sexta-feira, 25 de julho de 2025

A BELEZA NO RITO ESCOCÊS, ENTRE A TRADIÇÃO E A MODERNIDADE


 

Neste artigo, gostaria de explorar o mistério por detrás da noção de Beleza, no coração da nossa prática do Rito Escocês Antigo e Aceito. O que é que ela significa? Que mensagem traz consigo? De onde é que vem? O que é que as pessoas fizeram com ela, desde os primórdios da nossa civilização até aos tempos modernos? E olhando para o futuro, o que é que ele anuncia? É sobre estas questões que vou tentar lançar alguma luz.

BELEZA NO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO (REAA)

O Rito Escocês Antigo e Aceito introduz a noção de Beleza nas nossas vestes de primeiro grau de duas formas. Por um lado, ela aparece na abertura do rito, quando uma chama é acesa no terceiro pilar, após os dois primeiros valores fundamentais da nossa tradição: Sabedoria e Força.

Por outro lado, aparece em primeiro lugar no momento da iniciação, quando o neófito solicita o acesso à luz ao segundo Vigilante. Não vale a pena colocar a questão, como a da galinha ou do ovo, para decidir quem tem a preeminência do processo, o rito ou a iniciação? Uma pergunta inútil e sem resposta!

 O rito segue uma lógica imparável que começa com a Sabedoria, ou seja, uma intenção bem pensada de construir um edifício: “Que a sabedoria presida à construção do nosso edifício! A construção exige depois a mobilização de energias físicas, ou seja, a Força, para lhe dar a sua dimensão concreta e a sua solidez: “Que a Força a sustente! Finalmente, a terceira qualidade em termos de aparência: “Que a Beleza a adorne”. Por outras palavras, a Beleza implica muito mais do que uma aparência agradável, porque a Beleza, a um nível superior e invisível, contribui para a harmonia e o prazer de viver num determinado lugar.

Se considerarmos primeiro o processo de iniciação maçônica, a Beleza é, de fato, o primeiro dom da transmissão maçônica. Para o compreender, é preciso recuar um pouco e considerar o significado profundo desta cerimónia, desde o tempo que passamos no estudo até ao momento em que retiramos o véu: aprendemos que estamos a reencenar a nossa vida com vista a um segundo nascimento, de acordo com as etapas consagradas: o tempo passado no ventre materno, a vinda ao mundo, depois o tempo da infância, que sugere beleza, o da idade adulta, ao qual está ligada a noção de força, e finalmente a idade madura, que vem com a sabedoria. Este é o padrão fundamental da iniciação, em que a primeira “viagem”, no templo, dá pleno sentido à Beleza, em ligação com a primeira fase da vida, ou seja, a juventude.

A BELEZA E O SAGRADO

Dito isto, vamos olhar historicamente para a noção de Beleza a partir de uma perspectiva iniciática, e perguntar-nos o que é que as pessoas do nosso tempo fizeram com a Beleza. A tradição judaico-cristã, na qual nos encontramos, baseia-se em duas culturas, a grega e a judaica. A primeira, através da expansão romana, moldou toda a Europa até aos primeiros séculos da nossa era, que evoluiu gradualmente sob a influência do cristianismo, sem, no entanto, renunciar aos seus valores fundamentais, como a sua relação com a imagem.

Como sabemos, a cultura grega valorizava a beleza através da imagem do corpo humano, mas também do rosto, cuja memória herdámos na estatuária e na pintura. As Igrejas Católica e Ortodoxa conservaram esta tradição de representação da figura humana desde os primeiros tempos da sua história, por razões de valorização da criação divina e de educação espiritual.

A idade de ouro da expressão da beleza no contexto do sagrado foi certamente o período que vai do fim da Idade Média ao Renascimento, em que se assistiu à construção de catedrais ricamente ilustradas e, depois, à arte da pintura e da escultura, em que surgiram grandes artistas, sobretudo em Itália, entre os quais Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci. O Judaísmo, baseado no mandamento bíblico (Êxodo 20.4), diz

“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”.

O protestantismo, que se baseia no mesmo argumento, adopta a mesma posição de boa-fé. Ele se passa com a Maçonaria que, por razões históricas (lembremo-nos do papel do Pastor Anderson), se inscreve nesta tradição e recusa, por isso, qualquer representação nos seus templos (há por vezes excepções, como pude constatar!). No entanto, a noção de Beleza está claramente presente como um dos três pilares da Maçonaria, tal como no Judaísmo.

