MUTAÇÕES DA PEDRA BRUTA INTERIOR: PELAS TRILHAS DA PRÁTICA RITUALÍSTICA


 

 “Ǫue homem é o homem que não faz o mundo melhor?” (Filme Cruzada, 2005)

Desde a primeira vez que ouvi essa frase, senti que ela ressoava profundamente com o propósito de nossa existência. O que nos motiva a caminhar neste mundo? Será que estamos aqui apenas para testemunhar o desenrolar da história ou temos um papel ativo na construção de algo maior? Como lapidar nosso ser de forma que nos tornemos não apenas indivíduos melhores, mas agentes transformadores da realidade?

Essas questões devem nos remeter à senda iniciática da Maçonaria, onde a prática ritualística transcende a mera formalidade e se revela como um instrumento de aprimoramento do homem. A ritualística, nesse contexto, não é um fim em si mesma, mas um meio pelo qual o iniciado se submete a um processo de transmutação interior. Cada gesto, cada palavra, cada símbolo possui um sentido visível e um significado oculto, cuja compreensão depende da disposição daquele que trilha o caminho. Assim como na liturgia religiosa, onde cada elemento da celebração carrega um simbolismo profundo, os rituais maçônicos são veículos de espiritualidade e crescimento.

A liturgia, palavra que etimologicamente remete à “obra do povo”, possui em sua essência um chamado à participação ativa. No âmbito religioso, ela estrutura a comunhão do homem com o sagrado; na ritualística maçônica, opera de maneira semelhante, proporcionando ao iniciado uma experiência que vai além do intelecto, atingindo o espírito. Santo Agostinho dizia: “Os sinais visíveis são expressão de uma realidade invisível.” Assim, a ritualística não se resume a um conjunto de palavras recitadas mecanicamente, mas constitui um canal de vivência e transformação.

A ritualística maçônica, quando compreendida em sua plenitude, não se limita a um conjunto de formalidades estéreis, mas se torna um veículo de elevação e refinamento do espírito. O verdadeiro iniciado não é aquele que apenas reproduz os gestos e palavras, mas aquele que interioriza seus significados e permite que sua essência seja moldada por eles. Assim como na liturgia religiosa, onde cada ato simbólico carrega em si um mistério profundo, a prática ritualística maçônica se revela como um caminho de iluminação progressiva, no qual cada etapa prepara o homem para um grau mais elevado de consciência.

Cada cargo em uma Loja Maçônica não é meramente uma posição de gestão, mas uma oportunidade de serviço e aprendizado. A responsabilidade assumida por cada obreiro é, antes de tudo, um exercício de humildade e dedicação. O Apóstolo Paulo, ao escrever aos Coríntios, ensina: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; e há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.” (1 Coríntios 12:4-6). Assim como na estrutura eclesiástica, onde cada função litúrgica tem um propósito específico, na Maçonaria cada cargo tem sua relevância e contribui para o equilíbrio da Loja.

A ritualística não apenas educa o intelecto, mas forja o caráter e disciplina a alma. A perseverança no cumprimento dos ritos, a repetição cuidadosa das palavras e a postura reverente diante do sagrado desenvolvem no iniciado a paciência, a humildade e o senso de propósito. “A oração é a respiração da alma”, dizia Santo Afonso de Ligório, e podemos afirmar que a vivência ritualística é, da mesma forma, o fôlego que mantém acesa a chama da busca pelo aperfeiçoamento. Quando realizada com sinceridade, ela se torna um ato de entrega, permitindo que o iniciado se torne não apenas um conhecedor, mas um verdadeiro praticante dos princípios que professa.

Não se pode negligenciar a espiritualidade impregnada em cada gesto e em cada fala da ritualística maçônica. O ato de abrir os trabalhos, a condução das reuniões, o zelo pelos símbolos, tudo deve ser feito com reverência e consciência de seu significado. Da mesma forma que o sacerdote não recita suas orações de maneira desprovida de fé, o maçom que compreende a profundidade de sua ritualística não a executa mecanicamente, mas com a devoção de quem entende que está participando de algo que transcende sua individualidade.

Por fim, devemos lembrar que tanto a liturgia quanto a ritualística são expressões de um compromisso maior: o de transformar o homem para que ele possa, por sua vez, transformar o mundo. O templo, seja ele físico ou interior, é o local onde essa mutação acontece, onde o profano se torna sagrado e onde a pedra bruta se aperfeiçoa para se tornar parte da grande obra. “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Romanos 12:2). Que cada gesto, cada palavra e cada ensinamento deixem marcas indeléveis em nossas almas, guiando-nos no caminho da verdade e da retidão.

O progresso espiritual e intelectual do iniciado ocorre quando ele permite que os ritos, as instruções e os ensinamentos ressoem em seu interior. “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.” (Lucas 11:9). Aquele que se abre à experiência iniciática com sinceridade e dedicação experimenta uma verdadeira Metanoia. A pedra bruta que ele representa no início da jornada vai sendo trabalhada, polida e refinada, até que se torne um pilar sólido na construção do Grande Edifício da Humanidade.

Ao refletir sobre a ritualística como um meio de elevação do espírito, percebemos que Maçonaria é, de fato, uma escola de mistérios. Assim como a liturgia cristã tem o poder de edificar a fé e fortalecer a comunhão dos fiéis, a prática ritualística maçônica tem a capacidade de transformar o iniciado em um ser mais consciente de sua missão no mundo. Cada palavra proferida, cada passo dado dentro do templo, cada símbolo contemplado não é apenas um ato externo, mas um reflexo da jornada interior que se desenrola dentro de cada um de nós.

Que possamos, pois, vivenciar nossos rituais com a reverência e o compromisso daqueles que compreendem que a verdadeira iniciação não se dá apenas nas formalidades externas, mas na transformação profunda do ser. Que ao final da jornada possamos responder com verdade à pergunta que nos foi proposta: “Ǫue homem é o homem que não faz o mundo melhor?”

Autor: André Luiz Lopes Oliveira

André é Mestre Instalado e Mui Excelente Mestre do Real Arco; membro da Aug. e Resp. Loja de EEst. PPes. Cavaleiros do Vale do Jequitaí 374 – GOMG e da Aug. e Resp. Loja de EEst. PPes. “Dom Bosco Nº 33” – GLMDF; Pós-graduado em Maçonologia: História e Filosofia; membro da Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas – AMALENM; da Academia Mineira de Leonismo – AML; do Instituto Histórico e Cultura dos Policiais Civis do Norte de Minas – IHCPol; e, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros – IHGMC

 

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