QUER SER MAÇOM?


Isso mesmo! Estão perguntando se você quer ser maçom (com "n", sendo que os dicionários brasileiros registram maçom com "m" no final).

Bela maneira de começar 2016... e aqui vou eu de novo, para a alegria de muitos e desespero de alguns. Não que eu queira mudar o mundo, pois já me convenceram de que o mundo vai muito bem do jeito que está.

Todavia não posso ficar calado diante desta obra-prima do humor brasileiro! Vejam as fotos que encontrei no facebook ˗ uma requintada patuscada que desfila pelas ruas de importante metrópole brasileira, fazendo propaganda de mais uma "maçonaria", com telefone de contato, whatsApp e tudo mais.

Recebi essa pérola com diversos panfletos que apregoam o seguinte: · "Segredos jamais revelados - Loja Maçônica do Rei Salomão, parcele em até 10 vezes no cartão... · "Inclusos paramentos maçônicos + brindes... · "Estude e prepare-se para um novo mundo... · "Compre hoje mesmo seu kit... · "Conteúdo oficial top secret... · "Não seja refém das Lojas que cobram no mínimo R$ 2.000,00 por cada grau..." E por aí afora.

Quanto ao kit anunciado, ("compre hoje mesmo seu kit") quero crer que os iniciados nessa "maçonaria" recebem, junto com os segredos, paramentos, e brindes o kit (quitte) placet, o que já nos poupa de maiores aborrecimentos. Mas nem tudo está perdido.

A propaganda tem um ponto positivo e muito louvável quando afirmam: "estude e prepare-se para um novo mundo..." DE UMA COISA ESSES PROFANOS SABEM: maçonaria exige ESTUDO e preparação PARA UM NOVO MUNDO! Bingo!!! Conversei no facebook com os Irmãos que denunciaram essas fotos. Eles estavam indignados.

Eu já estou acostumado e acho é graça, ainda mais agora, quando são os profanos a descobrirem que para se descortinar um mundo novo através da Maçonaria é necessário ESTUDAR! Ganhei meu dia! ˗ já não posso mais ser considerado um implicante diante do ridículo de tudo isso.

Quando teve início a chamada Maçonaria "moderna", em 1717, na Inglaterra, as Lojas se reuniam nas tabernas (melhor dizendo, em botequins) e, uma vez organizada a Grand Lodge of England, predominaram sobre os pedreiros (operativos) uma nova classe de maçons ˗ os especulativos, entre eles membros da Royal Society, notadamente Christopher Wren, Robert Moray, John Wilkins, Robert Boyle, Alexander Bruce, Elias Ashmole e outras celebridades.

A palavra "especulativo" vem do verbo "especular" [estudo teórico, baseado predominantemente no raciocínio abstrato] ˗ e, já que hoje são tantos os latinistas na Maçonaria, a origem é 'specularis', segunda pessoa do singular do verbo 'speculor'. 

A palavra 'speculum' = o espelho, é (?) daquele indivíduo que tem o hábito de questionar muito, que investiga, estuda, raciocina, que reflete como um espelho, para si e para os outros.

Não preciso dizer mais nada sobre o porquê de os estudiosos incomodarem tanto. 

Desde sua fundação, a Maçonaria caminhou das tabernas para os estudos 
acadêmicos. Do início do Século XX até os dias de hoje ela faz o caminho inverso. 

Foi por causa desse descuido e dos evidentes exageros (pois nada há de mau ou um copo de cerveja) que o caráter iniciático da Maçonaria foi se perdendo e sendo banalizado.

James Anderson, atento às masmorras do vício, foi taxativo nas Constituições: "Poderão os Irmãos regozijar-se com alegria inocente, mas evitando-se todo e qualquer excesso, ou forçando qualquer Irmão a comer ou beber além de sua inclinação; ou impedindo-o de retornar ao lar ou trabalho quando suas obrigações o chamarem (...) Os Irmãos deverão ser cautelosos com palavras e atitudes, pois os mais perspicazes estranhos são capazes de descobrir ou perceber particularidades nossas que não devem ser reveladas".

 É preciso ser mais claro? Se passados trezentos anos dessas advertências os maçons ainda derrapam em tais observâncias, que futuro nos espera? Recente artigo que circula na web aponta como os principais problemas das Lojas a deserção e a baixa frequência de seus membros.

