Quem passa em Hill Street junto à porta nº 19, não deixa de
reparar no invulgar do seu aspecto, desde as colunas jônicas laterais até um
misterioso emblema gravado por cima da entrada, que tem sido motivo das mais
desencontradas leituras por aqueles que desconhecem estar diante da Mary’s
Chapel nº 1 de Edimburgo, a mais antiga Loja Maçônica ativa do Mundo.
Este emblema esculpido em pedra sobre a entrada principal
portando a data 1893, nasceu de um projeto apresentado pelo Venerável Mestre
Dr. Dickson no Lyric Club em 6 de Outubro desse ano e que se destinava a ser
colocada aqui. Consiste num hexalfa dentro de um círculo tendo ao centro a
letra G resplandecente.
O hexalfa ou estrela de seis pontas com dois triângulos opostos
entrelaçados circunscrito pelo círculo designa a Harmonia Universal, a Alma
Universal alentada pelo G raiado indicativo de Geômetra, o Grande Arquiteto do
Universo, portanto, God ou Deus, que como Espírito (triângulo vertido) elabora
a Matéria (triângulo vertido), ambos os princípios não prescindido um do outro
(triângulos entrelaçados) para que a Grande Obra do Universo (a sua evolução e
expansão incluindo todos os seres viventes dele) seja justa e perfeita, o que
se assinala no círculo.
Em linguagem Maçônica, isso quer dizer que os trabalhos de Loja
possuem retidão e ordem. Em linguagem hermética ou segundo os princípios de
Hermes, o Trismegisto, significa “o que está em cima é como o que está em
baixo, e vice-versa, para a realização da Grande Obra”.
Neste emblema aparecem também muitas marcas em forma de runas
pictas (isto é, a dos primitivos habitantes da Escócia, os pictos, que
estabeleceram o seu próprio reino) e símbolos de graus maçônicos que vêm a
designar em cifra, correspondendo à marca Maçônica pessoal, os nomes dos
Oficiais da Grande Loja da Escócia e da Loja de Edimburgo nesse ano de 1893 da
qual esta Loja de Mary´s Chapel faz parte como número 1.
Com efeito, entre os triângulos e o círculo aparece a sigla LEMC
nº1, “Loja (de) Edimburgo Mary´s Chapel nº 1”, e dentro dos triângulos 12
símbolos correspondentes aos 12 Oficiais desta Loja, enquanto os 4 símbolos
fora do círculo designam os 4 Oficiais da Grande Loja presentes quando se
aprovou esta peça artística. Como exemplo único evitando indiscrições,
repara-se no H com o Sol Levante por cima: é a marca pessoal de George Dickson,
Venerável Mestre desta Loja de Edimburgo em 1893.
Leva a designação atual de Loja de Edimburgo porque Mary´s
Chapel (Capela de Maria), onde a Loja funcionou originalmente, não existe mais.
Ela foi fundada e consagrada à Virgem Maria, no centro de
Niddry´s Wynd, por Elizabeth, condessa de Ross (Escócia), em 31 de Dezembro de
1504, sendo confirmada por Carta do rei James IV em 1 de Janeiro de 1505. A
capela foi demolida em 1787 para a construção de uma ponte no sul da cidade.
Esta Loja é a número 1 na lista da Grande Loja da Escócia
(estabelecida em 30 de Novembro de 1736) por lhe ser muito anterior possuindo a
ata de uma sessão Maçônica datada de 31 de Julho de 1599, constituindo o
documento maçônico mais antigo do mundo e num tempo de transição entre a
Maçonaria Operativa e a Maçonaria Especulativa, posto a existência de esta
Ordem poder repartir-se por três períodos distintos:
Maçonaria Primitiva (terminada com os colégios de artífices
romanos, os Collegia Fabrorum);
Maçonaria Operativa (terminada em 1523);
Maçonaria Especulativa (iniciada em 1717).
Por este motivo, foi nesta Loja de Mary´s Chapel que William
Shaw (c. 1550-1602), Mestre de Obra do James VI da Escócia e Vigilante Geral do
Ofício de Construtor, apresentou os seus famosos Estatutos Shaw datados de 28
de Dezembro de 1598, apercebendo-se pelo texto que ele além de pretender
regular sob sanções a Arte Real dos artífices, procurava estabelecer uma
separação entre os maçons operativos e os cowan, isto é, profanos.
