Neste artigo, gostaria de explorar o mistério
por detrás da noção de Beleza, no coração da nossa prática do Rito Escocês
Antigo e Aceito. O que é que ela significa? Que mensagem traz consigo? De onde
é que vem? O que é que as pessoas fizeram com ela, desde os primórdios da nossa
civilização até aos tempos modernos? E olhando para o futuro, o que é que ele
anuncia? É sobre estas questões que vou tentar lançar alguma luz.
BELEZA NO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO (REAA)
O Rito Escocês Antigo e Aceito introduz a noção
de Beleza nas nossas vestes de primeiro grau de duas formas. Por um lado, ela
aparece na abertura do rito, quando uma chama é acesa
no terceiro pilar, após os dois primeiros valores fundamentais da
nossa tradição: Sabedoria e Força.
Por outro lado, aparece
em primeiro lugar no momento da iniciação, quando o neófito solicita
o acesso à luz ao segundo Vigilante. Não vale a pena colocar a questão, como a
da galinha ou do ovo, para decidir quem tem a preeminência do processo, o rito
ou a iniciação? Uma pergunta inútil e sem resposta!
O rito
segue uma lógica imparável que começa com a Sabedoria, ou seja, uma intenção
bem pensada de construir um edifício: “Que a sabedoria presida à construção do
nosso edifício! A construção exige depois a mobilização de energias físicas, ou
seja, a Força, para lhe dar a sua dimensão concreta e a sua solidez: “Que a
Força a sustente! Finalmente, a terceira qualidade em termos de aparência: “Que
a Beleza a adorne”. Por outras palavras, a Beleza implica muito mais do que uma
aparência agradável, porque a Beleza, a um nível superior e invisível,
contribui para a harmonia e o prazer de viver num determinado lugar.
Se considerarmos primeiro o processo de
iniciação maçônica, a Beleza é, de fato, o primeiro dom
da transmissão maçônica. Para o compreender, é preciso recuar um pouco e
considerar o significado profundo desta cerimónia, desde o tempo que passamos
no estudo até ao momento em que retiramos o véu: aprendemos que estamos a
reencenar a nossa vida com vista a um segundo nascimento, de acordo com as
etapas consagradas: o tempo passado no ventre materno, a vinda ao mundo, depois
o tempo da infância, que sugere beleza, o da idade adulta, ao qual está ligada
a noção de força, e finalmente a idade madura, que vem com a sabedoria. Este é
o padrão fundamental da iniciação, em que a primeira “viagem”, no templo, dá
pleno sentido à Beleza, em ligação com a primeira fase da vida, ou seja, a
juventude.
A BELEZA E O SAGRADO
Dito isto, vamos olhar historicamente para a
noção de Beleza a partir de uma perspectiva iniciática, e perguntar-nos o que é
que as pessoas do nosso tempo fizeram com a Beleza. A tradição judaico-cristã,
na qual nos encontramos, baseia-se em duas culturas, a grega e a judaica. A
primeira, através da expansão romana, moldou toda a Europa até aos primeiros
séculos da nossa era, que evoluiu gradualmente sob a influência do
cristianismo, sem, no entanto, renunciar aos seus valores fundamentais, como a
sua relação com a imagem.
Como sabemos, a cultura grega valorizava a
beleza através da imagem do corpo humano, mas também do rosto, cuja memória
herdámos na estatuária e na pintura. As Igrejas Católica e Ortodoxa conservaram
esta tradição de representação da figura humana desde os primeiros tempos da
sua história, por razões de valorização da criação divina e de educação
espiritual.
A idade de ouro da expressão da beleza no
contexto do sagrado foi certamente o período que vai do fim da Idade Média ao
Renascimento, em que se assistiu à construção de catedrais ricamente ilustradas
e, depois, à arte da pintura e da escultura, em que surgiram grandes artistas,
sobretudo em Itália, entre os quais Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci. O
Judaísmo, baseado no mandamento bíblico (Êxodo 20.4), diz
“Não farás para ti imagem de escultura, nem
alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra”.
O protestantismo, que se baseia no mesmo
argumento, adopta a mesma posição de boa-fé. Ele se passa com a Maçonaria que,
por razões históricas (lembremo-nos do papel do Pastor Anderson), se inscreve
nesta tradição e recusa, por isso, qualquer representação nos seus templos (há
por vezes excepções, como pude constatar!). No entanto, a noção de Beleza está
claramente presente como um dos três pilares da Maçonaria, tal como no
Judaísmo.
