A ALQUIMIA DA INICIAÇÃO MAÇÔNICA


 

“Os alquimistas passavam anos nos seus laboratórios, observando o fogo que purificava os metais. Passavam tanto tempo perto do fogo que, pouco a pouco, foram abandonando as vaidades do mundo. Descobriram que a purificação dos metais tinha levado a uma purificação de si próprios.”

Paulo Coelho, “O Alquimista”

Para algumas pessoas, a palavra “alquimia” evoca a imagem de uma figura barbuda e ligeiramente misteriosa – um pseudocientista com uma túnica comprida e esvoaçante – a trabalhar num laboratório pouco iluminado, cheio de vidros estranhos e poções borbulhantes. Estes alquimistas existiram de fato nos tempos antigos, sendo o seu trabalho o precursor da química moderna.  Hoje em dia, porém, a alquimia, no seu sentido mais lato, é uma busca espiritual do próprio ouro ou da iluminação.

Ambos os estudiosos maçônicos, os irmãos Manly P. Hall e Albert Pike, concordam que a alquimia tem dimensões mais importantes do que as puramente materiais. O irmão Hall vai ao ponto de dizer que a Maçonaria e a alquimia têm tanto em comum que “quase todos os símbolos maçônicos são de caráter hermético”. Esta é uma afirmação impressionante!

Alguns pontos comuns vêm-me à mente. Ambas as tradições estão à procura do que está escondido ou perdido. Na alquimia, é a procura da pedra escondida, ou Pedra Filosofal. Na Maçonaria, é a procura da palavra perdida, ou o Nome Divino. As pedras são uma metáfora familiar para os maçons. O candidato maçônico é, simbolicamente, uma pedra não refinada, moldada e polida através dos ensinamentos maçônicos, tornando-se, por fim, uma “pedra perfeita”, adequada ao templo espiritual. Parece lógico, à primeira vista, que as duas tradições tenham temas semelhantes, mas será que a semelhança é ainda mais profunda?

Neste artigo, vamos aprofundar a fascinante correspondência entre a alquimia e a Maçonaria. Será que a Grande Obra do alquimista reflete a viagem do Maçom à perfeição moral e espiritual?

 A Tábua de Esmeralda

“O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa.”

Tábua de Esmeralda

A Tábua de Esmeralda é considerada um texto fundamental da alquimia. Embora as suas origens exatas permaneçam obscuras, tem sido atribuída a Hermes Trismegisto. A tábua é breve, mas o seu conteúdo é denso em sabedoria, captando os mistérios de como os planetas e o universo funcionam em apenas algumas linhas.

A mais famosa é a que contém o axioma “Como em cima, assim em baixo”, bem conhecido do estudante esotérico. Para o alquimista, a Tábua fornece um guia para alcançar a Grande Obra, a transmutação de metais comuns em ouro, mas também, mais importante, a transformação da alma.  A Tábua recebeu inúmeras traduções e comentários ao longo do tempo. A minha versão favorita está aqui:

A dificuldade de chegar à verdadeira importância da literatura alquímica como a Tábua de Esmeralda é o fato de existirem três grupos distintos de livros alquímicos:

  1. O primeiro contém os trabalhos dos adeptos genuínos, que estavam na linhagem da tradição oral da Ciência Hermética.
  2. O segundo grupo é constituído por livros escritos por pessoas que não compreenderam os escritos dos verdadeiros sábios e pensaram que se tratava apenas de processos puramente físicos e de experiências químicas grosseiras.
  3. O terceiro grupo de livros foi escrito por charlatães e impostores, que se aproveitaram da popularidade da alquimia para encher os bolsos.

A Tábua de Esmeralda pertence, na minha opinião, à primeira classe, escrita por verdadeiros adeptos. O que é que podemos aprender com este texto antigo?

Prima Materia e o Athanor

“Separarás a terra do fogo, o subtil do grosseiro, suavemente e com grande engenho.”

Tábua de Esmeralda

O ponto de partida da alquimia, para separar a “terra do fogo”, é trabalhar com a Prima Materia, que em latim significa “Primeira Matéria”.  É a substância original, sem forma, que o alquimista procura purificar e transformar na sua verdadeira essência. Isto produz a Pedra Filosofal, com o poder não só de transformar metais em ouro, mas também de produzir o Elixir da Vida e a iluminação espiritual.

Infelizmente, quase nenhum alquimista antigo consegue concordar sobre o que é realmente a Prima Materia. Terá de fato alguma substância material real, como um dos muitos elementos que existem em toda a vida tal como a conhecemos? Ou é algo menos tangível, como a energia, a luz ou a força? No verdadeiro estilo alquímico – se estes segredos são descobertos pelo alquimista – estão normalmente envoltos em linguagem e símbolos crípticos. Isto significa que, como alquimistas espirituais contemporâneos, não sabemos quase nada sobre a verdadeira natureza da Prima Materia. Continua a ser um conceito altamente simbólico e elusivo.

O trabalho com a Prima Materia é semelhante ao do candidato maçônico, que entra na Loja num estado de escuridão, simbolizando a ignorância ou o potencial não refinado. Tal como a Prima Materia passa por várias fases de purificação no athanor alquímico – uma fornalha onde o trabalho do alquimista é feito – o iniciado maçônico é sujeito a um processo de purificação interna através dos graus. O athanor, que significa “Essência do Fogo”, fornece-nos o instrumento para a Grande Obra e as transformações.  Por outras palavras, o athanor é considerado como o organismo humano. Recordamos que é preciso ter a Pedra para fazer a Pedra.

