No princípio de tudo,
o Tudo era o nada. Imperava a ausência pura e tudo era eternidade e infinito.
Então como agora, o Tudo era Deus e Deus era o Tudo. Imutável e absoluto. O
princípio do Tudo por oposição ao nada se deu quando um ponto, esse conceito
geométrico sem dimensão, logo sem existência, explodiu.
Com o big bang, o
tempo e o espaço foram projetados no nada a partir do nada. E no tempo e no
espaço, por eles potenciados e simultaneamente confinados, surgiram e expandiram-se
estrelas, planetas e galáxias. O Tudo tomou então a forma do Universo, potência
na eternidade e no infinito, realidade no tempo e no espaço.
A segunda prodigiosa
singularidade no devir do Tudo ocorreu quando da matéria surgiu à vida. Fenômeno
metamórfico, a matéria é, em Aristóteles como em Einstein, a expressão de leis
Universais que determinam a existência em função da possibilidade inerente à
potência. A vida não podia senão nascer da matéria por ser a consequência
lógica dela. À semelhança dos fenômenos universais, a vida projetou na matéria
e fundiu-se com ela para nela e com ela tomar forma e existir.
Perante a diversidade
do espaço e impulsionada pelo tempo, à vida não pôde senão adaptar-se e
expandir-se. Nesse processo evolutivo, a vida induziu em outra singularidade
tão espetacular, surpreendente e inevitável quanto às anteriores, o pensamento.
O pensamento – o que filósofos e teólogos designam de consciência – não
inventou as leis universais; contudo, observou-as, anotou-as e formulou-as.
Foi, pois pelo
pensamento que a evolução, o Tudo, deu conta da sua própria existência.
Introspecção do Tudo, o pensamento é simultaneamente esse Tudo.
O Homem, projeção
suprema do pensamento, inventa e analisa, supõe e especula, sente e raciocina,
ama e seduz, conspira e odeia, constrói e destrói, recorda o passado e projeta
o presente. E, à força de tanto pensar o Universo, projeta-se a si próprio no
seu pensamento através do seu pensamento.
Essa capacidade de abstração,
tão sublimemente traduzida no número, faz com que o Homem, que é um animal, o
seja cada vez menos. E cada individuo, cada vez mais, o Homem na sua
totalidade.
É certo que o Homem há
de desenvolver artefatos cada vez mais devastadores e, não nos iludamos, os há
de usar. Sabendo frequentemente o que faz, assim Paul Valéry, o Homem nunca
sabe o que faz o que ele faz. Por esse motivo, acabará por depender das suas
próprias ações e criações; disso dá-nos conta o Mefistófeles de Goethe.
Contudo, apesar destas
e tantas outras contrariedades, a probabilidade é que o Homem persista. Como a
Luz é à sombra de Deus, o Homem é a projeção do Tudo. Por esse motivo, a
probabilidade é que persista mesmo para além da extinção do nosso sol,
provavelmente até que o espaço e o tempo acabem.
O percurso está pois
traçado. Não em termos absolutos, é certo, mas em termos do que é possível e,
consoante as circunstâncias, provável. E é justamente nesta encruzilhada que
reside o drama da condição humana.
Confrontado com a
impossibilidade de antever o futuro, o Homem prescinde da sua capacidade de
identificar a possibilidade e influenciar a probabilidade. Estando a
persistência divinamente assegurada, o Homem vive a vida por ela durar. À
semelhança do Judeu Errante, mas sem maldição divina.
Todos nós, livres e
cultivados, simultaneamente seus herdeiros e antepassados, temos por obrigação
libertar o Homem. Compete-nos agir, em cada instante, no sentido de promover
ocorrências possíveis previstas em potência que favoreçam a condição humana.
A nossa missão reside
na elevação do pensamento ativo sobre o passivo, da determinação sobre a
apatia, do aperfeiçoamento individual sobre a indiferença geral, do bem sobre o
mal.
Serve esta brevíssima
excursão pelo Tudo para explanar os desígnios que me trouxeram até Vós há cerca
de um ano. Estando o passado justificado, resta-me agora almejar por estar à
altura das expectativas.
tintin – A:. M:. –
R:.L:.M:.A:.D:.
Julho de 6007