Peço-lhes que, ao
lerem este artigo, não me interpretem como adepto das “teorias da conspiração”
nem como o resultado de devaneios esotéricos. Imagino, de boa-fé, que escrevo
para uma classe de pessoas acostumadas à REFLEXÃO através de símbolos e
questionamentos da razão.
O arcano XVI do Tarô boêmio, colocado na ilustração
deste texto, é apenas uma provocação.(1) Repetiu-se ontem, 15 de abril de 2019,
na cidade de Paris, uma catástrofe análoga àquela ocorrida em 11 de setembro de
2001 contra o World Trade Center, na cidade de Nova York.
As circunstâncias
podem não ser as mesmas. Nem pretendo questionar se o incêndio na Catedral de
Notre-Dame foi acidental, provocado ou causado por algum tipo de negligência. O
tempo dirá.
Por infeliz
semelhança, entre o 11 de setembro e o 15 de abril deste ano, o Brasil, sem
glória nenhuma, alinhou-se com grandes potências perdendo, na noite de 2 de
setembro de 2018, o Museu Nacional.
Estamos nos
acostumando a perder, inclusive no futebol, no carnaval e no samba. Onde mais?
Prejuízos de alta conta não são de hoje. Nós maçons sabemos (ou deveríamos
saber) que pedreiros de toda a Inglaterra, sob as ordens do arquiteto da Loja central
de Londres, Christopher Wren, foram convocados para a reconstrução da cidade
após o incêndio ocorrido entre os dias 2 e 5 de setembro de 1666.
Naquele incêndio
ficaram destruídas dezenas de igrejas e milhares de casa em Londres.
Repercussões houve também na cultura maçônica, pois James Anderson cita esse
fato nas “Constitutions of the Free-Masons” de 1723:
“Após as guerras, tendo sido recuperado o
domínio da Família Real, a maçonaria também foi restaurada, particularmente
após o infeliz incêndio de Londres, Ano 1666.”
Mas... me perdoem;
citar James Anderson entre modernosos maçons brasileiros ficou “démodé” ˗
palavra francesa para “fora de moda”, antiquado.
Mas eu sou. A fala de
James Anderson vem em bom momento, especialmente para os citados “moderninhos”
da maçonaria que, antes de saberem o que significam sues aventais, querem
abolir os antigos costumes, a tradição, os Landmarks, os preceitos de Anderson
e o caráter simbólico das Lojas, acrescentar e tirar partes do Ritual. E para
isso, não precisam de nenhum incêndio real com fogo de verdade: basta a bem
conhecida “fogueira das vaidades”.
Após essa digressão ˗
certamente uma inútil tergiversação de minha (me desculpem, sou um velho) ˗
voltemos à significação, significância e trágica importância de se abaterem
colunas (ou torres) nesses últimos dezoito anos: o World Trade Center e a
Catedral de Notre-Dame.
O Século XXI é, sem
dúvida, a culminância da “revolução” iniciada em 1968 quando o líder estudantil
Daniel Cohn-Bendit inflamou as ruas de Paris e o mundo, desencadeando, entre
outras coisas, a cultura pop, a contracultura a pós-cultura, o pósmodernismo e
as violentas reações perpetradas pelo terror das ditaduras. (2) Paralelamente a
isso, o Papa eleito em 1963, Giovanni Battista Montini (vulgo Paulo VI) nunca
recebeu bons créditos por ter concluído o Concílio Vaticano II iniciado por seu
antecessor.
Ele simplesmente
“manteve todos a bordo nos tempos tumultuados que se seguiram” (palavras de
Michael Sean Winters, colunista do National Catholic Reporter). Paulo VI
manteve-se ambivalente diante dos muitos problemas que a Igreja enfrentava.
O compromisso dele com
o diálogo e a aceitação das complexidades não foram os melhores elementos, diz
Sean Winters (artigo publicado em 13/12/2016). As esquerdas ˗ alinhadas com o
finado Papa João XXIII ˗ desistiram de Paulo VI depois da encíclica de 1968,
Humanae Vitae (“sobre a vida humana”).
Diante das pressões,
Paulo VI voltou-se para os corredores do Vaticano e reformou as estruturas da
Igreja para alinhá-las com os Concílios Vaticanos, mas nem sempre obteve
sucesso. E alterou os rituais e liturgia da Igreja, abrindo as portas para uma
miríade de novas interpretações, teologias e dissidências (a mais significativa
foi a do arcebispo francês Dom Marcel Lefebvre que resistiu às reformas e criou
um movimento tradicionalista católico).
Essas foram nossas
heranças da década de 60: uma avalanche de desafios nunca superados. E as
quedas de torres são os preços que estamos pagando no Século XXI. Oscilamos
perigosamente entre o abatimento de colunas ˗ em Nova York e agora em Paris ˗
símbolos ocidentais do World Trade (o comércio mundial) e Notre-Dame (a
"nossa senhora" do ideal cavalheiresco Templário e a Virgem das
tradições cristãs).
Edifícios podem ser
reconstruídos; mas as cultura, não. “Flores para los muertos”, diriam os
mexicanos. “Dia de ira!” ˗ rugia o Requiem da Igreja Católica ˗ “quando o mundo
será reduzido a cinzas. Quanto temor haverá então quando vier o Juiz para
julgar com rigor todas as coisas. Um livro será trazido no qual tudo está
contido e pelo qual o mundo será julgado.
O que eu, miserável,
poderei dizer quando apenas o justo estará seguro?”(3)
(1) “La Maison Dieu”
traduz-se por “a casa de Deus”.
(2) No que se refere
especificamente ao Brasil, aconselho a leitura do livro “1968: o Ano Que não
Terminou” do jornalista Zuenir Ventura, publicado em 1989 e relançado pela
editora Nova Fronteira em 2006. Sobre os subterrâneos do Vaticano indico a
leitura de “Em Nome de Deus”, do repórter investigativo David Yallop.
MAS NÃO
CONFUNDAM com o outro livro de Karem Armstrong, nem com os filmes de Clive
Donner ou de Peter Mullan. O título “Em Nome de Deus” foi várias vezes
utilizado para ofuscar o livro de David Yallop que está “esgotado” ou
desaconselhado (proibido?). Quem desejar uma cópia em pdf, pode solicitar-me em
separado.
(3) Tradução do texto
latino da Igreja Católica. No original, “Dies iræ dies illa solvet sæclum in
favilla. Quantus tremor est futurus quando judex est venturus cuncta stricte
discussurus. Liber
scriptus proferetur in quo totum continetur unde mundus judicetur. Quid sum
miser tunc dicturus cum vix justus sit securus?” (Requiem)
José Maurício
Guimarães (Em Memória)