Perplexa, a sociedade moderna assiste simultaneamente a ruptura
de antigas estruturas societárias e a emergência de uma nova ordem mundial.
Acompanhar as mudanças em curso no mundo e estar afinado com seu diapasão e
implicações são deveres de todo ser mortal que deseja administrar relativamente
bem sua vida neste plano do Universo.
Refletir para reconstruir poderia ser o lema a ser adotado pela
atual geração de maçons nesse limiar do Terceiro Milênio. Para pensar a
Maçonaria do século XXI é preciso partir da base do modelo mental (ou modo de
pensar, ou sistema de pensamento) por meio do qual construímos o nosso mundo.
Há poucas esperanças de mudar o mundo que elaboramos, ao longo
de nossa interação com ele, se não modificarmos antes o modo de pensar que utilizamos
Maçonaria do século XXI: pensar, sentir e viver para essa construção.
Assim, propomos que, do ponto de vista do Acolhimento Maçônico,
o pensar (que inclui o sentir), e o viver sigam a seguinte dinâmica: mudar o
modo de Sentir; mudar o modo de Pensar; mudar o modo de Falar; mudar o modo de
Agir.
O diagrama exprime algumas das principais dimensões do ser
humano: o sentir, o pensar, o falar e o agir. Todas estão entrelaçadas, de modo
que modificações em qualquer uma repercutirão sobre as demais. Trata-se de uma
abordagem integrada e integradora, na qual tudo acolhe tudo e por tudo é
acolhido.
Isso significa que é preciso, antes de tudo, compreender que o
privilégio dado por nossa cultura à tecnociência, em prejuízo das humanidades,
é um dos principais obstáculos à colocação, em prática, das iniciativas ou
objetivos da Maçonaria.
Portanto, desde o início convém ter em mente que aquilo que se
deseja é introduzir ações de acolhimento numa cultura que é ou está basicamente
não-acolhedora, uma cultura na qual a competição predatória, a devastação da
natureza e a exclusão social não recebem o grau de atenção e questionamento que
deveriam.
Estas palavras, porém, não devem ser tomadas como desestímulo ou
pessimismo, mas sim como um convite à reflexão. Para pôr em prática os
objetivos sociais da Maçonaria é preciso mudar de modelo mental. Trata-se de
uma mudança ampla e profunda, que não pode ser feita por meio de iniciativas
superficiais e de curto prazo.
Eis o nosso desafio. Sem compreendê-lo e buscar
meios de superá-lo, nossas boas intenções cairão no vazio.
Lidar com esses obstáculos exige, antes de tudo, que pratiquemos
o que propomos. O pensar inclui o sentir. Em geral, sentimos antes de pensar.
Ou, de modo inverso, o que pensamos produz sentimentos. Pode-se dizer, então,
que o sentir e o pensar se influenciam mutuamente, isto é, estão em relação
circular.
Para trabalhar a interação entre o sentir, o pensar, o falar e o
agir propõem começar examinando o que sentimos diante do sofrimento e da doença
ou de outro infortúnio.
Nossa proposta é iniciar pelo sentir e depois entrar em
contato com o que pensamos segundo vários pontos de vista, ou seja, o dos que
podem e deve resolver o problema, o do “paciente” ou queixoso, o de seus
familiares e o da comunidade.
Examinemos alguns dos nossos sentimentos diante de tais
situações e da necessidade de buscar atendimento, ou mesmo da necessidade de,
fora dessas situações, procurações preventivas.
Em geral, os profissionais, como é a praxe em nossa cultura,
foram preparados para sentir, pensar, falar e agir com base na lógica binária:
o modelo mental de causa e efeito, a lógica do “ou/ou”. Trata-se de um padrão
que exclui em vez de acolher, que separa em vez de juntar, que fala de ações,
não de interações, de vivência e sobrevivência em vez de convivência.
Em especial, é um modelo que privilegia as partes isoladas, em
prejuízo das relações. A esse respeito Václav Havel, ex-presidente de República
Checa, tem uma frase que não deve ser esquecida: “Educação é a capacidade de
perceber as conexões ocultas entre os fenômenos”.
