DESBASTE DA PEDRA BRUTA


É difícil o obreiro esconder a emoção, a alegria e a satisfação que exterioriza todas as vezes que se dirige a tribuna da sua Loja para apresentar aos demais irmãos alguma peça de arquitetura; pois, para o maçom, ao ocupar tal lugar, simboliza o resultado do “desbaste” constante que o mesmo faz em busca de sua evolução interior, em busca de sua espiritualização.

Este talvez seja para mim um dos instantes mais importantes e gratificantes desta minha curta e inicial carreira maçônica, pois é nesta peça de arquitetura que ora vos exponho, onde eu procuro resumir todo o resultado de um árduo trabalho, que, desde o dia da minha iniciação nos mistérios da arte real até este momento, tentei com todas as minhas forças, me espiritualizar, desbastando as arestas desta minha pedra bruta.

Nas minhas meditações sempre agradeço ao Grande Arquiteto do Universo por me ter feito livre e de bons costumes, dotado de inteligência e raciocínio e por ser um dos escolhidos para fazer parte desta tão seleta irmandade, dando-me sabedoria, força e coragem para prosseguir nesta tão árdua caminhada.

De coração agradeço também a todos os meus irmãos que, de sessão a sessão, compartilharam comigo esta minha tentativa de “desbaste”, mostrando-se dedicados e tolerantes, sempre dispostos a me instruir, todas as vezes que os solicitei.

Relembrando aquele mágico dia da minha iniciação, ao passar pela câmara de reflexão e deixar minha antiga vida profana definitivamente sepultada naquele lugar, concluí que esta minha iniciação, ao invés de me propiciar privilégios ou distinções, tinha me presenteado com um “fardo” pesado, recebendo como prêmio uma pedra bruta áspera e cheia de arestas para desbastar, e esta pedra eu não teria que carregá-la apenas dentro da Loja, mas em todo lugar, a todo tempo e em todas as circunstâncias de minha vida.

Mas, apesar de tudo estava feliz e sabia que só dependia de mim para tentar realizar tal tarefa, pois naquele momento, além de ser proclamado Aprendiz-Maçom membro desta Loja Simbólica e já estar revestido com este avental, tinha a minha disposição, por todo o resto de meus dias, os instrumentos empregados para este “desbaste”, os instrumentos deste meu importante Grau de Aprendiz.

Tinha consciência que esta minha pedra bruta tinha que ser “desbastada” com todo o cuidado para não ser quebrada e que as primeiras arestas eram as mais difíceis a caírem por terra, exigindo de mim um maior esforço, para que um dia pudesse ter esta minha obra, além de acabada, embelezada. Sabia também que no início iria titubear bastante e sentir-se muito confuso neste meu trabalho, necessitando freqüentemente da ajuda e orientações dos meus Mestres, até conseguir desempenhar esta minha tarefa sozinho e assim candidatar-me a um aumento de salário. 

Neste pouco tempo que abrilhantei a coluna do norte, sob a responsabilidade do Irmão 1º Vigilante, procurei a todo instante retirar as minhas asperezas, agindo na maioria das vezes com o coração, sempre comandado pela minha mente. Trabalhei incessantemente, honrando este meu branco avental e procurando sempre usar com inteligência e sabedoria os instrumentos que tinha à mão. 

Reconheço que por várias vezes fui imprudente ao usar o maço, não sendo sábio ao aplicar a inteligência sobre a minha vontade, golpeando o cinzel com força excessiva, a ponto de ferir esta minha pedra de modo inconveniente, chegando a ponto de deformá-la. Humildemente, também reconheço que por outras vezes fui impulsivo e intolerante, também se esquecendo de usar corretamente estes instrumentos, agindo pela emoção sem fazer uso da razão, tornando-me arrogante, desprezando uma virtude tão bela quanto é a humildade. 

