COMO DEVEMOS PRATICAR A CARIDADE.



Falamos muito, na Maçonaria e outras instituições filantrópicas, de caridade e beneficência, como deveres que os mais afortunados têm para com o "miserável e carente de sorte". Mas dificilmente caridade e beneficência chegam a ser uma experiência verdadeiramente caridosa e benéfica, porquanto procedem de um erro, ao invés da verdade, somos chamados a contribuir muitas vezes para reforçar e tornar estático ou crônico o mal que desejamos eliminar, reforçando a sua raiz.

Como ensinaram todos os sábios de todos os tempos (e isso pode ser, em alguns aspectos, o paradigma da verdadeira sabedoria), a raiz e a primeira causa de todos os males devemos procurar no erro ou na ignorância. E até que não se corrija esse erro e esta ignorância, todas as formas de caridade não serão mais do que um paliativo, pois não elimina a raiz do mal, mas muitas vezes é feito, muitas vezes contribuímos com a consciência do mal que estimulamos para torná-lo mais forte e vital.

Por exemplo, há sem dúvida aquele tronco de solidariedade oportunamente circulado a favor de um irmão necessitado, ou de outro caso piedoso, pode constituir uma ajuda útil e providencial, especialmente se os presentes são generosos em suas contribuições, como pode ser a ajuda direta para outro irmão.

Mas se, com a ajuda monetária (cujo valor e a eficácia devem ser temporários e transitórios) os presente acompanham, como quase sempre acontece, seus sentimentos e pensamentos de compaixão e, pior ainda, de comiseração, ou de alguma forma se considera a pessoa necessitada como impotente e em estado de inferioridade, a influência desses pensamentos são pouco desejáveis e efetivas a ajuda, na medida em que contribui mais para abater, ao invés de realçar seu estado moral e a confiança em si mesmo.

O mesmo deve ser dito, com mais razão, de todas as formas de beneficência, que ao invés de uma simples e espontânea manifestação do espírito de fraternidade entre irmãos livres e iguais, manifesta, claramente, a distância que medeia entre o benfeitor e o beneficiário, ou de alguma forma se transforma essa dádiva em humilhação, com a qual paga muito caro o apoio recebido. Não dizemos nada da caridade que serve como pretexto para ostentação e vaidade, porque neste caso, dificilmente poderia ser digno desse nome.

A verdadeira caridade deve ser secreta e espontânea e não deve envolver-se em qualquer forma de humilhação. Prevenir as necessidades de um irmão que está claramente em dificuldade é muito mais fraterno que esperar que este peça ajuda, porque com o pedido isso já está quase pago e nenhuma coisa que se paga tão caro como as pedindo.

A mão que dá como verdadeiro espírito de fraternidade deve esconder-se, e "esquerda não deve saber o que faz a direita". Devemos, portanto, evitar a prática em uso em algumas lojas de pedir a outras oficinas uma contribuição para ajudar um irmão e especialmente dar o nome do irmão.

Nem mesma na própria oficina devemos dar o nome da pessoa socorrida, porque não há nenhuma necessidade de que seja conhecida, com exceção daqueles diretamente envolvidos na ajuda.

Ir. ALDO LAVAGNINI


OS DIFERENTES NÍVEIS DA REALIDADE MAÇÔNICA



INTRODUÇÃO
Irmãos! Eu não me incomodarei em ser taxado de visionário, assim como nunca me incomodei com o rótulo de maçom-esotérico. Acredito que a Maçonaria precisa dos diferentes tipos de Maçons.

Na franco-maçonaria, reis, nobres, clérigos, plebeus, farsantes, revolucionários, esotéricos, ocultistas, simbolistas, historiadores, astrólogos, escritores, cientistas, espiritualistas, filósofos, hermetista, místicos, visionários e idealizadores conviveram de forma harmônica e pacifica,emprestando valiosa contribuição para que a Ordem pudesse sobre-existir na atualidade.

Passaram-se trinta e cinco anos desde que fui iniciado. A minha escalada na senda maçônicas não foi estéril. Neste meio espaço-tempo ascendi do grau um ao grau trinta e três. Colaborei na fundação e na funcionalidade de sete Lojas. Escrevi cinco livros sobre assuntos/temas estritamente maçônicos (e um sexto livro encontra-se em fase de acabamento).

Escrevi dezenas de artigos. Auxiliei intelectualmente centenas de maçons em sua escalada individualizada, e me relacionei com milhares de maçons brasileiros e de outras nacionalidades.Como diz São Paulo em sua Carta: “Combati o bom combate, cumpri a jornada, mantive a fé”.

Pode parecer estranho os parágrafos antecedentes – eu não tenho por hábito me colocar em meus escritos – mas tenho agora uma razão especial: presto contas da minha trajetória maçônica, identifico e discorro sobre diferentes níveis da realidade maçônica, apresento críticas e sugestões tendo como foco a atuação das Lojas e dos Maçons no desiderato de tornar feliz a Humanidade pelo aperfeiçoamento dos costumes, e para tal preciso demonstrar credibilidade sobre o que penso e escrevo.

A MAÇONARIA
A Maçonaria, desde suas lendárias e difusas origens, sempre se apresentou como sendo uma sociedade iniciática, de caráter esotérico, fechada, e voltada para a promoção do aperfeiçoamento moral e intelectual dos seus membros, e o melhoramento da qualidade de vida da Humanidade, chamando para si a responsabilidade pela propagação dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade entre os homens; motivando, a todos os que lhe são próximos, para a prática de elevadas virtudes, filantropia desinteressada, mútuo socorro, e cultura ilustrada; reunindo em suas Colunas homens de diferentes raças, religiões, línguas e culturas, com o objetivo de fazê-los alcançar a perfeição ético-moral por meio do simbolismo e alegorias de natureza mística e/ou racional, da filantropia e da educação.

Na visão do Maçom, a Maçonaria é uma Universidade, uma escola de vida, proposta formativa, educação permanente, onde um conjunto de homens bons, livres e inteligentes trabalham voluntariamente para o progresso da Humanidade, se batendo pelo aperfeiçoamento dos costumes e pela ética nas relações sociais, sob a égide da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, rumo à conquista da felicidade geral e da paz universal.

Na visão do homem socialmente engajando, a Maçonaria impõe respeito e coleta admiração, reconhecendo nas ações dos Maçons o esforço para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e mais fraterna. Na visão do homem comum – do povo – muitos imaginam ser a Maçonaria uma espécie de máfia, outros um clube, outros a imaginam um Estado dentro do Estado, enquanto muitos outros nem se dão conta da existência dos Maçons e muito menos da existência da Maçonaria.