Por sua vez, Elizabeth Rondon Amarante, neta do Marechal Rondon,
em contato com os índios myky, descobriu que na língua deles não existe o verbo
“viver”; em seu lugar está o verbo “conviver”, que significa morar, viver com,
viver com o mundo, com os outros e consigo mesmo.
Relação, eis a palavra-chave, a argamassa do Maçom. Se soubermos
tudo sobre uma espécie vegetal ou animal, uma técnica, um tratamento, etc.,
podemos dizer que somos especialistas, eruditos. Mas só quando compreendemos e
vivemos as relações entre as pessoas, as coisas e os fenômenos é que somos
realmente educados.
Nesse sentido, Maçonaria é educar. E a formação maçônica é,
pois, um processo pedagógico. No contexto das ações de formação de profissionais,
a maior preocupação de nossas escolas e faculdades, predominantemente voltadas
para a tecnociência, é instruir, adestrar e treinar.
Mas poucas educam. Poucas ensinam aos que nelas estudam a
compreender que a percepção das relações, das interações, pode diminuir a
incerteza e, portanto, atenuar o medo. Uma sociedade regida por um sistema de
pensamento que privilegia a divisão, o afastamento, o não-acolhimento é uma
sociedade de desconhecidos, de estranhos. O desconhecimento produz a desconfiança,
e esta alimenta o medo e é por ele realimentada.
Se tivermos medo de entrar em contato com nossos sentimentos,
emoções e subjetividades acabamos adotando uma visão de mundo em que tudo nos
parece externo objetivo. É como se não compartilhássemos o mesmo mundo com as
pessoas com as quais lidamos no cotidiano. Como, então, colocar-nos no lugar
delas?
Esse raciocínio faz lembrar um mito da Grécia clássica: a
história do Curador Ferido. Conta a lenda que a arte de curar foi ensinada por
Apolo ao centauro Quíron. Este, por sua vez, a transmitiu a Esculápio, o deus
da medicina. Com Quíron, Esculápio aprendeu a praticar a cura pelas ervas.
Entretanto, Quíron tinha uma ferida que, jamais, cicatrizava: ele vivia curando
os outros, mas estava sempre doente, sempre sofrendo, e, por isso, era capaz de
compreender os sofrimentos daqueles a quem tratava.
Esse mito pode ser interpretado como uma sugestão da necessidade
que o maçom tem de reconhecer a sua própria vulnerabilidade, isto é, precisa
tomar consciência de sua própria ferida, que representa a possibilidade de ele
próprio “adoecer” e sofrer.
Em outros termos, colocar-se no lugar do outro para
poder avaliar o sofrimento dele e, então, exercer a solidariedade e a
fraternidade.
No contexto das ações interpessoais, nossos modos básicos de
sentir têm como apoio a divisão, a fragmentação, a pouca compreensão do que
significa relacionar-se, ligar-se, acolher, comprometer-se, compartilhar.
Nossas ações são, em geral, vistas como relações de uso. Nos vemos como fornecedores de produtos e serviços que se destinam a “usuários”.
O uso pressupõe o descarte e a posterior exclusão, isto é, um
segmento da população utiliza outro e depois o descarta. Em suma: nosso sentir
atual é desagregador, separador, disjuntivo. Não compreendemos bem a extensão e
a profundidade da ideia de relação, junção, participação.
Nosso sentir é o de quem não aprendeu a pôr-se no lugar do
outro. É um sentir não-maçônico, não-acolhedor. Se, como no diagrama a pouco
apresentado, a Maçonaria é identificada com um processo que requer a
simultaneidade de várias iniciativas, é necessário começar pela modificação do
nosso modo de sentir.
A primeira providência para tanto é educacional. Ela requer uma
reaproximação com a cultura humanística, que vem há longo tempo sendo posta em
plano secundário.
Luiz Carlos Silva
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