Mas esse assunto permanece como eterno tabu: existe, mas não pode ser examinado à luz da razão nem discutido com liberdade e isenção. Os interesses que predominam na Maçonaria mascaram a escolha errada de candidatos; e as sindicâncias são feitas para agradarem aos padrinhos; as Iniciações são mal feitas e ˗ diz o texto ˗ a "pobreza didática dos instrutores pela falta de leitura dos clássicos maçônicos".

Mas o cenário cor-de-rosa e as zonas de conforto e têm que ser mantidos a qualquer custo enquanto o caráter discreto e sigiloso das Lojas é degradado e descambado, após as sessões, em pândegas espalhafatosas onde predominam os faladores, os piadistas, os coscuvilheiros de sempre e outros parasitas.

O maçom mal escolhido e mal instruído falta às reuniões da Loja, mas não perde esses grotescos convescotes. Em pouco tempo deixa a Maçonaria para criar sua própria "potência". É assim que nascem as "maçonarias" que oferecem de tudo e qualquer coisa, até "um kit completo". , Se existem "novas maçonarias" vendendo conhecimento de goteira "em até 10 vezes no cartão", a responsabilidade é nossa dos maçons regulares ˗ pois permitimos que se profane o conhecimento iniciático em constantes piadinhas, na frase de reconhecimento ou telhamento cifrada em para lamas e pára-brisas da vida; nos trocadilhos pictóricos gravados em botons... e de forma imprópria a ostentação dos paramentos em público.

Acima de tudo isso, o símbolo do Esquadro com o Compasso, que transcende à análise racional, é transformado em mero "escudinho" para lapelas ou decalque para automóveis. Ou ainda, como temos visto com tristeza, em rótulo de cachaça.

Só o ESTUDO pode converter o maçom e fazê-lo reconhecer que o Esquadro e o Compasso são REALIDADES interiores; que se equivalem à Cruz com a Rosa no centro. Compasso, Cruz, Esquadro e Rosa não são marcas nem logotipos de empresas, nem sinais.

Quem estuda simbologia sabe a diferença entre símbolo, forma significado, face do signo, conceito, significância, representação mental e conteúdo(1). Como realidades interiores, os conteúdos transpessoais do Esquadro com o Compasso devem ser VENERADOS da mesma forma que os rosa-cruzes veneram a Cruz dourada sobreposta pela Rosa rubra.

Parece que nossos Irmãos do passado conheciam melhor sobre "cobertura da Ordem", pois dissimulavam, às vezes até da própria família, a existência desses detalhes em suas vidas. Mas... quem poderá contra tais obras destinadas à banalização e abjeção da Maçonaria? Se tais deslizes são inocentes entre os neófitos, eles restam impensáveis para quem atingiu o Mestrado.

Se o sentido íntimo dos Esquadros e do Compasso não conserrado num bom que atingir-lhes a alma, de que adianta serem de ouro e permanecerem nas lapelas? O mesmo se dá com a Cruz de Lorena que a maioria ostenta sem conhecer o significado e origem. Já dizia o antigo provérbio: "quem não pode com a mandinga, não carregue o patuá".

Começam nesse tipo de profanação os processos "políticos" dentro de nossas Oficinas que imitam os moldes da política profana: copiam os erros da república, repetem os enganos das monarquias e reproduzem os sussurros e mexericos dos parlamentos. Não se iludam, pois há maçons que vivem disso.

Alguns não compreendem o fato de eu reiterar determinadas questões e apontar tais equívocos. Não podem atinar com o fato de outro maçom estar "na mídia" com outro interesse que não seja o de se candidatar a alguma coisa. Contudo, volto a tranquilizar esses imediatistas: não sou candidato a nada e não vim à Maçonaria para fazer carreira. Sei bem a quem sirvo.

Evito abordar aspectos esotéricos na Maçonaria porque conheço a extensão do esoterismo, por mais de quarenta anos de estudo (condição essa que nunca alardeei e só uma meia-dúzia de íntimos conhece). Mas não posso deixar de abordar o conceito de egrégora, palavra criada a partir do grego ˗ "egregorien" ˗ que significa o somatório das forças físicas, mentais emocionais e espirituais formado numa espécie de atmosfera psíquica sobre um grupo (no sentido de velar e zelar). 