O esoterista francês Eliphas Levi diz:

“Estamos todos na posse do instrumento químico, o grande e único athanor que responde pela separação do subtil do grosseiro e do fixo do volátil.”

Estes pensamentos levantam a questão. Como é que o Maçom se insere realmente? Como recipiente ou como operador? Ou ambos? Para aprofundar esta questão, é necessário olhar para as etapas alquímicas.

As fases do processo alquímico e os graus maçônicos

“Ascende da terra ao céu e desce novamente à terra e recebe o poder dos superiores e dos inferiores.”

Tábua de Esmeralda

Na alquimia, a Grande Obra divide-se em três grandes etapas:

  1. Nigredo (escurecimento),
  2. Albedo (branqueamento) e
  3. Rubedo (avermelhamento).

O filósofo grego Heráclito de Éfeso (535 a.C.-475 a.C.) delineou originalmente quatro etapas, mas uma delas acabou por ser eliminada (a Citrinitas ou etapa do amarelecimento).

Os paralelos entre estas três fases e os três primeiros graus da Maçonaria – o Aprendiz Entrado, o Companheiro e o Mestre Maçom – são convincentes.

1 – Nigredo e o grau de Aprendiz Entrado

Nigredo, ou escurecimento, representa o estágio de decomposição e dissolução. É uma fase necessária em que o velho eu é desfeito para dar lugar ao novo. Na Maçonaria, esta fase poderia corresponder ao grau de Aprendiz Entrado, onde o candidato se encontra simbolicamente num estado de escuridão. O ritual de iniciação reflete isto, pois o candidato é trazido para a Loja com os olhos vendados e na escuridão, significando a sua ignorância das verdades mais profundas da vida e do espírito. A fase Nigredo é sobre confrontar a escuridão interior e preparar-se para a jornada da iluminação.

2 – Albedo e o grau de Companheiro

Albedo, ou branqueamento, segue-se à Nigredo e simboliza a purificação e a iluminação. Em termos alquímicos, a substância é lavada e limpa, preparando-a para um maior refinamento. Albedo representa a emergência da claridade e da luz, muitas vezes simbolizada pela metáfora da “luz” ou do “luar”. No Segundo Grau, o iniciado avança para uma maior compreensão do mundo e de si próprio para se tornar um benfeitor da humanidade. Através do crescimento intelectual e do estudo das artes liberais e das ciências, e da sua inter-relação, a mente purifica-se e expande-se em preparação para estados mais elevados de consciência espiritual.

3 – Rubedo e o grau de Mestre Maçom

Rubedo, ou avermelhamento, é a fase final do processo alquímico e significa a obtenção da perfeição e da plenitude. O material foi agora transformado no seu estado mais refinado, e a Grande Obra está completa. Na Maçonaria, isto pode corresponder ao grau de Mestre Maçom. Tal como o alquimista atinge o ponto culminante do seu trabalho em Rubedo, o Mestre Maçom, através dos ensinamentos e do simbolismo do terceiro grau, alcança uma compreensão mais profunda da vida, da morte e da natureza eterna da alma. O grau de Mestre Maçom enfatiza a imortalidade do espírito e o triunfo da alma sobre as limitações do corpo físico, espelhando o objetivo alquímico da transcendência espiritual.

Nos graus superiores do Rito Escocês, existem Lojas Capitulares (15°-18°) associadas à Maçonaria Vermelha (talvez relacionadas com Rubedo) e Lojas Filosóficas (19°-30°) associadas à Maçonaria Negra (possivelmente relacionadas com Negredo). Para além disso, observamos Irmãos Muito Ilustres do 33° com barretes brancos (que podem refletir Albedo). As correspondências não são exatas, mas são interessantes de contemplar.

Por fim, há um ensinamento num dos Graus Superiores que é: “Igne Natura Renovatur Integra” e significa ‘a natureza é regenerada totalmente pelo fogo’. Creio que esta frase alquímica contém uma chave para descobrir o fogo que inicia a viagem de cada Maçom para o Oriente. A Chama Sagrada está no topo do altar, e “habita sempre no meio de nós”.

Conclusão

As profundas ligações entre a alquimia e a Maçonaria revelam que ambas as tradições partilham um objetivo comum. Seja através do laboratório do alquimista ou da Loja Maçônica, o trabalho é o mesmo – a transmutação de elementos básicos em algo mais elevado, mais puro e mais alinhado com o divino.

O meu pensamento final sobre este tópico é que a grande lição é que não fazemos realmente nenhuma parte do trabalho por nós próprios, mas com a ajuda do Mestre Alquimista. Nos recessos dos nossos corpos estão os “vasos secretos” e o Grande Arquiteto está entronizado em cada coração humano como a centelha amorosa do Divino.  Na minha opinião, este é o Elixir da Vida, que salva a humanidade da escuridão e do desespero. Esta é a Pedra Filosofal que transforma em ouro tudo o que toca. Esta é a Alquimia da Iniciação Maçónica e a verdadeira “Operação do Sol”.

“Assim, tu tens a glória do mundo inteiro; portanto, que toda a obscuridade fuja diante de ti. Esta é a força forte de todas as forças, superando todos os subtis e penetrando em todas as coisas sólidas.”

Tábua de Esmeralda

Pamela McDown

Tradução de António Jorge, M M

 

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