Por si mesma, a Maçonaria é um modelo de sociabilidade ilustrada do que sempre foi pelo menos a contar de 1717, e a sua vocação é ser uma Entidade sem fronteiras. Funciona como uma âncora moral e espiritual para os Maçons e para a Sociedade seja pelos ensinamentos e conhecimentos de que é guardiã; seja por possuir os instrumentos teóricos, filosóficos, históricos, sociológicos, éticos e morais necessários para motivar seus membros ao burilamento intelectual; seja por fornecer os elementos necessários à ação, podendo desvelar a todos, no momento certo e oportuno, um dos seus maiores segredos: a unidade do amor incondicional ao próximo.

De fato, o objetivo mais característico da Ordem Maçônica a ser perpassado é o amor fraternal que orienta para fazer o bem na execução da sua sublime missão de unificação da humanidade, e as vozes que ecoam da cripta dos grandes filósofos – os mestres da terra – conduzem ao entendimento de que o Mundo é nossa família.

Todos somos filhos e filhas do Grande Arquiteto do Universo. Somos, pois, irmãos e irmãs, vez que criados pelo mesmos Pai. Na unidade divina não há diferenças radical entre os filhos de Deus além da língua, íris e datiloscopia. Cada um de nós somos no Universo de Deus uma particular visão espiritual da Humanidade.

A Maçonaria caracteriza-se, ainda, por ser uma instituição humanística que exalta tudo o que une e repudia tudo aquilo que divide, aspirando tornar a Humanidade mais feliz, mais fraterna, mais humana, enfim, aspirando constituir uma grande família de irmãos, vez que considera Irmão a todos os maçons, quaisquer que sejam suas raças, nacionalidade, convicções e crença, recomendando a divulgação de sua doutrina pelo exemplo e pela palavra, e pelo combate, terminantemente, ao recurso da força e da violência para a consecução de quaisquer objetivos.

Os ensinamentos maçônicos condensados na máxima “Ama Teu Próximo”, induzem à observância das leis; a vivencia segundo os ditames da honra; à pratica da justiça e da equidade e do amor ao próximo; e induzem ao trabalho incessante pela felicidade do gênero humano.

Em suma: ensina os maçons a dedicarem-se à felicidade de seu semelhante, não porque a razão e a justiça lhes imponham esse dever/obrigação, mas porque esse sentimento de fraternidade é a qualidade inata que nos faz Filhos do Universo, amigos de todos os homens, e fieis observadores da Lei do Amor que Deus estabeleceu no Planeta.

Nas palavras do Irmão Osvaldo Ortega, “o reflexo das ações maçônicas que por certo causariam um bem-estar à Ordem e as nossas vidas, não seriam somente as praticadas ritualisticamente no Templo. Seriam reflexivas sim, principalmente aquelas que aplicássemos no campo social e profissional onde atuássemos lá fora, por aquilo que aprendemos lá dentro.

A essas ações os nossos pensamentos e palavras a elas deveriam estar síncronos” (Ortega, p. 60). Maçons devem ser gentis e afetuosos uns com os outros, irmãos, verdadeiramente. A Maçonaria Universal é a Grande Sociedade da Paz do Mundo.

OS MAÇONS
Independentemente do que se possa supor a seu respeito e individualidade, o Maçom é o que é,e será o que é, confiante e indecifrável. Em particular, é desconhecido do grande público, e quando conhecido, é considerado como participante de um grupo fechado de pessoas que se reúnem em segredo, que participam de rituais secretos e que tem em comum o propósito de ajudarem-se mutuamente.

O Maçom, por seu turno, pouco ou nada faz para se revelar. São por compromisso e por vontade própria, programados à discrição e ao isolamento voluntário da sua condição de Maçom. Me parecem fiéis seguidores de Albert Pike, o pregador da recomendação de que “o sigilo é indispensável em um maçom, não importando o Grau”(Pike, p. 5).

Há Maçons, contudo, que são por demais conhecidos do público por conta da sua área de atuação antes de ingressarem na Maçonaria, alguns destes, depois do ingresso guardam sigilo da condição de membro associado e assim mantém o anonimato e o distanciamento.

Outros ficam distinguidos/conhecidos depois de se tornarem membros de uma Loja Maçônica, mas, em ambos os casos, o conhecimento da condição de Maçom fica adstrita ao círculo de amizade do próprio Maçom. Acreditam que o fato de não se revelar é algo que sempre esteve, está e sempre estará a seu favor e a favor da Ordem. Evitam aparecer e de se dar a conhecer na sua condição de Maçom, embora a vocação do Maçom seja a de ser um Ser sem fronteiras.

Por outro lado, se a sociedade (o povo) pouco conhece da Maçonaria – sua história, tradições e realizações – é porque os Maçons não a divulgam adequadamente. A Maçonaria, contudo, não pede e ao que me parece, nunca pediu para ser divulgada, mas não comete crime quem se identificar como Maçom. Entrementes, devo antecipar que os Maçons vivenciam efervescentes atividades social, política e cultural dentro e fora da Ordem.

Os Maçons e as Lojas desenvolvem intensa programação ritualística e social não-ritualísticas, são festas, jantares, confraternizações, palestras abertas ao público e inúmeras outras atividades promocionais, proporcionando ao Maçom e aos seus familiares um relacionamento efetivo, no Universo particular da Maçonaria, dos Maçons e de seus familiares e amigos.

NADA MUDAR PARA SE MANTER
Aos Maçons, no Brasil e em todos os lugares, em todas as Lojas, em todos os ritos, são ensinados a prática da caridade e o interesse da ajuda à comunidade. Os Maçons são encorajados à prática da caridade e ao trabalho para o bem-comum. Estes dois aspectos são princípios maçônicos da benemerência que envolve os Maçons desde o início da franco-maçonaria na sua inatingível linha do tempo.

Aos Maçons, ainda, são ensinados a serem francos, honestos e verdadeiros, exigindo-se de cada um deles o mais elevado padrão de moralidade e eticidade. Isto não se muda. É causa pétrea.

Focado nas tradições e no conservadorismo dos Landmarks e das Antigas Obrigações, os Maçons se escudam para justificar algumas das suas ações e leniências na condução da própria atividade maçônica.