O fato de aqui se redigir uma ata Maçônica em 1599, pressupõe
que a Loja é anterior a esse ano e estaria organizada e ativa desde data
desconhecida.
Seja como for, esta também foi a primeira Loja Maçônica antes de
1717 a admitir membros que não fossem construtores: Sir Thomas Boswell,
Escudeiro de Auschinleck, Escócia, foi nomeado Inspetor de Loja em 1600, o que
constitui a primeira informação relativa a um elemento não profissional
recebido em Loja de Construtores Livres.
Outros autores dão o nome como John Boswell, Lord de
Auschinleck, admitido como Maçom aceito nesta Loja. Este John Boswell é antecessor
de James Boswell, que foi Delegado do Grão-Mestre da Escócia entre 1776 e 1778.
As atas de 1641 desta Loja Mary´s Chapel igualmente indicam que
maçons especulativos foram iniciados nela. Nesse ano foram iniciados Robert
Moray (1609-1673), general do Exército Escocês e filósofo naturalista, Henry
Mainwaring (1587-1653), coronel do Exército Escocês, e Elias Ashmole
(1617-1692), sábio astrólogo e alquimista.
Reconheceu-se aos três novos membros o título de maçons, mas
como não gozavam dos privilégios dos autênticos obreiros, pois o cargo era
somente honorário, foram denominados como accepted masons.
Ainda sobre Robert Moray, Roger Dache, do Institut Maçonnique de
France, informa que quando da sua iniciação Moray recebeu como marca Maçônica
pessoal o pentagrama ou estrela de cinco pontas, muito comum na tradição dos
antigos construtores, com a qual se identificou bastante e a utilizou nas
assinaturas de diversos documentos.
Ainda sobre Elias Ashmole, G. Findel, na sua História da
Maçonaria, diz que há uma confusão nas datas sobre a sua iniciação Maçônica:
Ashmole terá sido iniciado em 16 de Outubro de 1646 numa Loja de Warrington,
Inglaterra, mas o fato é que o próprio escreve no seu Diário ter sido iniciado
em Edimburgo em oito de Junho de 1641.
Em 1720, o artista italiano Giovanni Francesco Barbieri
apresentou na Loja Mary´s Chapel um trabalho lavrado, reproduzindo com muita
fidelidade a Lenda de Hiram, ou seja, o fenício Hiram Abiff que era o chefe dos
construtores do primitivo Templo de Salomão, em Jerusalém. Sabendo-se que esta
Lenda foi incorporada ao ritualismo maçônico, cerca de 1725, conjectura-se que
Giovanni possa ter sido um dos maçons aceites da época e que a Lenda já era
parte da ritualística Maçônica em Mary´s Chapel desde muito antes.
Há ainda o registro da visita de Jean-Theophile Désaguliers
(1683-1744) à Loja Mary´s Chapel em 1721, visita estranha do filósofo francês
Vice-Grão-Mestre (em 1723 e 1725) da recém-formada Grande Loja de Inglaterra.
Os maçons escoceses duvidaram do seu estatuto e sujeitaram-no a
rigoroso inquérito em 24 de Agosto de 1721, até finalmente acreditarem nele e
aceitarem-no com as regalias do cargo. Seja como for, não parece que as
pretensões de Désaguliers tenham obtido o êxito que procurava, talvez por
motivos de recusa de sujeição dos maçons escoceses aos maçons ingleses, o que
recambia para a antiga questão independentista.
Foram ainda iniciados nesta Loja de Edimburgo o príncipe de
Gales, depois rei Eduardo VII (1841-1910), e o rei Eduardo VIII (1894-1972),
que abdicaria do trono britânico para poder casar com a americana Bessie Wallis
Warfield.
A caneta com que assinaram o documento da sua iniciação é
conservada no museu desta Loja, que o visitante pode ver entre outros objetos
relacionados com a longa história dos maçons de Mary´s Chapel.
Aqui fica, em síntese simplificada para o leitor não
familiarizado com estes assuntos, a história da Lodge of Edinburgh nº 1 (Mary´s
Chapel), aliás, desconhecida de muitos maçons apesar de ser a mais antiga da
Escócia e do Mundo.
Vitor Manoel Adrião