Era a primeira vez que este
irmão tomava a palavra em Loja. Enquanto companheiro ou aprendiz fora-lhe
vedado fazê-lo. Por isso, agora, ao fim dessa longa caminhada, tendo acabado de
ser exaltado ao grau de Mestre, podia, finalmente, falar!!! Eu, aprendiz recentemente
iniciado, esbugalhava os olhos e tudo absorvia com sofreguidão, e talvez por
isso este episódio tenha ficado indelevelmente marcado na minha memória. Assim,
chegado o momento em que, numa sessão maçônica, o Venerável Mestre põe a
palavra nas colunas - que é como quem diz: autoriza que os mestres peçam a
palavra - o novo Mestre pediu-a de a forma regulamentar, e esta lhe foi dada.
Colocando-se de pé e à ordem - como é suposto - começa a sua intervenção como
quase todas começam:
"Venerável Mestre, meus
Irmãos em todos os vossos graus e qualidades".
Fez-se silêncio absoluto na Loja
- como, de resto, é suposto acontecer. Todos aguardavam com curiosidade e expectativa
às primeiras palavras que este irmão proferiria em sessão. Contudo, estas
teimavam em não surgir. O silêncio, já denso, adensava-se a cada segundo que
passava sem que fosse quebrado. Visivelmente, o Irmão debatia-se com as
palavras que queria dizer. O esforço mental transparecia-lhe na face, e começava
decorridos alguns silenciosos segundos, a ficar visivelmente horrorizado com a
circunstância em que ele mesmo se havia colocado. É que as palavras não saíam.
"... ... ..."
Nem um sopro se ouviu. Todos
partilhavam do esforço, da atrapalhação, do embaraço do Irmão. Mas ninguém
podia socorrê-lo. Uma vez dada à palavra a um Irmão, só o Venerável Mestre ou o
Orador podem tomá-la antes que esse irmão indique ter terminado a sua alocução.
Não fez, porém, nenhum destes qualquer diligência nesse sentido, pois todos
sentiam que só ele podia - e só ele devia - quebrar o silêncio que iniciara. E
assim foi. Com grande esforço, recorreu à fórmula com que, em Loja - e por
vezes, fora dela - os maçons indicam ter terminado a sua intervenção:
"... Disse!"
E sentou-se.
Toda a Loja sorriu de alívio e,
prazenteiramente, vários, no fim da sessão, entre abraços de cumprimentos, lhe
disseram ter sido uma intervenção memorável. E foi-o de verdade - o certo é que
nunca mais a esqueci. Recentemente outro episódio semelhante sucedeu - de novo
com um Mestre recém-exaltado - que me fez, de novo, recordar o primeiro. Para
além do evidente humor da situação, que ensinamentos se pode retirar destes
episódios?
Em primeiro lugar, constatou-se
que qualquer dos Mestres em questão aprendera de que forma a sua intervenção
teria que ocorrer: como e quando pedir a palavra, como se colocar para falar,
as fórmulas a utilizar para marcar o início e o fim da sua intervenção, e o que
fazer após ter terminado; nisso ambos foram irrepreensíveis. Foi, por isso, uma
lição de forma, mais do que de conteúdo, como se alguém experimentasse uma peça
de roupa e se mirasse ao espelho, fazendo-a sua, imaginando-se a usá-la na rua
ou numa circunstância especial, para que, chegada esta, a roupa nova o não
atrapalhasse.
Em segundo lugar, a Loja
comportou-se com enorme dignidade. Apesar de ser uma situação confrangedora -
todos partilharam do evidente desconforto do Irmão que, engasgado, não sabia
como prosseguir - todos se mantiveram impávidos, sem um sinal de impaciência,
sem esboçar um sorriso. A disciplina da Loja revelou que todos tinham
interiorizado o valor do silêncio, que sabiam praticá-lo, e que não era só
coisa de aprendizes e companheiros; não, o silêncio e a contenção eram para
todos.
Em terceiro lugar, veio-se a
constatar que esse Irmão - que, da primeira vez, "entupiu" e quase
nada conseguiu dizer - até tinha o que partilhar, até possuía ideias válidas,
até acabou por ter algumas intervenções muito pertinentes, que se foram
tornando mais sólidas e seguras de cada vez que lhe era concedida a palavra. E
quem não podia, ainda, falar teve a oportunidade de ver outro percorrer o seu
caminho, e com isso aprender que apesar de falar não ser, de início, tarefa
fácil, é algo que a experiência vai ensinando.
Falar é, mais do que um direito,
um dever dos Mestres. Faz parte da formação de um homem - e, consequentemente,
de um maçom - saber dirigir-se a uma assembleia e transmitir por palavras o que
lhe vai à alma. Poder ir aprendendo a fazê-lo em face de uma assistência
disciplinada, paciente e cooperante é só mais um dos pequenos privilégios que
advêm do fato de se estar integrado numa Loja Maçônica.
Paulo M.