Nesta postura entre o novo e antigo, mudar ou não mudar, agir ou não-agir, fazer ou deixar-de-fazer, reside o grande desafio do livre-arbítrio, e muitos Maçons, assim,encontram justificativas e/ou saem do nível e do prumo e se afastam da retidão do esquadro e do compasso e da Maçonaria para a vida em comum da sociedade profana, orientando seu comportamento e entendimento à luz da realidade que lhe é permitido enxergar, em razão do seus próprios conhecimentos e avaliações.

E aqui fica o alerta: o fato de alguns Maçons não seguirem 100% às regras estabelecidas e acordada internamente, depõem não somente contra o próprio Maçom, mas contra toda a Irmandade.

É sabido que os diferentes níveis da realidade mundana moldam os homens e moldam os maçons (o termo nível aqui aplicado diz do valor intelectual e moral, dos diferentes estágios de padrão e qualidade dos homens e do maçom). A Maçonaria é um espelho da realidade mundana, sem que se possa atuar para inverter esse estado de coisas. As discussões em torno desse tema são inúmeras e improfícuas.

Ao ingressar na Maçonaria, o Maçom não desincorpora sua cultura (100%) mundana, mas ao iniciar uma nova caminhada precisa evoluir, crescer, precisa receber novos conhecimentos, novo desenvolvimento intelectual e cultural. A vida e a atividade maçônica, em sua essência, exigem duas ou três horas semanais do Maçom, e este só se eleva, rebaixa ou estaciona em realidade, na concepção do conhecimento cada um e na conformidade do grau de instrução efetivamente incorporado. Daí decorre os (des)nivelamentos.

Em verdade, a vida e a atividade maçônica no Brasil, nos graus iniciais, consume pouco tempo, imagino seja algo inferior a 2% do tempo semanal, mensal ou anual do Maçom (não disponho de números, mas avalio que são poucos os Maçons que dedicam parte significativa do seu tempo ou do seu trabalho à causa da Maçonaria e dos afazeres recomendados à prática, doutrina e cultura maçônica), o que quer dizer que depois de iniciado o maçom continuar a viver cerca de 98% para a realidade mundana e apenas 2% para a Maçonaria.

Esse quadro só se altera um pouco com a permanência na Ordem, com ascese aos cargos de direção e/ou aos graus superiores da Maçonaria. Daqui também decorre os (des)nivelamentos.

Assim, muitíssimos maçons pouco sabem sobre a História, Filosofia, Doutrina, Lendas, Tradições, Rituais, e dos Usos e Costumes da Ordem, embora sejam bons e frequentes em Loja. Outros comparecem muito pouco às Sessões de Loja e sabem menos do que deveriam saber.

Alguns outros são verdadeiras esfinges, entram e saem silenciosos das sessões de Lojas, são como livros preciosos contendo sábios ensinamentos, mas que permanecem fechados nas estantes apanhando o pó do tempo. Outros, infelizmente, falam, falam e nada produzem.

Alguns outros são só festivos, são dados às festas e confraternizações maçônicas. Em resumo: os maçons são de tantos níveis quanto sejam as suas qualidades maçônicas e os trabalhos de suas Oficinas.

Embora a sociedade não se interrogue sobre onde, como, quando, por que e para que serve a Maçonaria, a formação do homem iniciado-maçom e a missão maçônica são nobilíssimas, e a discrição da Vontade Divina em conceder à Maçonaria a missão histórica de salvaguarda de uma sabedoria milenar, uma filosofia muito elevada e profunda e também milenar, o que faz com que a Maçonaria por via do Maçom, seja a fonte e o artífice da onda de progresso que vai unificar as fronteiras geográficas e os homens na universalidade da fraternidade, do amor e do perdão. Digo: A Maçonaria e o Maçom são fonte e artífice da onda de fraternidade que vai unificar a Humanidade. A vocação da Maçonaria é ser uma Entidade sem fronteiras.

CONCLUSÃO
Mais do que uma Instituição, a Maçonaria é uma universidade de acesso ao conhecimento ilimitado e tem uma proposta peculiar de ensino/aprendizagem no sentido iniciático da conscientização de morrer para nascer de novo e reconstruir-se de dentro para fora, o que significa dizer: praticar a ressurreição em vida. 

Comportaria, ainda, afirmar que a única realidade que atrela o Maçom à Maçonaria é a vontade de permanecer, de crescer, de se desenvolver, de ser diferente. Neste sentido, a Maçonaria tem por objetivo, tem por fim, e tem como meios (e em certa medida, os fins), os seus membros: os Maçons e a sociedade humana.

A Maçonaria ministra muitos saberes, ensina e ensina, mas também aprende e aprende, e em sua longa trajetória histórica, “aprendeu que somente vale a pena ficar com o Maçom convicto, que continua querendo aprender e elabora seu próprio projeto de vida conforme a doutrina maçônica” (DEMO, p. 70). E tanto isto é verdadeiro, que a Maçonaria não obriga ninguém a permanecer associado as suas Lojas ou em Graus e Ritos.

O Maçom é livre e tem a liberdade de escolha entre permanecer ou sair, evoluir ou estacionar na ascese maçônica. “Quem quer, permanece na Instituição, que não quer, se vai” (DEMO, p. 69).

Na etimologia latina, a palavra “educar” significa “puxar de dentro” (DEMO, p. 71) e através do tempo e mundo afora as realizações maçônicas não foram e não serão medidas pela ação dos seus membros e sim pela capacidade que eles tiveram ou venham a ter no futuro, no domínio do conhecimento e do aprendizado maçônico (nem sempre visível ou sensível), de se resolver, de se auto-construir, de lapidar-se a si mesmo antes de tentar lapidar aos outros.

É por conta deste tipo de ideal que a Maçonaria está disposta a orquestrar vozes de todos os timbres, independentemente de religião, raça, classe social, formatando contexto de generosidade infinita no qual todos, sem exceção, pode progredir e se aperfeiçoar, ou seja, nivelar-se.

Irmãos! Eu os considero a todos como meus Irmãos, e mais, eu também considero a todos os seres humanos como nossos Irmãos. Penso que devo convidá-los a enxergarem nas pessoas à nossa volta um Irmão.

Penso que o tempo é de agir e conclamo à que os maçons estendam e liberalizem os laços fraternais que os unem entre si a todos os homens esparsos pela superfície da Terra.

E encerro com duas frases lapidares: “Oh! Quão bom e quão suave é que os Irmãos habitem em união” (Salmo 133) e “Eis aqui quão bom e jucundo é quando os irmãos habitam a união” (Dante Alighieri, De Monarchia – XVIII, citando o salmo 133). Continuar seria algo próximo do “Mais-Que-Perfeito”.