A dessacralização da Maçonaria aconteceu na egrégora, e este é o tamanho do problema (2).

A egrégora abarca o conjunto dos atos, fatos físicos e mentais desenvolvidos por uma congregação de pessoas no tempo e no espaço.

Por exemplo: um time de futebol ˗ assunto que todo mundo entende e gosta ˗ tem "sua egrégora" construída pelos jogadores, pela torcida organizada, pelo técnico e seus auxiliares, a diretoria do clube, a sede física, as cores do uniforme, o noticiário, a liderança do capitão do time, a história do clube, a memória dos grandes nomes e jogadores que passaram pelo time, etc.

Quanto mais unidos e solidificados forem cada um desses elementos, mas forte será a egrégora. As religiões, especialmente a Católica Romana, têm cada uma, sua própria egrégora e, quanto mais antigas e coesas, maior ação têm sobre seus seguidores, coletiva e individualmente.

A religiões africanas também são muito fortes nesse sentido, ao ponto de garantirem a sobrevivência dos povos escravizados nos continentes americanos por mais de duzentos anos. As famílias têm egrégoras, mais fortes ou mais fracas, assim como cada povo, cidade e nação.

Entretanto, da mesma forma que a egrégora tem poder sobre os membros do grupo, esses haurem benefícios físicos e mentais dessa atmosfera coletiva e enviam de volta para ela suas idiossincrasias. É um delicado e perigoso caminho de mão-dupla.

Vivemos às vésperas de um novo estado de alienação decorrente desse intercâmbio psicossomático.

O fato que deu origem a este artigo ˗ um carro a desfilar pelas ruas fazendo propaganda de mais uma "maçonaria" ˗ é o resultado dessa perda do Sagrado em nosso próprio meio. Poderemos nos transformar noutra coisa se permanecermos negligenciando o sentido oculto das Iniciações e dos rituais.

Independente dos anos passados na Maçonaria, muitos não se deram conta de que a Loja propicia ao indivíduo a experiência de um relacionamento repleto de significado e com categorias mentais de natureza transpessoal. Se a egrégora se encontra numa condição estável, os indivíduos compartilham de um "sentido vivo" e comum. Caso contrário, a Maçonaria permanece apenas um rótulo, um botom ou um decalque exterior.

Quando a egrégora entra numa condição instável, cada personalidade desenvolve seu próprio processo: uns se voltam para convicções mais primitivas e arraigadas (religiosas, supersticiosas ou mágicas); outros tornam-se alienados, isto é  transferem sua capacidade de pensar e julgar para o chefe ou líder do grupo, exatamente nas organizações criadas para libertar o homem dessas amarras.

Na ausência da coesão nascida nas bases, surge o terreno propício para os egos inflados cujos diques da mente foram cruelmente arrombados pelo poder tempestuoso da egrégora adulterada (3).

Toda problemática das atuais instituições iniciáticas consiste, paradoxalmente, em escolher entre o momentâneo e o perene. Adaptam-se à "modernidade" pela mutilação de suas estruturas e a desintegração começa a acontecer.

O processo é lento e praticamente imperceptível. Durante essa dissolvência, é cômodo para as mentes passivas continuarem na esperança, desejando e sonhando, infladas de um poder que já não possuem. Vamos aproveitar o início de um novo ano para repensarmos o que estamos fazendo aqui e agora.

É um ano que promete ser difícil, pois o Brasil atravessa uma crise econômica, social, política e cultural. Mas é exatamente nesses momentos que acontece a oportunidade de rompermos velhos paradigmas.

 A Maçonaria é grande, "grande é o espírito da Maçonaria, ˗ e contamos com excelentes maçons em nossas Lojas capazes de reverter as atuais expectativas. "Quem sabe, faz a hora; não espera acontecer".

(1) A este propósito, consultar Ferdinand de Saussure (1857 - 1913) linguista e filósofo suíço.
(2) Não confundir egrégora com inconsciente coletivo.
(3) Refiro-me aqui ao conceito da psicologia analítica de C.G.Jung e recomendo a leitura de "Ego e Arquétipo" de Edward F. Edinger (Editora Cultrix, esgotado ˗ porém existe em e-book na internet).

Por Ir.’. José Maurício Guimarães

O Irmão José Maurício Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Corona, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à Grande Loja Maçônica de Minas Gerais

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