Atualmente, gostamos de nos gabar de que a
Maçonaria é universal, de que nossos candidatos podem ser de qualquer religião
ou crença, desde que acreditem na existência de um (ou do?) Ser Supremo. Esse
ser pode ser adorado, recebendo a designação de “Ele” ou “Ela” (visto que
nenhum gênero é especificado) da forma e modo prescritos por sua religião… pois
não estamos interessados em substituí-lo por outra fé “maçônica”.
Espere um minuto, você
disse teologia? Não estamos sempre assegurando a todos que não
somos uma religião? Então, não deveríamos ter uma teologia – que é o
“conhecimento de Deus”, ou seja, o sistema da ciência divina, que, não nos
esqueçamos, foi a única “ciência” ensinada nas universidades medievais
europeias.
Essas instituições
assemelhavam-se mais aos seminários religiosos de hoje. Até a filosofia, essa
nobre arte de refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos, era apenas serva
daquela teologia (ancilla theologiae – como se dizia em latim, a
língua do conhecimento na Europa Ocidental).
Tudo o que diz respeito aos
fenômenos mundanos e efêmeros do entorno era de pouco interesse. Alguns monges
altamente instruídos, que foram abençoados – ou amaldiçoados – com um intelecto
excepcional, tentaram desvendar as leis eternas da Natureza, para compreender
melhor o nosso lugar nela. Para a maioria, o desfecho não foi favorável: alguns
foram queimados na fogueira, e todos foram perseguidos, condenados e
excomungados pela Igreja…, mas esse tópico ficará para outra apresentação sobre
o desenvolvimento das ciências naturais.
Existem, basicamente, duas
questões que merecem ser examinadas com a mente aberta, a fim de se obter uma
melhor compreensão dos aspectos teológicos ocultos em nossos textos maçônicos.
Uma diz respeito ao aspecto histórico das circunstâncias em que esses textos
foram escritos; a outra, às pressuposições teológicas implícitas neles.
Deixe-me começar por essa última,
as pressuposições teológicas – isso ajudará quando formos discutir a parte
histórica. Todos concordamos com aquele Princípio Básico que exige a crença em
um Ser Supremo (lembre-se: também é a primeira pergunta feita ao candidato).
Citamo-lo frequentemente como prova de nossa abordagem bem pensada e inclusiva,
e com razão.
Usar a expressão “Ser Supremo” em
vez de uma divindade “nomeada” cria a liberdade para que cada maçom tenha fé e
adore a entidade divina central de sua própria religião. Mas, então, surgem
algumas questões mais específicas (pelo menos na versão canadense do Craft usado
em Ontário) que – infelizmente – restringem essa inclusividade mencionada.
Devemos estar cientes de que a maioria dos maçons que redige esse tipo de texto
não é (e nem foi) teólogo, e frequentemente acabam se atrapalhando.
É lamentável, pois muitos ataques
baseados na Igreja usam nossas próprias frases e definições para “provar”
alguma acusação que inventam. Há, por exemplo, aquela pergunta que somos
instruídos a fazer ao candidato: se o Ser Supremo se revelou. Essa questão já
implica uma certa pressuposição teológica, a saber, que somente os adeptos de
religiões baseadas na revelação podem responder honestamente “sim”.
Embora todas as religiões
reconheçam algum tipo de entidade “suprema” que criou e governa o nosso mundo
(caso contrário não seria religião), nem todas possuem um texto sagrado em que
a divindade se revelou e manifestou sua vontade aos homens em geral…
Tradicionalmente, para emprestar
a terminologia do Islã, apenas os “povos do livro” são considerados como
possuidores de uma revelação baseada em texto para orientação, que, em sua
visão, são: a Torá dos judeus, a religião judaica; a Bíblia dos cristãos (a
Torá + o Novo Testamento) para todas as denominações cristãs; e o Alcorão dos
muçulmanos para todos os ramos do Islã. Essas religiões também são chamadas de
“abrahâmicas”, pois todas veneram o mesmo ancestral, Ibrahim/Abraão.
Se você acha que inventei essa
questão sobre a revelação obrigatória, está enganado. Já em 1915, há mais de
cem anos, foi formada uma comissão especial para aconselhar sobre a admissão de
budistas como maçons – visto que eles não possuem um “Livro Sagrado” como o das
religiões abrahâmicas mencionadas. Não vou revelar (trocadilho intencional) a
conclusão dessa Comissão, que se reportou à Grande Loja de Massachusetts.
Em vez disso, convido-o a fazer
uma busca introspectiva e tranquila – uma procura interna em nossa própria
alma. Estamos realmente prontos para aceitar um seguidor de qualquer tipo de
religião ou exigimos uma interpretação mais restrita dessa “liberdade” de ter
um G.A.D.U. da nossa própria convicção? Como lidaríamos com um homem íntegro,
religioso e espiritual, que possua todas as qualidades para ser um bom irmão…
exceto pelo fato de sua religião não ter um texto considerado, por todos, como
a revelação definitiva da divindade que ele venera como o Ser Supremo de sua
fé? Ou talvez, por não pertencer a uma religião monoteísta?
Esqueça, por um momento, como
você, pessoalmente, interpreta a expressão “Ser Supremo”. Minha intenção não é
discutir ou questionar a validade dessa crença pessoal. Contudo, quero pedir
que seja honesto consigo mesmo: até onde você é capaz e está disposto a ir para
aceitar uma interpretação diferente da divindade por trás do nome? Exatamente
no ponto em que você parar, estará o limite da sua própria tolerância. Ou da
minha… afinal, estamos juntos nessa.
P.S.: Estou ciente de que há algumas Grandes Lojas escandinavas,
bem como várias Grandes Lojas nos EUA, que exigem expressamente a adesão à fé
cristã trinitariana como condição para a admissão em suas lojas. Este artigo
não trata de tais práticas; ao contrário, busca esclarecer as armadilhas
inerentes à formulação de requisitos relacionados à fé em nossos documentos
orientadores.
P.P.S.: A UGLE publicou formalmente seus Princípios Básicos para o
reconhecimento de Grandes Lojas em 1929. Nesse texto, nos itens #2 e #3, as
palavras “revelado” (crença no G.A.D.U. e Sua vontade revelada) e “revelação”
(Volume da Lei Sagrada, ou seja, a revelação do alto) são mencionadas
explicitamente. Na versão posterior, de 1989, essas palavras não estão mais
presentes!
Autor: Istvan Horvath
Fonte: The Other Mason
*Horvath é Mestre Maçom,
Maçom do Arco Real, membro da Philaletes Society, do Quatuor Coronati
Correspondence Circle e da Scottish Rite Research Society.
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