Por Luiz Gonzaga Rocha

Obras de Apoio:
DEMO. Pedro, Maçom: Jeito de Ser, Brasília: ed. do autor, 2006.
ORTEGA. Oswaldo, Uma Luz nos Mistérios Maçônicos, São Paulo: Edições GLESP, 2003.
PIKE. Albert, Moral e Dogma do Rito Escocês antigo e Aceito, Tomo II, s/local impressão. s/ed, s/d.
ROCHA. Luiz Gonzaga da, Apontamentos para a História da Maçonaria: Pernambuco 1842/1852, Brasília: Impressus, 2014.
SARAIVA. Alexandre José de Barros Leal, Maçonaria: percepções, dúvidas, fé e razão de um obreiro feliz, Fortaleza: Relevo, 2009.
SOBRINHO. José Wilson Ferreira, Centelhas Maçônicas, Londrina: A Trolha, 2003.



PARADOXOS MAÇÔNICOS



Caríssimo Irmão! O presente ensaio se propõe assinalar a distância que medeia a Maçonaria da Sociedade Brasileira e os Maçons dos propósitos e princípios da Ordem. E cabe proclamar, inicialmente, que não se trata de crítica e não se busca indicar caminhos para a Ordem ou para os Maçons. A pretensão, única e exclusiva pretensão, é chamar a atenção dos Maçons à reflexão sobre alguns dos muitos paradoxos da Ordem e por extensão, despertar os maçons, no momento em que a leitura se efetivar.

A Maçonaria é uma Instituição sem fins lucrativos, constituída por homens inteligentes, virtuosos, generosos e conscientes de seus deveres e obrigações. As suas Constituições, Regulamentos, Estatutos e legislação ordinária ressaltam princípios fundamentais e postulados universais, tendo por escopo deveres de fraternidade, filantropia, prática de virtudes cardeais, esclarecimento e preparação para emancipação progressiva e pacífica da humanidade.

O propósito da Maçonaria é (ou há que ser) com o ensino interno e com a vida que jaz fora das Lojas e dos Rituais, sem os quais, os ensinamentos que induzem os maçons a dedicarem-se à felicidade dos seus semelhantes, os sentimentos de solidariedade e filantropia que os faz serem considerados Filhos do Grande Arquiteto do Universo, Irmãos e Amigos de todos os homens, e  fieis observadores da Lei do Amor que Deus estabeleceu no planeta, perde completamente seu valor, sentido e dignidade.

Caríssimos Irmãos! O Verdadeiro Espírito da Maçonaria é a fraternidade ampla, geral e irrestrita; a preservação da vida e a promoção da felicidade da espécie humana; a continuidade do processo evolutivo da humanidade; e a transcendência do ser humano das trevas para a luz, da ignorância para o conhecimento e da morte para a imortalidade. E se bem compreendermos este preâmbulo, estão explicadas as palavras ecumênicas de Anderson, de Désaguliers, de Thomas Paine e dos seus colaboradores – um maçom é obrigado, pelo seu compromisso, a obedecer à lei moral, e se ele compreender corretamente a Arte, ele não será nunca um ateu estúpido nem um libertino irreligioso – ainda que se admitam inúmeras outras interpretações.

À primeira vista ser maçom é missão fácil de ser executada, bastar-se-á deixar passar pelo processo de Iniciação, frequentar as Sessões da Loja, receber as instruções e seguir as regras basilares dos postulados maçônicos. Em tese: permitir que a sociabilidade ilustrada, a filosofia e a fundamentação maçônica se incorporem pelo poder do hábito e o passeio pela senda maçônica se conclua ao lado dos Guiais Espirituais da Maçonaria. Resumindo: é fácil ser Maçom sem buscar entender, em profundidade, os princípios fundamentais da Ordem e os desígnios do Grande Arquiteto do Universo que canalizou cada um para o ingresso na Maçonaria.

Caríssimos Irmãos! No dia em que estas palavras são/foram escritas, a Seleção do Brasil entra/entrou em campo para decidir com a Seleção do México uma vaga para continuar na Copa da Rússia, e a nacionalidade aflorada, se une, cultivando o Amor Fraternal, a fundação e telhado, o cimento e a glória da Nação, e os Maçons, meio a todos, com todos se confundem, não dizendo ou não fazendo nada que possa entravar o Amor Fraternal, como bem recomenda a Constituição de Anderson (1723). Mas, logo mais ou amanhã tudo vai retornar ao habitual, e esse ensaio seguira seu desiderato, perpetuando os argumentos dos paradoxos maçônicos.

Os paradoxos maçônicos são incontáveis e há, ademais, considerável divergência entre os Maçons no entendimento da importância da prática da caridade, da filantropia e da ação fraternal nos moldes propostos pela orientação principio lógica da Maçonaria. Quer ver? Vou, então, propor cinco questões e pedir que respondam, mentalmente, a todas, embora a avaliação se processe com a leitura da problemática exposta.

Pois bem, examinemos e faça esforço para compreender estes paradoxos, e agora, tente responder ou mentalizar respostas satisfatórias, conscientemente: o que fazem ou do que se ocupam os maçons em suas Oficinas durante as Sessões Ritualísticas? Qual o destino das contribuições semanais confiadas ao Irmão Hospitaleiro?

Como, quando e de que forma se processa a integração dos Irmãos da Loja com a Família Maçônica e com a Grande Família Universal? Como avalia o relacionamento dos maçons com a sociedade dita profana e como atuam para promover o seu aperfeiçoamento? E, quais os projetos de cooperação e/ou integração comunitária, cultural, educacional, de cidadania, de meio-ambiente e de viver bem, sob a égide da sua Loja e dos Obreiros da Arte Real?

Caríssimos Irmãos! Gradativamente, espero tê-lo colocado diante de paradoxos carecedores de rumos conciliatórios. Os paradoxos maçônicos ensaiados foram expostos, propositalmente, para que cada um possa descobrir por si mesmo, o quanto está afastado do Verdadeiro Espírito da Maçonaria, e mais afastado, ainda, dos dolorosos problemas de injustiça e de desigualdade sociais, problemas que uma ação consciente dos Maçons, em nome da Maçonaria, poderia mitigar. Para onde vamos afinal? Melhor expressando, para onde queremos ir afinal?

