O costume de entregar dois pares de luvas ao
recém-iniciado, um para si mesmo e o outro para a mulher que mais respeita, tem
uma longa tradição histórica.
Possivelmente, sua origem remonta ao século X. Uma
crônica relata que, no ano 960, os monges do Monastério de São Albano, em
Mogúncia, ofereciam um par de luvas ao bispo, em sua investidura.
Na oração, que se pronunciava na cerimônia da
investidura, implorava-se a Deus que vestisse, com pureza, as mãos de seu
servente.
Durandus de Mende (1237-1206) interpretava as luvas
como símbolo de modéstia, já que as boas obras executadas com humildade devem
ser mantidas em segredo. Na investidura dos reis da França, estes recebiam um
par de luvas, tal como os bispos. As mãos ungidas e consagradas do rei, assim
como as de um bispo, não deviam ter contato com coisas impuras. Depois da
cerimônia, o Hospitalário queimava-as, para impedir que pudessem ser utilizadas
para usos profanos.
No ano 1322, em Ely (cidade inglesa, onde se
levanta uma grande catedral), o Sacristão comprou luvas para os maçons ocupados
na "nova obra"; em 1456, no Colégio Eton, destaca-se que cinco pares
de luvas foram entregues aos pedreiros que edificavam os muros, "como é
obrigação por costume".
Também, há um documento que precisa que, no Colégio
Canterbury, em Oxford, o Mordomo anotou, em suas contas, que "deram-se
vinte “pence” como “glove Money” (dinheiro de luva) a todos os maçons ocupados
na reconstrução do Colégio".
Em 1423, em York (Inglaterra) dez pares de luvas
foram subministradas aos pedreiros ("setters"), com um custo total de
dezoito “pence”.
Na Inglaterra, nas épocas isabelina e jacobina
(1558-1625), as luvas tinham um prestígio difícil de compreender na atualidade.
Tratava-se de um artigo de luxo, possuidor de muito
simbolismo, e constituíam um presente apreciado. A luva significava, então, um
profundo e recíproco vínculo entre quem a dava e quem a recebia.
Em 1571, Robert Higford enviou um par de luvas à
mulher de Lawrence Banister.
Em 1609, J. Beaulieu comunicou a William Trumbull:
"Meu senhor deu de presente 50 “xelins” em um par de luvas ao Monsenhor
Marchant como retribuição por lhe haver enviado o desenho da escala".
No Ano Novo de 1606, os músicos reais obsequiaram,
cada um, um par de luvas perfumadas ao rei Jacob I.
Em 1563, o Conde de Hertford, com quem a rainha
estava desgostosa, querendo congraçar-se com ela, escreveu ao Lorde Robert
Dudly que desejava uma reconciliação e rogou que presenteasse à Rainha, em seu
nome, um pobre par de luvas como objeto.
Luvas eram um presente costumeiro no Ano Novo, às
vezes, substituído pelo "dinheiro de luva". Do mesmo modo, as luvas
constituíam um obséquio tradicional dos apaixonados às suas prometidas.
Na obra de Shakespeare (filho de um luveiro) “Much
Ado about Nothing” (Muito barulho por nada), a personagem feminina Firo
declara: "estas luvas, que o conde me envia, são um excelente
perfume" (Ato III, cena 4). O palhaço, no “The Winter's Tale” (Conto de
Inverno), declara: "se não estivesse apaixonado pela Mopsa, não deverias
tomar meu dinheiro, mas, estando encantado como estou, estarei, também,
escravizado com certas cintas e luvas” (Ato IV, cena 4). No “Henrique V”, o Rei
intercambia luvas com o soldado raso Williams (Ato IV, cena 1).
Entre 1598 e 1688, em muitos documentos escoceses,
menciona-se a entrega de luvas aos canteiros e pedreiros. Esses documentos se
referem a maçons operativos, mas, também, em relação aos especulativos, existem
documentos antiquíssimos.
Desde 1599, existem provas de que, a cada maçom, em
sua iniciação, devia entregar-se o um par de luvas - que pagava de seu bolso.
O documento mais antigo nessa matéria é o chamado
Estatuto Shaw, dirigido à Loja Maçônica Kilwinning em dezembro de 1599, onde se
estipula que os direitos de iniciação na Loja Maçônica somavam 10 libras
esterlinas escocesas, com 10 xelins para as luvas.
Documentos da Loja Maçônica de Melrose, dos anos
1674-1675, demonstram que tanto os aprendizes como os companheiros tinham que
pagar direitos de ingresso "com luvas suficientes para toda a companhia
...".
Em um documento do Aberdeen, em 1670, expressase
que o aprendiz deve pagar "quatro dólares reais por um avental de linho e
um par de boas luvas para cada um dos irmãos".
O uso do linho em vez de couro é interessante, mas
se explica por tratar-se de uma zona onde existiam numerosas tecelagens de
linho.
Em 1686, Robert Plot, no The Natural History of
Stafford-Shire (História Natural do Condado de Stafford), relata que era
costume entre os Franco-Maçons: "admitidos na Sociedade, convoca-se uma
reunião (ou Loja Maçônica, como a chamam em algumas partes), que deve consistir
de, pelo menos, 5 ou 6 dos Antigos da Ordem, a quem os candidatos obsequiam com
luvas, e, desse mesmo modo, a suas esposas...".
Essa é, aparentemente, a primeira menção do
obséquio de um par de luvas à mulher como parte da cerimônia de iniciação. Em
1723, publicou-se o documento chamado “Exame de um Maçom” no periódico londrino
“O Correio Volante”, que começa assim: "Quando é recebido um novo
Franco-maçom, depois de ter entregue a todos os presentes um par de luvas para
homem e um par para mulheres e um avental de couro...".
Posteriormente, isso se transformou em uma tradição
em todas as iniciações e aparece em todos os rituais de iniciação franceses do
século XVIII, embora caiba assinalar que, na Inglaterra e na Escócia,
perdeu-se, paulatinamente, o costume e, desde começos do século XIX, já nem se
menciona nas atas e regulamentos de lojas Maçônicas.
Em 1724, menciona-se que, na Loja Maçônica, em
Dunblane, entregava-se um par de luvas e um avental a seus iniciados. Em 1754,
no Haughfoot (Inglaterra), a Loja Maçônica estabeleceu: "ninguém pode
entrar na Loja Maçônica sem um par de luvas para cada membro”.
Na primeira "revelação" francesa
conhecida, que data de 1737, chamada Carta de Herault, destaca-se que o
Aprendiz recebe, na cerimônia de iniciação, um avental de couro branco, um par
de luvas para si mesmo e um par de luvas para a mulher que mais estima.
A tradição se mantém viva, especialmente, nas Lojas
Maçônicas que trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceito, embora outras, também,
pratiquem o mesmo costume.
É interessante mencionar que, nos Graus Superiores
do Rito Escocês, usam-se luvas de diversas cores, especialmente negra e verde,
além da branca, apropriadas ao Simbolismo do Grau.
Por León Zeldis*
*O Autor foi o Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Rito Escocês do Estado de Israel, no período de 1996/98.