Mas, meus irmãos! Como eu já referi anteriormente, estes primeiros fragmentos, estas primeiras arestas, são as mais difíceis de desbastar, pois nossas paixões materiais ainda não totalmente extintas fazem com que a matéria continue a prender o nosso espírito. Diante disto, nesta luta um tanto árdua, encetada com a finalidade de triunfar sobre minhas imperfeições mais evidentes, procurei vencer a mim mesmo e desfraldar a bandeira de minha evolução interior. Sem perder de vista aquele tosco e áspero pedaço de granito e propenso a diminuir cada vez mais a minha imperfeição me propus a descobrir, de uma vez por todas, meus defeitos, fraquezas, deslizes e vaidades, identificando-me, então, com o período de lapidação da minha personalidade. 

Procurei melhor me adaptar aos costumes observados nos meus irmãos de instituição, tentando tornar-me mais puro e mais apto para defender a felicidade do gênero humano. Uma vez ajustado à índole da simbologia deste meu Grau de Aprendiz, passei a ser leal para com as doutrinas da ordem, pensando tão-somente em construir o poder do meu próprio caráter, que outra coisa não é senão a base fundamental do templo moral desta minha existência.

Então meus irmãos! Com a minha constante tentativa de desbaste, cada vício, defeito ou falha que procurava extinguir de mim, simbolicamente traduzia-se como sendo uma aresta que tombava desta minha pedra bruta.

Tenho consciência que ainda falta muito para tornar-me polido, mas sou convicto em dizer que, neste pouco tempo que tento desvendar os mistérios da Arte Real, minha vida mudou; mudou desde aquele dia que pela primeira vez fui conduzido a este templo, totalmente inocente e cheio de sonhos, para iniciar nos mistérios desta tão sagrada instituição.

Hoje vejo uma mudança considerável da minha personalidade; tornei-me mais refinado no tratamento com o meu semelhante, transformando-me numa pessoa mais compreensiva, mais tolerante e principalmente, mais humilde.

Tento fazer uma comparação de mim, neste momento e naquele dia, que, ainda amedrontado e cheio de pensamentos profanos, fui colocado pela primeira vez nesta coluna; alegro-me, sentindo-me gratificado por ter a certeza que esta pedra que hoje vos fala não é a mesma que aqui foi colocada naquela ocasião.

Sei que ainda não sou merecedor ou digno para escalar este tão importante segundo degrau desta infinita escada que é a maçonaria; mas, se isto vier a acontecer, deixarei só de ostentar o título de pedra bruta, mas continuarei desbastando as arestas desta minha pedra, tendo a certeza que para conseguir evoluir nesta infinita pirâmide, terei sempre que recorrer aos velhos instrumentos deste meu importante Grau de Aprendiz.

Meus caros irmãos! Vocês devem ter notado a dose de sentimentalismo que sempre caracteriza os meus depoimentos. Mas, meus irmãos, eu sou assim mesmo! Confesso que sou um sentimental e me emociono facilmente, especialmente quando se trata de alguma coisa que amo e que em pouco tempo fez mudar completamente minha vida.
Cada vez que mais me aprofundo na leitura e nos ensinamentos filosóficos e esotéricos da Arte Real, mais me sinto atraído pelos mistérios desta tão sublime Ordem. 

Enfim, meus irmãos! Quando lhes dirijo a palavra para expressar-lhes os meus sentimentos, sempre coloco o meu coração na frente destas palavras, seguindo o que um dia me propus ao entrar para esta instituição quando desnudei o lado esquerdo do meu peito.

Sou sincero em dizer-lhes que me sinto feliz por hoje fazer parte desta sublime irmandade e por aqui ter encontrado uma verdadeira família; sinto-me agradecido por ter irmãos que um dia me deram forças, me estimularam e acreditaram que eu reunia condições para estar aqui; sinto-me importante por amar este grau que vivo neste momento e mesmo que um dia consiga atingir a plenitude dos graus desta instituição, sempre lembra-rei com carinho deste belíssimo Grau de Aprendiz-Maçom; sempre lembrarei com saudades do tempo que trabalhava no topo da coluna do norte, usando este branco avental com sua abeta voltada para cima.

Que o Grande Arquiteto do Universo com sua infinita sabedoria ilumine e guarde a todos.
Gilson Carvalho Barbalho 


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