“Irmãos! Em nome da fé que
depositaste em nós, elegendo-nos para este supremo cargo, convido-vos a
rejeitar as propostas de Inácio de Loiola, e a proclamar aqui, nesta nossa
santa assembleia, que a ordem do Templo se transforma na sociedade secreta dos
Pedreiros Livres!
— Viva a Maçonaria! — gritou o
príncipe de Conde, saudando com este nome francês, tradução da denominação
proposta por Burlamacchi, a origem de uma sociedade, que depois havia de ter
tanta influência sobre os destinos do mundo.
Quase todos os presentes
repetiram o grito de Conde e saudaram e aclamaram Burlamacchi.
Beaumanoir usou então da
palavra.
— Não nos esqueçamos, irmãos, de
que neste concilio todos somos livres. Ninguém é obrigado a aceitar qualquer
mudança, que não seja aprovada pelo seu pensar e pela sua consciência. Que
respondes a isto, irmão Inácio de Loiola?
— Respondo — disse com altivez o
peregrino — que estas cisões não me dizem respeito.
Fui irmão da ordem do Templo,
observei fielmente os seus estatutos: agora, que o Templo acabe retiro-me da
instituição que lhe sucede, e em face da Maçonaria, que acabais de proclamar,
declaro instituída a Companhia de Jesus!
Este nome, que mais tarde devia
tornar-se tão terrível, repercutiu sonoramente sob aquelas abóbadas; tão forte
e solene fora voz com que Loiola o pronunciara!
— Ninguém — disse Beaumanoir —
ninguém quer acompanhar o nosso irmão no caminho a que ele quer aventurar-se
sozinho?
Seis cavaleiros se levantaram, e
foram colocar-se ao lado de Inácio de Loiola, que os olhou com um ar
triunfante.
— Somos sete! — disse ele com um
ar inspirado. — Pois bem, convosco, primeiros irmãos, que acreditastes em mim,
reparto eu o império do mundo. Somos bastantes para vencer, e teríamos a
certeza da vitória, se não tivéssemos de lutar contra os nossos antigos
companheiros. Irmãos, o beijo de paz!
Entretanto, a voz de Beaumanoir
pronunciava friamente os nomes dos que se tinham declarado prontos a aceitar a
proposta de Loiola.
— Pedro Lefèvre, de Villaret, na
Sabóia.
— Francisco Saverio, cavaleiro
de Navarra.
— Jacopo Laynez, de Almazar.
— Afonso Salmeron, de Toledo.
— Nicolau Afonso, de Bobadila.
— Simão Rodrigues, de Avedo.
Na medida que iam sendo
pronunciados os nomes daqueles poucos, Inácio ia-os inscrevendo num pequenino
livro, que tinha na mão.
— E agora — disse Beaumanoir —
agora, que os dissidentes nos abandonaram, repitamos, irmãos, o juramento de há
pouco, e declaremos que a ordem do Templo se transformou na associação dos
Pedreiros Livres.
Os cavaleiros presentes ergueram
a mão.
— Adeus, irmãos; — disse Loiola,
com uma voz a que não pôde, por mais que fizesse, tirar um certo tom de
tristeza — por muito tempo estivemos unidos e concordes e agora estamos
divididos em dois campos, que pugnarão com ferocidade sem par um contra o
outro. Pois bem! eu ainda tenho esperança, e peço a Deus que reconheçais
finalmente o vosso erro e vos acolhais todos sob a nossa bandeira, sob a
bandeira de Jesus.
— Terás que esperar! — resmungou
Burlamacchi, o mais indignado, ao que se via, pela traição de Loiola.
Inácio dispunha-se para partir
com os seus companheiros, quando o presidente lhe fez sinal para que esperasse.
— Monge, — disse ele — deixaste
de pertencer ao Templo, mas os juramentos que prestaste à nossa Ordem têm
sempre vigor. Ai de ti, se o segredo que juraste guardar fosse violado.
Inácio voltou-se cheio de
desdém, estremecendo como um cavalo, ao qual o chicote fustiga.
— Beaumanoir, — murmurou ele num
tom de voz que a raiva fazia tremer, — em má hora me lembraste, a mim, que não
pensava em violá-los, os juramentos que prestei à Ordem.
Esqueceste talvez de que para
nós, filiados nos terceiros mistérios, para nós, que somos os Sete Senhores,
não existe lei moral nem positiva? Esqueceste de que a nossa elevação ao
supremo grau nos libertou de todos os deveres?
— Pois então — disse
ameaçadoramente o ancião — lembra-te de que, se o juramento te não fizer calar,
nós te faremos calar doutra maneira. Temos irmãos por toda a parte, Loiola.
Inácio sentiu um calafrio
penetrá-lo até à medula dos ossos, mas, o rosto não manifestou senão um
profundo desprezo. Um momento depois, pela escarpada encosta de Mont-Serrat
caminhavam os sete homens que, conduzidos pelo gênio de Inácio de Loiola, viam
constituir a famosa Companhia de Jesus, cujos atos e tenebrosas tiranias haviam
de causar o assombro e o terror do mundo.
Copiado do livro O Papa Negro,
de Ernesto Mezzabota.
(1848)
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