Dois exemplos: a presença de tipheret no coração da árvore das sephirot, na Cabala, a tradição esotérica do judaísmo. Há também o elogio da Beleza do Amado no Cântico dos Cânticos. Por extensão, perguntemos então: e nos Evangelhos? Jesus era sensível à beleza? E de que forma? Para além de um interesse notável pela sensualidade por parte das personagens femininas do testemunho de João (a samaritana, a mulher adúltera, Maria Madalena), uma frase relatada por Mateus introduz realmente a noção de beleza na boca de Jesus, quando diz:

“Não te preocupes com o que vais vestir! Olhai para os lírios do campo… Salomão não estava vestido de forma mais esplêndida…”

(MT 6,29)

É esta última palavra que nos diz que a beleza faz parte do sagrado a que devemos estar atentos…

A BELEZA NA ÉPOCA ATUAL

Terá sido com plena consciência desta ideia que Dostoievski fez com que o Príncipe Muishkin, a personagem central de O Idiota, dissesse a conhecida frase: “A beleza salvará o mundo! “O romance foi publicado em 1869, apenas cinquenta anos antes dos horrores indescritíveis da Revolução Bolchevique.

De fato, a expressão da beleza foi atacada muito antes, na era moderna. Durante o Terror, os revolucionários franceses destruíram a marteladas o que era suficientemente bom para eles nos edifícios religiosos. E não é descabido dizer que grupos de jovens foram sacrificados em várias ocasiões durante o século XIX.

Na sua inspiração poética, Arthur Rimbaud escreveu este célebre verso de Uma Estação no Inferno: “Uma noite, sentei a Bela sobre os meus joelhos, achei-a amarga e injuriei-a...”. A negação do sagrado e, por conseguinte, da beleza, atingiu o seu auge com a guerra de 1914-18, que, do lado francês, registou 1,3 milhões de mortos e inúmeros rostos partidos.

Foi também a época do nascimento do movimento surrealista e da “arte moderna” que, como novas expressões artísticas, abandonaram toda a pretensão de servir a Beleza, segundo as concepções anteriores. André Breton, apelidado de “Papa do Surrealismo”, terminava Nadja, o romance de charme do seu tempo, com esta frase perfeitamente transgressora em letra grande: “A beleza será frenética, ou não será! Pois foi esta a questão que atravessou todo o século XX, até aos nossos dias: como exprimir a necessidade de beleza?

A resposta está à vista de todos: a beleza exprime-se em realizações tecnológicas quotidianas, uma caçarola como um automóvel, ou a beleza é sobrevalorizada através do corpo humano, feminino ou masculino, dos modelos e de outros portadores da sua imagem… ou ainda através de realizações complexas, no teatro ou no cinema, em que a forma se sobrepõe ao conteúdo, quando este existe…

Mas se entrarmos num museu de arte contemporânea – e não fui eu que escrevi isto – não encontraremos um único rosto sorridente, nem uma única figura que exprima serenidade e confiança no mundo, apenas rostos carrancudos e imagens de desconstrução…

Sem cair na retórica reacionária dos que se mantêm apegados ao passado, é preciso dizer que a pintura clássica, de que a Mona Lisa é talvez a expressão mais bem conseguida, estava consciente da ideia de Beleza e do seu altíssimo valor espiritual. Para os adeptos da religião ortodoxa, esta exigência continua viva na mensagem dos ícones, portadores de uma dimensão de interioridade e de espiritualidade que se reflete em quem os venera.

CONCLUSÃO

Refletir sobre a noção de beleza significa perguntar por que é que a verdadeira beleza é essencial para os seres humanos, seja qual for a época. Porque é que a beleza falsa, vistosa e convencional não nos satisfaz durante mais do que algumas horas ou semanas?

A resposta é necessariamente iniciática e faz parte da nossa busca. O que procuras quando te juntas à Maçonaria?

Verdade e Luz! Por conseguinte, os três pilares do nosso Templo: Sabedoria, Força e Beleza, que constituem os nossos fundamentos, representam num único movimento as três aspirações à liberdade em que a humanidade procura a sua salvação, até ao último sacrifício: a Sabedoria abre a porta à liberdade de pensar e de defender a sua fé, a Força evoca as forças da vida em todas as suas formas, e a Beleza a admiração pela Criação.

Pelo contrário, nos países dominados pelas falsas verdades, pela brutalidade institucional e pela fealdade generalizada, a vida humana só pode ser degradada e destruída…

É por isso que Dostoievski, com a sua espantosa intuição profética, fez com que a personagem de O Idiota proferisse uma frase que gosto de repetir: “A beleza salvará o mundo!

Christian Belloc

Tradução de António Jorge, M M

 

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