando surgirá
podermos entrever a Luz - a Luz da compreensão do significado da Vida e da
Criação, da sua existência e da direção e objetivo do seu Caminho.
Poucos, muito poucos, ainda que tendo trabalhado bem, ainda que
persistentemente tendo polido sua Pedra, têm a atenção focada na direção certa
quando esse inefável e intemporal momento passa. Esses são os afortunados que
de tudo se despojaram e afinal tudo ganham ainda neste plano da existência.
Esses passam verdadeiramente pelo buraco da agulha, porque o peso das suas
paixões é inferior ao de uma pena e nada os distraiu.
Esses aproveitam a Vida tão plenamente que o comum de nós nem sequer
suspeita da possibilidade de existência desse aproveitamento. Esses, sim, são
templos vivos onde se acolhe o mais essencial do essencial: tão só e
simplesmente, a essência da Vida (será isto afinal o elo ao divino?).
O maçom que faz bem o seu trabalho perde o medo da morte e pode viver
plenamente a Vida. Mais não lhe é exigível. O resto que porventura venha, se
vier, vem por acréscimo...
Rui Bandeira
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