Penso que cheguei ao limiar do tema. Sei, bem sei que o Irmão somente sentirá o significado do paradoxo quando se colocar dentro dele – qualquer que seja – e aceitar o fato de que fazer ou deixar de fazer algo pode não ser de sua alçada ou responsabilidade, mas, penso que não pode se omitir, não pode deixar de colocar seus valores e sua atenção à mostra, e nos limites da sua capacidade, interferir. Sentir e dissentir que está fazendo ou deixando de fazer algo. Afinal, precisamos saber para onde queremos ir e o que buscamos na Maçonaria. Trata-se aqui de uma ação interior, de uma busca dentro de uma busca na superação de paradigmas.

Luiz Gonzaga da Rocha – Escritor e Articulista Maçônico. Especialista em História da Maçonaria. Membro Efetivo da ARLS Antônio Francisco Lisboa – Grande Oriente do Distrito Federal. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em História da Maçonaria.


A INJUSTIÇA



O coração de um maçom não aceita as injustiças e não compactua com o erro e a maldade. E mais do que isso, ele se inquieta se revolta e luta contra todo tipo de injustiça e opressão.

Ao longo de toda história da humanidade a Maçonaria tem-se empenhado em duras batalhas contra a tirania o despotismo e o obscurantismo, sofrendo com isso consequências dolorosas, perseguições implacáveis que resultaram no flagelo e na morte de vários irmãos.

Ela, porém jamais se curvou, jamais abriu mão de seus nobres ideais, nunca se omitiu em sua missão altruística, em sua luta inglória em favor da Liberdade, da Igualdade, e da Fraternidade.

Igualmente hoje quando o futuro da raça humana aponta para rumos incertos, a influencia benéfica e restauradora da Maçonaria se faz necessária.

Num momento em que nossa pátria no olho de uma crise mundial passa por momentos difíceis devido ao estado fragilizado de sua economia, o que leva a muitos passar apertos financeiros, está em voga à prática do salve-se quem puder e do cada um por si.

Muitos são os adeptos da famigerada Lei de Gerson, onde o importante é levar vantagem em tudo.

Quando testemunhamos a importância e a natureza sagrada da família sendo relegada a segundo plano por motivos fúteis, quando vemos as drogas, a violência e todo tipo de criminalidade assolando a sociedade, nós, os pedreiros livres, não podemos nos omitir.

Batalhas, embora não sangrentas como as da Antigüidade, mas igualmente árduas, esperam por nossa ação. Não mais a espada, mas nossa determinação, nosso exemplo, nossos propósitos de aperfeiçoamento são nossas armas.

Ir. Bruno Bezerra de Macedo MM


DESCORTINAR DA FRATERNIDADE MAÇÔNICA



O tempo da fraternidade é nossa grande e redentora Utopia
(João Alves da Silva)

PREAMBULO
Caríssimos Irmãos. O saudoso Irmão Octacílio Schüler Sobrinho, no livro “O Desafio das Mudanças” (Sobrinho, p. 162), escreveu: “a vocação dos Maçons é descobrir e investigar quem é o próximo, o necessitado que merece ser assistido. Ele não espera encontrar um ferido à beira da estrada, mas antecipa-se para que não se fira”. Temos aqui duas frases, dois sentidos opostos da palavra fraternidade.

O objetivo deste “descortinar da fraternidade maçônica” é focar e iluminar o sentido do termo “fraternidade”, e, complementarmente, alertar para o aprofundamento do abismo que separa o conceito de fraternidade no meio maçônico do conceito de fraternidade universal, e para dizer, com todas as letras, que na sua infraestrutura, a Maçonaria e os Maçons precisam repensar e entender o significado do termo fraternidade maçônica.

Estou convencido de que se os Dirigentes Maçônicos, em todos os níveis, não entenderem a fraternidade maçônica como fator de crescimento e de consolidação social, enfrentarão muitas dificuldades para entenderem o esforço que alguns maçons fazem para reformular velhos conceitos e caminhar para substituição da concepção de fraternidade incorporada nos moldes “estrito senso” para a concepção de fraternidade em moldes “lato senso”.

E se nada for feito, a razão deste Encontro de Membros e Membros Correspondentes da Loja Maçônica Fraternidade Braziliera de Estudos e Pesquisas, aqui em Juiz de Fora, as discussões havidas e ideias expostas, não farão qualquer sentido. Tudo se perderá se na prática, não se reproduzir no seio da Maçonaria Nacional o ideal da fraternidade em seu mais amplo sentido filosófico, político e social.


O CONCEITO DE FRATERNIDADE
Originário do latim “frater”, com o sentido de “Irmão”, o termo fraternidade, não ultrapassa as fronteiras de conceito filosófico e político associado às ideias de liberdade e igualdade. De modo que, em termos efetivos, a fraternidade é algo que precisa ser entendido um pouco mais além de solidariedade, caridade, afeto, união fraternal, carinho de irmão para irmão, e de boas relações de inteligência entre os maçons.

Busquem nos melhores dicionários e aceitem o desafio de encontrar um conceito que destoe da concepção de que não seja a fraternidade o laço de união entre os homens, de algo fundado no respeito pela dignidade da pessoa humana e de algo assentado na igualdade de direito entre todos os seres humanos. Ou seja, duvido que encontrem um conceito que não associe a concepção ou ideário de fraternidade conforme estampado nas linhas antecedentes.

O conceito ideal de fraternidade, a meu entender, se coaduna com o que se encontra transcrito no artigo inicial da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, proclamada pela ONU em 1948, para o qual peço vênia para transcrição:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”

Na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, impressa a 24 de abril de 1793, por ordem da Convenção Nacional, em seu artigo XXXV, a ideia de fraternidade política estava vazada nos seguintes termos:
“Os homens de todos os países são irmãos, e os diferentes povos devem se auxiliar mutuamente segundo seu poder, como os cidadãos de um mesmo estado”.

As ideias de fraternidade, conforme transcrita está ligada, irremediavelmente, a uma concepção de valores que nos remetem à formação de comunidades, agrupamentos sociais e instituições diversas, em que a empatia, inclusão, cooperação, compromisso, responsabilidade, confiança, imparcialidade, equidade e liberdade.

O SIGNIFICADO DE FRATERNIDADE
Depois de apresentado a definição, pode-se entender fraternidade como sendo a convivência equilibrada e agradável entre as pessoas, como sendo o amor demonstrado pelo nosso próximo, e como sendo o afeto e o carinho dedicado aqueles aos quais não conhecemos. Esses elementos da fraternidade se inter relacionam e costuram o verdadeiro sentido filosófico e político da ideia ou do conceito de per si.

