No início da maçonaria
podia haver – e havia! – diferentes correntes de cristianismo na maçonaria, mas
todos os maçons eram cristãos. Ao longo do tempo, com a abertura das
mentalidades, foi sendo possível admitir membros de outras religiões.
Nos nossos dias, a
maçonaria regular apenas exige a crença no “Grande Arquiteto do Universo”,
explicando que este nome não é o de uma “divindade maçônica”, mais um novo nome
a dar a essa mesma Entidade em que cada um crê; é Aquele a quem os cristãos
chamam Deus, os muçulmanos chamam الله [Allah], os judeus יהוה [YHWH], os
Hindus chamam ब्रह्मा [Brahmā], e por aí
adiante.
Deste modo, quando os
maçons se pretendem referir a essa Entidade, fazem-no todos através do mesmo
nome, ficando assim atenuadas as diferenças decorrentes das diferenças de
crença que possam verificar-se, e reforçado o sentido de identidade entre eles,
pois, afinal, até todos creem no mesmo Ser Supremo – mesmo que cada um à sua
maneira.
Uma vez que a maçonaria é
assumidamente uma invenção humana, tem a liberdade de se reinventar e renovar
sempre que tal se revele necessário e oportuno.
É assim que, se bem que
alguns dos símbolos a que a maçonaria recorre sejam da sua própria criação, a
simbologia maçônica é, na sua maioria, “tomada de empréstimo” – umas vezes de
forma mais direta e outras nem por isso – de outras simbologias já existentes.
Ao longo da história da
maçonaria tem-se assistido a um cuidado cada vez maior com a procura de certa
neutralidade, do não favorecimento de uma fé em detrimento das demais, e isso se
consegue, frequentemente, através do recurso a símbolos de religiões já
desaparecidas mas cuja carga simbólica permanece entre nós por via literária,
filosófica ou mitológica.
A referência aos
planetas, ao Sol, às estações do ano e a antigas figuras mitológicas pretende
apenas constituir ilustração dos princípios morais que se pretende transmitir.
Os solstícios, por exemplo, ao serem os momentos em que os raios solares estão
mais próximos da perpendicular (no solstício do verão) ou da horizontal (no
solstício do inverno) em relação à superfície da Terra, simbolizam respectivamente
a retidão moral (verticalidade) e a fraternidade (estar ao mesmo nível).
Alertar uma adolescente
para os perigos dos predadores sexuais pode ser complicado de fazer; no
entanto, recordar-lhe a “história do lobo mau” e, subtilmente, estabelecer um
paralelo, pode ser muito mais eficaz do que uma longa e desajeitada conversa. A
maioria dos chamados “contos infantis” pretende, precisamente, estabelecer uma
base simbólica a revisitar mais tarde, uma vez já absorvidos os princípios, mas
sob uma nova realidade: a das circunstâncias da vida real de cada um.
Uma das primeiras
estranhezas que se sente quando se ouve, pela primeira vez, uma ata numa
sessão, é a da data: “aos vinte dias do mês de janeiro do ano maçônico de seis
mil e doze(…)”. Por que “seis mil e doze” se estamos no ano de dois mil e doze?
Recordemos o que é que constitui o primeiro ano nossa era: o ano em que terá
ocorrido o nascimento de Cristo; por isso se dizia “AC” (Antes de Cristo) e DC
(Depois de Cristo), que também se escrevia “AD” (Anno Domini, “Ano do Senhor”).
Hoje em dia dizemos estar no ano 2012 EC (“Era Cristã” ou, ainda mais
politicamente correta, “Era Comum”).
Outros calendários há,
cujo início se deu há mais ou há menos tempo. Mede-se o tempo decorrido desde a
fundação de Roma (753 AEC) ou do Japão (660 AEC), desde a viagem de Maomé de
Meca a Medina (622 EC) ou, de acordo com o calendário judaico, desde a criação
do mundo (3761 AEC).
Não era desejável que um
calendário – e respectiva bagagem cultural – se impusesse sobre os demais no
seio de uma fraternidade em que se pretendia que todos se sentissem iguais.
A solução encontrada foi
estabelecer-se o “Anno Lucis” – o Ano da Luz – como aquele em que, aproximadamente,
o Criador terá, pela primeira vez, feito surgir a Luz. Se recordarmos que a
maçonaria é filha do Iluminismo, não faz senão sentido medir-se o tempo desde
esse instante. É por isso que, simbolicamente, se soma 4000 anos (número
distinto de qualquer calendário existente) ao ano atual e se lhe chama “ano da
era maçônica”.
E, de cada vez que isso
se faz, os maçons são recordados de que a fé e a crença de cada um devem ser
respeitadas, e que a busca da Luz (ou seja, do conhecimento) deve ser levada a
cabo por todos os maçons, independentemente da sua crença, fé ou convicção
religiosa.
Paulo M.
Publicado no Blog “A partir pedra”