OS SÍMBOLOS E OS RITUAIS MAÇÔNICOS: FERRAMENTAS DE TRABALHO


Conta-se que um novo monge, chegado a um mosteiro, é incumbido de auxiliar os outros monges na cópia de textos antigos à mão. Nota, porém, que estão a copiar a partir de cópias, e não de textos originais., o que o leva a perguntar a razão ao superior, notando que, em caso de erro em qualquer cópia, esse seria propagado por todas as cópias seguintes. O superior responde-lhe: «É assim que temos feito há séculos, mas é uma boa questão, meu filho.»

Assim, o velho monge desce com uma das cópias à cripta para comparara-la com o original, e por lá fica horas esquecidas. Não o vendo regressar, os monges, preocupados, enviam um deles ao seu encontro.

Este, ao aproximar-se, ouve o ancião soluçar debruçado sobre um dos livros antigos. Pergunta-lhe o que se passa ao que ele lhe responde, com os olhos rasos de lágrimas: «Aqui diz "celebrado", não diz "celibato"...»

O tempo e as sucessivas passagens de testemunho encarregam-se de que as palavras, os símbolos e os gestos percam o seu significado original, adquirindo eventualmente outros completamente distintos. "Quem conta um conto acrescenta um ponto", diz com razão a sabedoria popular. Aquilo que, na sua gênese, poderia constituir mero artifício literário destinado a ilustrar uma ideia pode, ao fim de algum tempo, ser distorcido pela própria evolução linguística.

Ainda hoje se discute a que se referiria, precisamente, a frase bíblica que diz “ser mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus".

O camelo seria o bicho de duas bossas, ou uma má tradução da palavra grega que significa "cordel", ou ainda um tipo de cabo usado nos barcos para amarrá-los ao cais?

E o buraco da agulha, é mesmo um buraco literal de uma agulha vulgar, ou é uma porta, uma passagem, um estreito, como especulam alguns?

As palavras - simbólicas - ficaram conosco; o seu contexto original perdeu-se. Ficou a ideia que se pretenderia passar: de que aos ricos é difícil"entrar no Reino dos Céus".

Por outro lado, algumas mentes têm tendência para tomar os símbolos por aquilo que representam. A partir deste instinto formam-se verdadeiros cultos: veja-se o das personalidades políticas nos países do bloco soviético ou, mais proximamente, o do Doutor Sousa Martins.

Cientes deste fato, várias religiões têm duras regras de condenação da idolatria, que mais não é do que a adoração de um símbolo, ao tomar-se o objeto por aquilo que ele representa.

O Islã proíbe, por exemplo, qualquer representação de pessoas ou animais, não vá alguém tentar-se e lançar-se em sua adoração; e os protestantes costumam acusar os católicos de idolatria por terem nas suas igrejas imagens humanas.

Quer as restrições alimentares estipuladas por certas religiões como o Islã ou o Judaísmo (segundo as quais não se pode consumir carne de porco, e se impõe que os animais sejam abatidos de forma ritualizada e sangrados) quer a proibição de consumo de álcool pelo Islã, parecem refletir hábitos e costumes anteriores ao surgimento dessas mesmas religiões.
Recordemo-nos de que o álcool desidrata, e que quem o consuma no calor do deserto pode correr perigo de vida; que a carne de porco, rica em gordura, se decompõe facilmente com o calor, podendo provocar epidemias; que o mesmo se pode dizer do sangue, que, se retirado da carne, permite que esta chegue a secar ou, pelo menos, dure mais em temperaturas altas.
Estas medidas constituem por si mesmas, sensatas medidas sanitárias de defesa da saúde pública. Se a sua inclusão enquanto preceito das religiões em causa decorreu de causa humana ou revelação divina já é questão a ser respondida no foro íntimo de cada um.
A Maçonaria tem os seus símbolos e os seus rituais. Os símbolos - que representam princípios, ideias e deveres - servem para evocar, e não para que se lhes preste culto.

Não há nada de idólatra nos símbolos maçônicos. Há, de fato, símbolos e lendas cuja gênese se perdeu; mas persiste o seu significado, que não podemos garantir que seja o original. Há entre os maçons, como em todo o lado, quem tome os símbolos por mais do que eles representam, atribuindo-lhes sentidos oblíquos, afetando significados ocultos, e mesmo especulando encerrarem as mesmas verdades inalcançadas.

 Esta "corrente" existe desde que a Maçonaria existe - e existe ainda hoje - mas a maioria dos maçons tem os pés mais assentes na terra, e considera serem os símbolos, rituais e lendas simples ferramentas de trabalho.

Cada um é, todavia, livre de crer no que quiser, e mesmo de fabricar o próprio objeto da sua crença, mas essa é uma postura que, em certa medida, é contrária ao espírito da Maçonaria, segundo o qual o Homem deveria caminhar para a Luz e para o Esclarecimento.

E aqui se suscita uma questão essencial: onde acaba a liberdade religiosa e começa a superstição e o disparate? Como se concilia, a este respeito, o fato de a Maçonaria defender a liberdade individual (que passa pelo direito de cada um crer no que quiser) com a defesa da Razão enquanto fonte de autoridade e de legitimidade?

Perante princípios antagônicos temos que estabelecer hierarquias; e a Maçonaria dá primazia ao respeito pela liberdade individual, o direito de cada um acreditar no que queira, sobre o interesse em que todos sejam racionais e esclarecidos.

Assim, cada um é senhor de si mesmo e do caminho pessoal que escolheu e, desde que respeite os ideais e princípios maçônicos e a liberdade alheia, tem o direito de não ver questionado, escrutinado ou dissecado aquilo em que acredita.

Paulo M.


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