Então, fica fácil perceber que o significado de fraternidade perpassa o pensamento maçônico individualizado e focado no maçom, para se fixar no sentimento de irmandade entre todas as pessoas, e nos remete às ações que comprovam respeito à dignidade de todos os seres humanos, considerados iguais e com plenos direitos.

Resta demonstrado, portanto, que a expressão fraternidade não pode e não deve ser confundida com as expressões/termos: “caridade” e “solidariedade”, e muito menos com o sentido maçônico de “socorro aos necessitados”. Caridade e Solidariedade é o que induz os Maçons à ajuda desinteressada, é o que a Maçonaria mais faz ou pratica. Ambrósio Peters, que por muito tempo nos honrou com sua sabedoria nos Encontros da Loja Maçônica Fraternidade Braziliera de Estudos e Pesquisas, foi mais franco ao substituir os termos “Fraternidade Maçônica” por “Generosidade Maçônica” (Peters, p. 214).

Fraternidade significa: devotamento, indulgência, abnegação, tolerância, benevolência, doação, e tudo o mais que for contrário ou oposto ao egoísmo. Ninguém pode ser o relógio que existe sem se conhecer e sem se relacionar. 

O fenômeno da relação foi descrito por Martin Buber com o emprego de vários termos: diálogo, relação essencial, encontro. O conhecer-te a ti mesmo para a pessoa significa, conhecer-se como ser. A pessoa contempla-se o seu si - mesmo, enquanto que o egótico ocupa-se com o seu “meu”, minha espécie, minha raça, meu agir, meu gênio (Buber, p. 33).

A FRATERNIDADE MAÇÔNICA
Em sentido estrito, a aplicabilidade do conceito de fraternidade entre os maçons é matéria apenas de proselitismo (Guimarães, p. 330), é um desacerto, por pressupor que a fraternidade maçônica abranja, tão somente, os membros das Lojas ou da Ordem Maçônica. A fraternidade – a verdadeira fraternidade – não conhece limites ou fronteiras físicas, nem se restringe a um grupo ou associação de pessoas, por mais relevantes que estas possam ser.

Distribuir sopa, doar alimentos, doar cobertores e agasalhos em tempos frios, distribuir brinquedos em certas épocas do ano, e algumas outras ações esporádicas ou eventuais praticadas por Lojas e irmãos em nome da Maçonaria, não condiz em nada, absolutamente nada, com o real conceito de fraternidade. Neste sentido, a fraternidade maçônica precisa se reinventar se reconstituir for mais além do doar por doar. Não nos equivoquemos com isso.

Ouso adiantar que a “fraternidade maçônica” é uma balela quase que por completa, seja por não entender e/ou não considerar que a verdadeira fraternidade assenta-se na ideia de que todos os seres humanos são iguais, e possuem igual dignidade, iguais direitos e deveres; ou seja, por não considerar e/ou não entender que a fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres e direitos dos homens, uns para com os outros.

Considerada do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a fraternidade é a pedra angular, é a base. Sem ela, não pode existir a igualdade, nem a fraternidade. A Maçonaria, por seus membros e Lojas, precisa investir em entender, compreender, fazer valer a fraternidade como fator de crescimento e consolidação social da Ordem.

CONCLUSÃO
Estamos quase a concluir, e antes de concluir quero louvar a iniciativa da Loja Maçônica Fraternidade Braziliera de Estudos e Pesquisas em chamar à discussão um tema de tamanha relevância para Maçonaria e para a sociedade brasileira como um todo. Também aproveito o ensejo para agradecer a todos os que me ouvem nesta oportunidade, e aos que ausentes deste espaço, terão oportunidade de leitura deste texto.

A todos ouso dizer que o tema não se esgota com esta conclusão, mas que continua aberto, aguardando a crítica e as sugestões.

Julgo caber aqui, ainda, duas ou três breves considerações a propósito da “fraternidade” no seio da Maçonaria. Senão vejamos:
A infraestrutura maçônica construída em final do século XVII e início do século XVIII demonstra, na atualidade, ser uma infraestrutura arcaica, superada em termos de valores fraternos, e por assim dizer, carente do pensar e da ação basilar que realize a felicidade social, sem a qual os maçons e a sociedade profana deixam de compreender os deveres e os benefícios advindos da fraternidade.

A Maçonaria e os Maçons – e estes principalmente – precisam repensar e entender o significado dos termos fraternidade e fraternidade maçônica. As doações maçônicas, por maiores e melhores que sejam as intenções, não atendem ao desiderato de tornar feliz a humanidade, melhor seria que os Maçons se concentram-se em construir e gerenciar Escolas, Hospitais, Cemitérios, Asilos e Creches. Agir coletivamente em prol da coletividade.

Podemos admitir, grosso modo, que a importância da fraternidade se encontra no mesmo patamar da liberdade e da igualdade na busca pela felicidade em sociedade. 

Precisamos agir e agir rápido. Precisamos divulgar no meio maçônico, tudo o que aqui se produziu. Precisamos ter em mente o sentimento de que o resultado que aspiramos, é para a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna. E, por fim, quero afirmar que é a vontade de orientar os homens para a “vida feliz” é o que anima o meu pensamento como Maçom neste momento e oportunidade.

Por Luiz Gonzaga da Rocha

Juiz de Fora/MG, 18 de outubro de 2014
Fontes de Apoio:
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SOBRINHO, Octacílio Schüler. O Desafio das Mudanças, A Trolha, Londrina, 2004.


A SIMBOLOGIA DA PURIFICAÇÃO PELOS ELEMENTOS E AS ORIGENS DA SUA INTRODUÇÃO NOS RITUAIS MAÇÔNICOS


A simbologia da purificação pelos quatro elementos encontra-se presente na maior parte dos rituais de iniciação, dos ritos maçônicos continentais, e ausentes na globalidade dos ritos de origem anglo-saxônica. Este procedimento litúrgico, que integra as provas sucessivas da terra, água, ar, e fogo, baseia-se numa concepção simbólica da constituição da matéria, profundamente enraizada na cultura clássica ocidental.

O estudo do Cosmos foi um dos temas recorrentes entre os filósofos gregos pré-socráticos. Segundo Actius “Foi Pitágoras o primeiro que deu o nome de Cosmos à envolvente do universo, em razão da organização que aí se vê”.

