A ALUSÃO AO BODE NA MAÇONARIA: PREJUDICIAL OU NÃO?


 

Já escrevi sobre esse tema, mas resolvi reavaliar alguns conceitos (o autor).

A figura do bode pertence às mais velhas tradições e crenças pagãs. Foi usado para representar diversos deuses do panteão egípcio, entre eles Set, Rá e Amon. Nos mistérios de Dionísio, os gregos utilizavam a máscara e a pele de bode nas cerimônias. Nos cultos celtas e dos etruscos era parte dos rituais. O carro do deus do trovão (Thor) era puxado por bodes.

Relatos contam que no antigo Israel o sumo sacerdote levava dois bodes ao Templo de Jerusalém no Dia do Perdão, um era sacrificado para expiar os pecados da comunidade e o outro recebia a transferência das más ações das pessoas. A confissão a um bode, símbolo do silencio absoluto, era certeza de que os pecados confessados estariam protegidos das indiscrições profanas.

Na Idade Média, o bode emprestou sua forma para o diabo e era associado à arte da bruxaria. As mulheres associadas a tal prática utilizariam os bodes como montarias por adorarem a divindade Pã, metade homem, metade bode. Curiosamente, acreditava-se que o bode parecia saber muito mais do que aparentava.

É bastante conhecida a alegoria do “Bode na Sala”. Conta-se que, para solucionar reiteradas reclamações e cobranças em sua casa e por orientação daquele sábio amigo de sempre, um chefe de família amarrou um bode no centro da sala.

A presença do animal gerou grande incômodo, pela bagunça e pelo forte mau cheiro. Dias depois, e atendendo aos reclamos dos ocupantes da casa, o bode foi removido, o ambiente higienizado, voltando a reinar a harmonia.

Essa estratégia excêntrica teria sido largamente utilizada em tempos pretéritos na extinta União Soviética para implantar o sistema coletivo de compartilhamento de moradias, quando os residentes antigos não aceitavam receber outras famílias. Mas, isso não vem ao caso agora. É apenas para ilustrar como o animal é estigmatizado.

No que se refere à Maçonaria, o imaginário popular, alimentado por uma boa parte dos próprios maçons, tem contribuído para falsas interpretações e menções caluniosas. Destaque-se a narrativa explorada por Leo Taxil ao atribuir à Maçonaria o culto a Baphomet, associado à figura do diabo. Leo Taxil, escritor e jornalista francês, em 1887 teria sido recebido em audiência pelo Papa Leão XIII. Extorquiu a Igreja e depois disse que tudo foi uma invenção para ganhar dinheiro.

No passado, os maçons foram acusados de reunirem-se clandestinamente para realizar cerimônia ritualística de sacrifício de um bode, evocando uma visão equivocada de sua identificação com seres da escuridão, fruto de acusação de detratores em obras antimaçônicas que incriminavam a maçonaria por suposto culto a um bode preto e da associação com a figura de Baphomet, da qual os Templários e outros grupos eram acusados de prestar adoração.

A efígie de um bode na Estrela Pentagonal Invertida, com um único ápice voltado para baixo, representa a desordem causada pela inversão das leis universais, o caos; o mundo de cabeça para baixo; para as trevas da ignorância. No “Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons”, de Alec Mellor,  destaca-se que a figura do bode alude à impureza animal em oposição ao homem, cujo símbolo perfeito, o antídoto, encontra-se na Pentalpha e na Estrela Resplandecente.

Na cultura popular brasileira, o bode-preto é uma expressão usada para designar o diabo (satanás, lúcifer, satã, capeta, capiroto, coisa ruim, asqueroso, tinhoso etc.). José Castellani escreveu em sua obra “A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial” (São Paulo: Landmark, 2007) que, no passado, alguns líderes religiosos de pequenas e médias cidades influenciavam a população ao afirmar que os Maçons adoravam ao diabo, realizando missas negras e cultuando bodes negros e faziam com que os fieis de seus rebanhos, ricos em fervor religioso, mas certamente pobres em massa cinzenta, tivessem medo de passar em frente aos templos maçônicos, e que se forçosamente tivessem que fazê-lo, fizessem o sinal da cruz para se livrarem dos ‘maus fluidos’ daquelas ‘casas do diabo’. Esse preconceito tem resistido ao longo do tempo.

Como já citado em outro trabalho, transformando o limão em limonada, a “gozação” caiu no gosto de muitos e o desvirtuamento virou “grife”, no sentido de trabalhar em silêncio e de ser guardador de segredos, que no fundo um grande número de maçons entende como uma boa propaganda (??!!). Aproveitando-se dessa situação, adereços e variados itens com a figuras de bode são comercializados, grupos sociais ligados à maçonaria fazem constar a palavra “bode” nas suas denominações.