Dois exemplos: a presença
de tipheret no coração da árvore das sephirot, na Cabala, a tradição
esotérica do judaísmo. Há também o elogio da Beleza do Amado no Cântico dos
Cânticos. Por extensão, perguntemos então: e nos Evangelhos? Jesus era sensível
à beleza? E de que forma? Para além de um interesse notável pela sensualidade
por parte das personagens femininas do testemunho de João (a samaritana, a
mulher adúltera, Maria Madalena), uma frase relatada por Mateus introduz
realmente a noção de beleza na boca de Jesus, quando diz:
“Não te preocupes com o que vais vestir! Olhai
para os lírios do campo… Salomão não estava vestido de forma mais esplêndida…”
(MT 6,29)
É esta última palavra que nos diz que a beleza
faz parte do sagrado a que devemos estar atentos…
A BELEZA NA ÉPOCA ATUAL
Terá sido com plena consciência desta ideia que
Dostoievski fez com que o Príncipe Muishkin, a personagem central de O
Idiota, dissesse a conhecida frase: “A beleza salvará o mundo! “O romance foi
publicado em 1869, apenas cinquenta anos antes dos horrores indescritíveis da
Revolução Bolchevique.
De fato, a expressão da beleza foi atacada
muito antes, na era moderna. Durante o Terror, os revolucionários franceses
destruíram a marteladas o que era suficientemente bom para eles nos edifícios
religiosos. E não é descabido dizer que grupos de jovens foram sacrificados em
várias ocasiões durante o século XIX.
Na sua inspiração poética, Arthur Rimbaud
escreveu este célebre verso de Uma Estação no Inferno: “Uma noite, sentei
a Bela sobre os meus joelhos, achei-a amarga e injuriei-a...”. A negação do
sagrado e, por conseguinte, da beleza, atingiu o seu auge com a guerra de
1914-18, que, do lado francês, registou 1,3 milhões de mortos e inúmeros rostos
partidos.
Foi também a época do nascimento do movimento
surrealista e da “arte moderna” que, como novas expressões artísticas,
abandonaram toda a pretensão de servir a Beleza, segundo as concepções
anteriores. André Breton, apelidado de “Papa do Surrealismo”, terminava Nadja,
o romance de charme do seu tempo, com esta frase perfeitamente transgressora em
letra grande: “A beleza será frenética, ou não será! Pois foi esta a questão
que atravessou todo o século XX, até aos nossos dias: como exprimir a necessidade
de beleza?
A resposta está à vista de todos: a beleza
exprime-se em realizações tecnológicas quotidianas, uma caçarola como um
automóvel, ou a beleza é sobrevalorizada através do corpo humano, feminino ou
masculino, dos modelos e de outros portadores da sua imagem… ou ainda através
de realizações complexas, no teatro ou no cinema, em que a forma se sobrepõe ao
conteúdo, quando este existe…
Mas se entrarmos num museu de arte
contemporânea – e não fui eu que escrevi isto – não encontraremos um único
rosto sorridente, nem uma única figura que exprima serenidade e confiança no
mundo, apenas rostos carrancudos e imagens de desconstrução…
Sem cair na retórica reacionária dos que se
mantêm apegados ao passado, é preciso dizer que a pintura clássica, de que a
Mona Lisa é talvez a expressão mais bem conseguida, estava consciente da ideia
de Beleza e do seu altíssimo valor espiritual. Para os adeptos da religião
ortodoxa, esta exigência continua viva na mensagem dos ícones, portadores de
uma dimensão de interioridade e de espiritualidade que se reflete em quem os
venera.
CONCLUSÃO
Refletir sobre a noção de beleza significa
perguntar por que é que a verdadeira beleza é essencial para os seres humanos,
seja qual for a época. Porque é que a beleza falsa, vistosa e convencional não
nos satisfaz durante mais do que algumas horas ou semanas?
A resposta é necessariamente iniciática e faz
parte da nossa busca. O que procuras quando te juntas à Maçonaria?
Verdade e Luz! Por conseguinte, os três
pilares do nosso Templo: Sabedoria, Força e Beleza, que constituem os nossos
fundamentos, representam num único movimento as três aspirações à liberdade em
que a humanidade procura a sua salvação, até ao último sacrifício: a Sabedoria
abre a porta à liberdade de pensar e de defender a sua fé, a Força evoca as
forças da vida em todas as suas formas, e a Beleza a admiração pela Criação.
Pelo contrário, nos países dominados pelas
falsas verdades, pela brutalidade institucional e pela fealdade generalizada, a
vida humana só pode ser degradada e destruída…
É por isso que Dostoievski, com a sua espantosa
intuição profética, fez com que a personagem de O Idiota proferisse uma frase
que gosto de repetir: “A beleza salvará o mundo!
Christian Belloc
Tradução de António Jorge, M∴ M∴
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