O mesmo filósofo refere, ainda, que “Thales, Pitágoras e os da sua escola tinham dividido a totalidade da esfera celeste em cinco círculos, que eles chamavam zonas”. 

Estes consistiam no equador, nos trópicos, no circulo ártico, e no circulo antártico.

Tião de Esmirna nos conta dos ensinamentos de Filolaos (Filolau de Crotona), que estabelece uma correspondência simbólica entre as cinco zonas da esfera celeste e cinco elementos: “Os corpos da esfera são cinco: o fogo, a água, a terra e o ar, que se encontram contidos na esfera, aos quais se acrescenta um quinto, a casca da esfera”.

Resulta, pois, evidente a correspondência dos quatro elementos atrás referidos às cinco zonas da esfera celeste, e a crença na existência de um quinto elemento representativo da unidade de todo o Cosmos. Esta correspondência identificava a água com a região antártica, os trópicos com o ar, o ártico com o fogo e, a terra com a zona equinocial.

Para além deste arquétipo cosmológico, os quatro elementos tradicionais tiveram, também, interpretação metafísica, simbolizando Zeus o fogo, Hera a terra, Nestes (Hefesto) a água e Adônis o ar.

Tendo em conta a sua proveniência e essência, estes quatro elementos da física pré-socrática não podem ser considerados literalmente, mas apenas simbolicamente, seja no seu contexto de origem, seja no âmbito dos domínios que, posteriormente, os importaram por sincretismo, tais como a filosofia hermética, a alquimia, ou a maçonaria.

É neste último caso, que importa aprofundar a sua gênese e disseminação.
Muito embora a temática das viagens tenha estado presente, nas cerimônias de iniciação, desde os primórdios da maçonaria especulativa, o mesmo não se passa relativamente às purificações pelos quatro elementos. Assim:

Em 1730, Samuel Prichard na sua “Masonry Dissected” (Maçonaria Dissecada) refere, somente, que o candidato efetuava uma volta à Loja, para se apresentar à assistência;

Em 1737, no mais antigo Ritual Francês conhecido, o recipiendário fazia três viagens, antes de ser conduzido ao Venerável Mestre. Não existem, neste ritual, nem elementos, nem provas, nem purificações, apenas no decurso das viagens era vertida resina em pó sobre os candelabros justapostos ao Quadro de Loja, para causar maior impressão no recipiendário;

Em 1767, os “Rituais do Marquês de Gages” descrevem o recipiendário conduzido à volta da Loja pelo 1º Vigilante, sem que intervenham nas viagens nem elementos, nem purificações, se bem que a prova do fogo figure na iniciação;

Todavia, um catecismo de 1749, de uma Loja de Lille, comporta a resposta “Fui purificado pela água e pelo fogo”. Trata-se da mais antiga menção desta inovação, a qual já existia em altos graus praticados na época, podendo ter migrado daí para a maçonaria azul. Estas duas purificações não têm, aliás, origem hermética, mas sim bíblica, correspondendo aos batismos da Antiga e da Nova Aliança. Recordem-se as palavras de S. João Batista, em Mateus 3.11 “Em verdade vos batizo com água… mas aquele que vem após mim… batizará-vos com o Espírito Santo e com fogo”;

Em 1786, no “Régulateur Du Maçon” (Regulador do Maçom), documento fundador do Rito Francês, o Grande Oriente de França fixa a purificação pela água após a segunda viagem, e a purificação pelo fogo após a terceira, sem haver qualquer referência a outros elementos;

Os três elementos constituintes da matéria, na perspectiva Martinista (fogo, água, terra) só aparecem tardiamente na maçonaria retificada, em 1786-1787, apenas e somente com a interpretação especifica do RER, sem qualquer relação com a que se encontra nos restantes ritos;

O “Guide des Maçons Écossais” (Guia dos Maçons Escoceses), de 1804, mais antigo documento regulador dos graus simbólicos do REAA, faz passar o recipiendário pelas chamas purificadoras na terceira viagem, sendo as duas anteriores isentas de purificações;

Enfim, em 1820, o Ritual do Rito de Misraïm explicitamente prevê a purificação pelos quatro elementos, sendo a prova da terra objetivamente associada à passagem pela Câmara de Reflexões, e as purificações pela água, fogo, e ar, realizadas sucessivamente por esta ordem, associadas a três viagens realizadas fora do Templo, nos Passos Perdidos. Tratou-se, pois, de uma completa inovação, relativamente a um século de pratica maçônica anterior, neste país.

Este modelo repetiu-se no Ritual do 1º Grau do Rito de Memphis, de 1838, no qual apenas foi alterada a ordem dos elementos, para terra-ar-água-fogo. A migração desta simbologia foi quase imediata, dos Ritos Egípcios para os demais ritos praticados à época na França, passando, contudo, as purificações a serem realizadas no interior do Templo.

Muito embora nas revisões do Rito Francês efetuadas até a versão Murat, de 1858, tenha sido mantido, formalmente, o protocolo inicial das duas purificações, a identificação das viagens com os quatro elementos foi, correntemente assumida pelos autores maçônicos da época ligados a este Rito, nomeadamente por Clavel e, por Ragon.

A partir de 1877, as purificações foram retiradas dos rituais do Grande Oriente de França, na sequência de uma revisão laicizante do Rito, tendo sido reintroduzidas, já com referência aos quatro elementos, no decurso dos últimos decênios. Tanto no Rito Francês Groussier, como no Rito Francês Moderno Restabelecido, a ordem dos elementos considerada é terra-água-ar-fogo.

Tal foi, também, a ordem elegida por Robert Ambelain, na sua revisão dos rituais dos Ritos Egípcios, que deu origem ao Ritual do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraïm, atualmente praticado.

No REAA, a importação também se deu imediatamente, estando à mesma presente em todos os Rituais da Grande Loja de França, desde a sua fundação em 1896, com a ordem terra-ar-água-fogo, que é hoje característica deste Rito. Se o REAA influenciou, na sua gênese, os Ritos Egípcios, também podemos considerar que estes vieram, reciprocamente, a inspirar, de algum modo, a sua matriz original.

Perante toda esta sequência cronológica, duas perguntas surgem naturalmente:

– Por que é que estas purificações apareceram em 1820?
– E por que num Rito Egípcio?

A resposta para elas poderá estar em… Mozart!

