São muitas as tradições que sustentam ser o organismo humano,
integrado na sua parte espiritual, desenho do próprio universo, do qual reflete
a sua formulação mecânica e as suas leis de formação e desenvolvimento.
Esta analogia entre o homem e o universo revela-se no postulado,
tão caro aos hermetistas e já bem aceite por cientistas de renome, de que no
microcosmo (o homem) se repetem as mesmas leis que formatam o macrocosmo (o
universo) [1].
Se tudo isto é verdade provada ou mera especulação, só Deus
poderia dizer. Nós só podemos deduzir e acreditar ou não. Mas há algumas coisas
que não podem ser ignoradas. Uma delas é o que diz a teoria da evolução.
Segundo esta teoria, todas as espécies vivas são “fabricadas”
pela natureza com um “programa” específico que as submete a um processo
evolutivo inexorável. Este “programa” é necessário tendo em vista as constantes
mudanças ambientais a que o universo está sujeito. A espécie que não consegue
se adaptar a estas mudanças acaba sendo substituída por outras mais
competentes.
Esta é uma lei existente na natureza, chamada pelos
antropólogos, de lei dos revezamentos [2]. Ela existe para promover uma
necessária evolução nas espécies por ela produzidas por meio do aperfeiçoamento
das suas habilidades e capacidades.
Não se aplica somente às espécies vivas, mas a toda a realidade
universal, inclusive aos elementos químicos e a matéria bruta em geral.
Pois todos os elementos químicos também são obtidos por internação
dos seus componentes, da mesma forma que os organismos moleculares.
Quer dizer, repetem-se na matéria bruta os mesmos processos que
formatam a matéria orgânica e tanto uma quanto as outras estão sujeitas às
mesmas leis de nascimento, formação, desenvolvimento e desaparecimento, o qual
se dá pelo fenômeno da transformação seletiva.
Por isso, a teoria da evolução encontra mais paralelos na doutrina da Cabala do que nas outras tradições religiosas. Aqui ela é figurada através de um desenho mágico — filosófico chamado Árvore Sefirótica, ou Árvore da Vida, esquema místico que representa as manifestações da Vontade Criadora no mundo das realidades sensíveis.
Neste desenho, cada sefirá (que aqui é visto
como um campo de energia atuante) é uma fase de construção do universo e reflete
um processo de evolução perene, constante e ordenado, que serve tanto para
explicar o processo de construção das realidades do mundo material, quanto às
realidades do mundo espiritual.
A Árvore da Vida mostra o mundo (e o homem) sendo construído
como se ele fosse um lago que transborda e vaza para outro lago, até formar o
grande mar universal, onde todas as formas de existência, físicas e
espirituais, podem ser encontradas.
Esta visão não deve ser considerada uma alucinação mística nem
apenas uma especulação metafísica. Sabemos que quando dois elementos químicos
se juntam eles formam um composto. Conservam as suas características
particulares, mas também formam um terceiro elemento com diferentes
propriedades.
O composto, que é o filho nascido dessa união, possui as
propriedades dos elementos que o formaram e agrega aquelas que são
desenvolvidas por ele próprio. Nessa fórmula está o segredo da teoria da
evolução. Dois átomos de hidrogênio combinados com um de oxigênio formam uma
molécula de água.
A água é um composto, “filho de H20,” que tem H (hidrogênio) e O
(oxigênio) na sua composição, mas também tem outras propriedades que os seus
“pais”, individualmente, não possuem. Ela tem a propriedade de incubar a vida.
A água é necessária à vida. É o leito onde ela nasce. É nesse
sentido que Teilhard de Chardin vê o homem como sendo um
“complexo-consciência”, ou seja, um composto feito por elementos orgânicos,
obtidos por sínteses naturais (seleção natural) e elementos psíquicos,
produzidos por sínteses mentais cada vez mais elaboradas, que resultam num
espírito individual, e estes, num ser pluralístico, que no final comporão um
ser espiritual coletivo que ele chama de Ponto Ômega [3].
Assim também acontece com o restante do universo. Cada fase da
evolução é uma combinação de elementos. Cada nova fase desenvolve as suas
próprias particularidades, que são as propriedades com as quais ela contribui
para o desenvolvimento do universo como um todo.
Por isso cada fase
constitui um passo a mais no processo de evolução porque o composto que nasce
da união dos elementos é sempre um resultado mais complexo dos que os elementos
que o formam.
Nada se perde do que já foi conquistado, apenas se transforma em
algo novo, com diferentes propriedades, sempre num estágio mais avançado de
evolução.
Por isso o novo é sempre maior que a soma das suas partes. Novas
propriedades são adicionadas ao universo a partir de cada internação praticada
pelos seus elementos. E assim ele supera-se em cada momento da sua
constituição.
Criacionismo e evolucionismo evolução
Um plano de evolução do mundo físico e da vida nos seus aspectos
material e espiritual é o que nos proporciona a doutrina da Cabala. Ela oferece
uma explicação de como o universo se forma como se desenvolve e a que
finalidade se presta.
Da mesma forma, a vida que se cria e evolui dentro dele. É uma
evolução que se desenha num processo iniciado no mais ínfimo grão de matéria
(um quanta de energia) tornando-se matéria que se complexifica, evolui
tornando-se vida, em vida que se espiritualiza, em espírito que se diviniza,
sempre num sentido ascendente, através de sínteses químicas e mentais cada vez
mais complexas, seguindo o mesmo rumo: a flecha da evolução.