Por brincadeira, irmãos se referem mutuamente de bodes e várias anedotas são repassadas despretensiosamente. Todos bem o sabem que esse animal, criatura de Deus, não tem nenhuma relação com a ritualística e referência simbólica na maçonaria, sendo uma vítima dessa situação, como no contexto histórico acima descrito.

Ocorre que, aí pode estar montada uma armadilha sem tamanho para a Maçonaria e os irmãos que alimentam essas galhofas precisam entender que estão denegrindo a própria imagem e desqualificando a Ordem Maçônica, dando munição para os seus inimigos gratuitos e irresponsáveis, que se utilizam desses argumentos para provocar o distanciamento de cidadãos de bem que poderiam fortalecer os quadros de obreiros das Lojas.

Os membros da Ordem que refletirem sobre essa situação e persistirem nesse comportamento podem estar jogando contra o próprio time. Vários irmãos mais antenados não aceitam essas referências e repreendem aqueles que fazem troça do assunto. Potências começam a se insurgir contra esse comportamento de vários de seus membros e recomendando evitar a associação da figura do bode à Ordem. Torna-se, assim, urgente e imprescindível que essa postura de alguns ingênuos (?) seja repensada e essa referência ao “bode” seja desmistificada em nosso meio.

São inúmeras as situações em que familiares de candidatos a entrar para a Maçonaria, por desinformação ou preconceitos, aconselham seus entes queridos a recusarem os convites e a se afastarem desse caminho, que estaria associado ao maligno com base em narrativas deturpadas e que resistem ao longo do tempo. Bem sabemos que não é verdade, mas contribuímos para fortalecer esses argumentos quando fazemos gracejos e piadinhas sugestivas a respeito.

Até então este escriba entendia que a menção à alegoria do “bode” teria um caráter inofensivo e refletiria apenas e tão-somente o bom humor característico da alegre e vibrante convivência entre irmãos que se respeitam e se admiram mutuamente, conforme registrado em artigo com o título “Bode em pelo de Lobo”, publicado no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.

Mas, refletindo sobre algumas situações e tomando conhecimento de notícias de conflitos de opiniões envolvendo potenciais candidatos mais conservadores, caiu a ficha, como se diz no popular, ao compreender que tal atitude não estava levando em consideração o alto nível de desinformação e de posturas tendentes a dar ouvidos aos maledicentes e divulgadores de falsas notícias e futricas que, infelizmente, ficam à espreita, como lobos, prontos para acionar a máquina de triturar reputações, fomentando a intolerância e ávidos para desabonar e provocar conflitos na união de pessoas de bem que têm como único foco tornar feliz a humanidade, como é o caso da Maçonaria Universal.

Com as redes sociais exalando cheiro de esgoto, não falta muito para a Maçonaria cair na máquina de triturar reputações que a cada dia ganha novos adeptos e, pasmem, com a nossa inocente contribuição.

Já se fala em “Milícias de Pensamento”, impondo restrições à livre troca de informações e de ideias, que é um upgrade no “Politicamente Correto”, podendo elevar o nível de rejeição que a Ordem já colhe junto a um grupo de desinformados, mas que tem agora a força persecutória de internautas agitadores e intolerantes que pilotam as pujantes Redes Sociais, alimentando o modismo da execração e do ostracismo.

A cólera em relação ao cenário de cancelamento que ganha corpo a cada dia, aumentada exponencialmente por meio de exaltados sentimentos de repulsa que são instigados e com milhares de adeptos arregimentados em pouquíssimo tempo, podemos vislumbram a convergência de um sentimento de que é preciso punir de uma forma ou de outra. É um perigo potencial.

Não existe critério de julgamento e a intolerância é aumentada com qualquer tentativa de esclarecimento. É censura e lacração pura e simples oriunda de fontes indeterminadas, porém mais próximas do que imaginamos.

Com habilidade e sem patrulhamento, respeitando a liberdade de expressão dos irmãos, não se pode negligenciar na vigilância permanente para que essa temática não faça mais parte de nossas conversas e que aqueles que têm interesses comerciais ou façam uso da referida imagem em seus grupos sociais evitem associar tais práticas e símbolos à Ordem Maçônica, simples assim, de forma a preservar a imagem dos obreiros do bem.

Enfim, não restam dúvidas de que se trata de um tema bastante espinhoso e polêmico e que deve ser abordado com muita cautela, para não ferir suscetibilidades. Torna-se de bom alvitre lembrarmo-nos dos conselhos de nossos pais: brincadeira tem limites e consequências. Já passou da hora de parar com essas chacotas. O assunto é delicado e precisamos tomar consciência do problema e virar logo esta página.

Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas… (L. F. Veríssimo)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras.

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