No libreto da ópera “A Flauta Mágica”, de 1791, no seu segundo ato, cena 7, consta a seguinte referência:

“Aquele que avançará por esta estrada plena de obstáculos
Será purificado pelo fogo, a água, o ar e a terra
Se ele pode superar os receios da morte
Se elevará da terra até ao céu”

Sendo esta ópera da autoria de dois Maçons, Mozart e Shikaneder, e reproduzindo a mesma uma iniciação, será que esta simbologia já existia na maçonaria austríaca trinta anos antes de ter surgido em França?

Mozart foi iniciado em 14 de dezembro de 1784, em Viena, na Loja “Zur Wohltätigkeit”, sob os auspícios da Grande Loja Nacional Austríaca. Antes dessa data, praticavam-se, em Viena, quatro ritos: a Estrita Observância, o Rito de Zinnendorf, o RER e o Rito de Adoção.

Muito embora a Loja-Mãe de Mozart tenha sido constituída para praticar o RER, à data da sua iniciação, a oficina utilizava já outro ritual, do qual se encontra depositada, em Copenhague, uma cópia manuscrita.

Trata-se de um ritual claramente de influencia francesa, todavia com alguns pontos comuns ao Ritual do 1º Grau do Rito de Zinnendorf. Nesta cerimônia, o recipiendário, depois de passar pela Câmara de Reflexões, faz três viagens. 

Segundo o texto deste ritual, o Venerável Mestre ordena ao Segundo Vigilante que faça o recipiendário realizar a primeira viagem “pelo ar e pela terra”, a segunda “pela água”, e a terceira “pelo fogo”, sem haver, contudo, qualquer referência a purificações.

Se este conceito migrou da maçonaria para a ópera, tal não pode ser objetivamente confirmado. Constitui, contudo, um fato, que Mozart foi iniciado através de um ritual que mencionava os elementos, não assumindo, todavia, no mesmo a forma presente no libreto de “A Flauta Mágica”, que se parece reproduzir no Rito de Misraïm.

No final do séc. XVIII a maçonaria austríaca irá cair na penumbra, e praticamente desaparecer, em virtude dos éditos restritivos de José II, o mesmo não sucedendo, contudo, a “A Flauta Mágica”, que conhecerá uma notoriedade assinalável por toda a Europa.

Subsistem, todavia, as perguntas: por que 1820, e por que num Rito Egípcio. Poderá, no entanto, ter sido recentemente descoberto o elo da cadeia, que faltava para lhes dar resposta.

Em 1801, Ludwig Wenzel Lachnit, natural de Praga, apresentou ao público parisiense uma “nova ópera de Mozart” denominada “Os Mistérios de Ísis”. Esta obra, com libreto em Francês, da autoria de Étienne de Chédeville, e música reciclada a partir da partitura da “A Flauta Mágica”, e de importações de outras óperas de Mozart, conheceu um assinalável sucesso, atingindo um total de 130 representações até 1810, com reposições em 1816, e 1827.

Terá sido a ópera mais representada durante o Império, não sendo estranho ao seu êxito o fato de a sua estréia ter coincidido com o final da Campanha do Egito, e de ter beneficiado de uma quinzena de anos nos quais os temas egípcios estiveram na moda.

No livreto desta obra, publicado em Paris, em 1806, as personagens são precipitadas “num sombrio subterrâneo”, passando posteriormente para outro “sombrio e profundo subterrâneo destinado às provas do fogo, da água, e do ar” antes de, finalmente, acenderem ao “Templo da Luz”.

Será que, numa altura em que a informação existente sobre o Antigo Egito era escassa e mítica, o livreto de “Os Mistérios de Ísis” não poderá ter servido de inspiração aos irmãos Bédarride para escreverem o Ritual do seu Rito de Misraïm?

Trata-se, contudo, de uma pergunta que só eles poderiam responder, sendo, todavia, comprovado, que nos meios maçônicos da época, lhes foram merecida ou imerecidamente, atribuídos propósitos idênticos aos que teria tido o promotor desta ópera, e que teriam mais a ver com metais, do que com valores maçônicos.

A ter-se verificado, este “transfer” constituiria mais um exemplo de que nem a sociedade é impermeável a ideias veiculadas na maçonaria, nem esta última o é a ideias, ou modas, provenientes da sociedade.

Este sincretismo pode, ainda, ser indiciado pelo fato de Alexandre Lenoir ter publicado, em 1814, o livro “La Franche-Maçonnerie rendue à sa véritable origine”, o qual marca a origem da Egiptologia Maçônica e, onde se descrevem as iniciações no Antigo Egito (mítico), referindo-se as purificações pelos quatro elementos e, a necessidade das cerimônias maçônicas se ajustarem aos procedimentos dos Antigos Mistérios.

Ainda no que concerne à ópera de Lachnit, apesar do enorme sucesso comercial obtido, não se eximiu de ser severamente criticada nos meios musicais mais eruditos, nomeadamente por Berlioz, ou por Otto Jahn, que lhe alterou o titulo de “Les Mystères d’Isis” para “Les Misères d’ici”.

Em conclusão, as purificações pelos elementos, introduzidas em força e vigor na maçonaria, no primeiro quarto do séc. XIX ganharam plena profundidade simbólica já no séc. XX, através da contribuição de vários simbolistas notáveis, dos quais destaco Oswald Wirth, que incorporou muitas interpretações herméticas à simbólica tradicional maçônica do REAA. Termino, pois, com palavras suas bem elucidativas do sentido iniciático que podemos dar a este procedimento ritual:

“Esta vida de ordem superior proporciona-se através do desenvolvimento do princípio da personalidade, dado que o ser inferior não é mais do que um autômato que reage mecanicamente sobre a ação das forças das quais é o joguete. A sua vida permanece material ou elementar porque ela resulta unicamente do conflito dos Elementos… Mas as forças exteriores, tão potentes sejam elas, devem ser dominadas pela energia que acha a sua origem na personalidade. É porque o homem é chamado a desenvolver em si um princípio mais forte que os Elementos, que ele entra em luta com eles no decurso das provas iniciáticas”

Pessoalmente, penso que este princípio reside no Conhecimento, principal impulsionador da elevação da Condição Humana, entendendo-se o mesmo não só como sapiência, mas também e, fundamentalmente, como consciência. Cada um, contudo, dentro do seu livre-pensamento deverá encontrar a sua interpretação pessoal para o mesmo.

Só assim estaremos, realmente, a fazer Maçonaria.

Autor: Joaquim G dos Santos

Loja de S. João Fiat Lux nº 537, Oriente de Lisboa, filiada ao G.’.O.’.L.’.
Referências Bibliográficas
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