A nossa missão, nesse esquema, torna-se clara e insofismável,
pois sendo uma presença indispensável nesse processo, o homem torna-se o centro
da perspectiva universal, já que é a partir da sua mente que o universo se
organiza e adquire uma identidade.
Assim, não podemos compartilhar dos receios daqueles que temem
pelo futuro da humanidade. A humanidade jamais perecerá: ela apenas se
transformará.
Os adeptos da teoria da evolução dizem que o ser humano evoluiu
de uma matriz animal até a configuração que temos agora. Já aqueles que
acreditam no criacionismo dizem que nós nascemos perfeitos, mas tornamo-nos
imperfeitos por força de uma série de quedas e acessões no nosso processo
evolutivo [4]. São duas teorias diametralmente opostas.
Uns dizendo que já fomos piores do que somos hoje e outros
sustentando que já fomos melhores. Mas no fundo elas completam-se, pois ambas
sustentam que a vida está submetida a um processo de evolução que é inexorável.
Se nascemos rastejantes como répteis e através de um processo de
evolução nos alçamos até a altura do céu, ou se nascemos no céu e por um motivo
qualquer descemos à terra e agora estamos a esforçar-nos para voltar ao céu,
são apenas formas diferentes de ler o mesmo processo.
Uma vai do pé para a cabeça, outra da cabeça para o pé.
Acreditar numa ou noutra depende da sensibilidade de cada um. É exatamente a
ideia que a teoria dos sefirot nos inspira. Do céu para a terra, o fluxo da
energia divina formata a realidade cósmica que se consuma no espírito humano;
da terra para o céu, o espírito humano se eleva e se condensa numa esfera
luminosa, que constitui uma espécie de Pleroma que alimenta a vida cósmica.
É neste sentido que entendemos a visão teilhardiana do Ponto Ômega
e a própria experiência mística que a Cabala e a Maçonaria trabalham [5].
Só se Deus não existisse
Para nós não importa saber quem tem razão. Na verdade, o que nos
parece tão assustador com os rumos que a humanidade vem tomando é resultado
apenas da nossa ignorância.
Não temos como saber o que poderá acontecer a cada nova
experiência interativa que os elementos do universo promovem. Isto porque o
Criador colocou nesse processo uma lei chamada “principio da incerteza”
(deduzido pelo físico alemão Werner Heisenberg).
Segundo este princípio é impossível prever o que acontecerá no
futuro porque não temos como saber qual a posição e a velocidade que as
partículas de energia que formam a massa física do universo assumirão no
momento seguinte da sua aceleração.
Só podemos estudar as tendências que ele tem de acontecer de
certo modo, mas nunca uma certeza de que será exatamente assim. Isto porque a
tendência de uma partícula se comportar desta ou daquela maneira só pode ser
deduzida a partir dos seus comportamentos no momento em que são observadas.
Mas a própria observação
do movimento da partícula já concorre para modificar esse movimento. Portanto,
ao aplicar aos elementos do universo o nosso pensamento nós já o estamos
modificando. Assim, é impossível saber como ele será no futuro porque o mundo
sempre poderá será diferente em função da própria observação que dele
fazemos [6].
Isto é válido para o mundo da física quântica e também para a
nossa vida em geral. Esta é uma boa sabedoria que a moderna observação
científica nos dá, e a Cabala também.
O que se deduz disto tudo é que, se o universo futuro será bom
ou mau para nós, isso só depende do nosso comportamento no presente. Mas isso
não nos será dado saber a nível de consciência individual. E depois, bem e mal
são conceitos puramente humanos.
Quando não formos mais o que somos hoje, talvez não precisemos
desses conceitos para justificar os nossos sentimentos a respeito. Desta forma,
o que podemos dizer com certeza é que o mundo só não teria futuro se Deus não
existisse. Mas Ele simplesmente (e felizmente) existe.
João Anatalino Rodrigues
Notas
[1] Em linguagem hermética, “o que está em cima é como o
que está em baixo.”.
[2] Lei dos revezamentos, em antropologia, é a lei segundo
a qual os organismos que não desenvolvem uma estrutura capaz de sobreviver em
ambientes desfavoráveis e diferentes daqueles nos quais vivem, fatalmente será
substituída por outros mais competentes. Com isto a natureza mantém o processo
da vida sempre ativo e com claro sentido evolutivo. Ver, neste sentido,
Teilhard de Chardin – O Fenômeno Humano, citado.
[3] Teilhard de Chardin – O Fenômeno Humano, Ed. Cultrix,
1990.
[4] Evolucionistas são aqueles que acreditam que as
espécies vivas, e por consequência, os seres humanos, são produto de uma seleção
natural (teoria de Charles Darwin). Os criacionistas são aqueles que acreditam
que a espécie humana já nasceu do jeito que ela é hoje: a fórmula bíblica
literal.
[5] O Fenômeno Humano, citado.
[6] O princípio da incerteza é um enunciado da mecânica
quântica, feito em 1927 pelo físico Werner Heisenberg, que diz ser impossível
medir com precisão a velocidade de deslocamento de partículas atômicas, porque
a própria internação entre o movimento delas e o ato de medir sua velocidade
interfere nessa medida.