Nem a
alma, princípio dos fenômenos da vida e do pensamento, nem a matéria, princípio
dos fenômenos sensíveis, bastam para se explicar a si próprias.
Por
isso mesmo, ambas devem a sua existência a um outro ser. Conhecer este ser
pré-existente, razão última de toda a existência, é conhecer a unidade absoluta
a que chamamos Deus.
A Teodiceia é a ciência que estuda a existência
de Deus, única e exclusivamente à luz da razão. Ela se distingue da Teologia,
que se ocupa de Deus com o auxílio da razão, esclarecida pela fé.
Segundo a Teodiceia, Deus é o ser absoluto,
existente por si mesmo e independente de qualquer outro ser; é o ser perfeito
que contém em si a plenitude de todas as outras perfeições, o alfa e o ômega de
toda a existência.
A
EXISTÊNCIA DE DEUS
Será necessário, e será possível demonstrar a
existência de Deus? Duas classes de filósofos pretendem que esta verdade á
absolutamente indemonstrável: uns por a considerarem demasiado evidente, e
outros por achá-la demasiado elevada.
Os ontologistas e os partidários da evidência
imediata afirmam que, sendo Deus o ser primeiro, Ele é também a primeira de
todas as verdades e o primeiro de todos os princípios. Assim sendo, a sua
existência é evidente por si mesma e, como conseqüência, é impossível
demonstrá-la.
Segundo estes filósofos, Deus é a primeira
verdade e o princípio de todo o ser existente. Por outro lado, à luz da razão,
esta verdade necessita ser conhecida e racionalmente demonstrada. Esta demonstração,
à luz da razão humana, inexiste para os positivistas, que afirmam que esta
questão é racionalmente impossível, porque o ser que é objeto de hipótese ou de
esperanças não pode ter uma certeza científica.
Segundo Pascal, o ser humano é incapaz de conhecer
o que é Deus e por isso não pode afirmar que ele existe. Por sua vez, Kant
afirma que a existência de Deus é um postulado da lei moral, e o dever de
observar esta lei nos obriga a crer na existência de Deus; mas não podemos
demonstrar esta verdade.
Para a grande maioria dos filósofos que viveram
ao longo dos séculos, a razão humana tem, ao mesmo tempo, a necessidade e a
possibilidade de demonstrar a existência de Deus.
As provas da
existência de Deus são de três tipos: provas físicas, morais e metafísicas.
As provas físicas se baseiam na natureza. Pode-se considerar no mundo externo a
sua existência real, os movimentos ou mudanças nele produzidos e também a ordem
que nele existe. Daí se originam as três provas físicas da existência de Deus:
1. A prova baseada na
existência do universo.
2. A prova fundada no movimento, no
primeiro motor.
3. A prova originada na ordem do
universo, ou prova das causas finais.
A EXISTÊNCIA DO UNIVERSO PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS
O universo se compõe de seres que existem, mas que poderiam também não existir.
Logo, estes seres não têm em si próprios a razão da sua existência. Se todo o
ser existente tem a sua razão para existir, e se não a tem por si mesmo, tem-na
em outro ser do qual recebe a sua existência, Deus.
Segundo os panteístas,
este ser primeiro não é Deus; é o próprio universo, considerado como ser único,
infinito, tão perfeito ou imperfeito como o é cada uma das suas partes, mas que
possui o poder de se aperfeiçoar com toda a sua independência.
Kant, o dekantado filósofo da Crítica da Razão Pura, refuta todas as provas
físicas da existência de Deus, afirmando que nenhuma desta provas tem valor por
não serem demonstráveis pela razão, mas tão somente são admissíveis como
postulado da lei moral.
Na realidade, o universo, no seu conjunto, é apenas uma soma de seres ordenados
entre si, numa série continua ou circular, onde cada ser conseqüente tem as
características do seu antecedente, mas todos são distintos uns dos outros e,
como conseqüência, a sua existência exige uma causa primeira, distinta do
próprio universo. E esta causa é Deus.
O MOVIMENTO PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS
O argumento do primeiro motor,
formulado pela primeira vez por Anaxágoras (500-428 a.C), foi retomado por
Platão no Livro das Leis, e foi desenvolvido por Aristóteles no XII Livro da
sua Metafísica. Este argumento recebeu a sua forma perfeita e definitiva dos
escolásticos, sobretudo de S.Tomás de Aquino.
Segundo Aristóteles, o movimento, entendido no
sentido mais geral e metafísico, pode ser definido como “a passagem da potência
ao ato”. Sabe-se que é princípio básico que nada pode passar da inércia para a
ação senão através de uma causa inicial: “A água, só se aquece pela ação do
fogo, que possui a energia calórica”; do mesmo modo, “o ignorante só se torna
sábio pelo ensino do que, ou de quem, está de posse da ciência”. E esta causa
somente pode ser encontrada no ser que se move sem ser movido, Deus.
O movimento físico, que é diferente do movimento
metafísico, também constitui uma prova da existência de Deus. Se admitíssemos,
como Descartes, a inércia absoluta da matéria, considerá-la totalmente passiva
e somente capaz de transmitir um impulso recebido, ainda assim, como o
movimento físico da matéria existe, ele provém do movimento metafísico, isto é,
da ação da vontade, que por meio desta se reduz ao primeiro motor, Deus.
A ORDEM
DO UNIVERSO PROVA A EXISTÊNCIA DE DEUS
Este argumento ou prova remonta à mais alta
antiguidade. Podemos seguir-lhe os vestígios, desde Bossuet até Platão e
Sócrates, que o recebeu de Anaxágoras. Deste último disse Aristóteles: “Quando
um homem veio dizer que havia na natureza uma inteligência, causa da disposição
e da ordem do universo, pareceu que só este homem tinha conservado a razão, no
meio das loucuras de seus predecessores”. O próprio Irmão Voltaire levava este
princípio em consideração:
L’univers m’embarrasse
et je ne puis songer
Que cette horloge existe et
n’ait point d’horloger
O universo me intriga e eu
me ponho a pensar
Como existiria este
relógio, se não existisse o relojoeiro?
E o próprio Kant,
apesar das restrições que inicialmente fez a esta prova, no final admitiu-a
como a mais antiga e clara das provas da existência de Deus. O fim de uma coisa
é aquele para a qual essa coisa é feita. Assim, o fim dos relógios é indicar a
hora, e o fim das facas é cortar. Antes de existir fisicamente, a finalidade
dos relógios já existia na intenção do relojoeiro. O fim, a sua finalidade, é,
portanto, a verdadeira causa da construção dos relógios.
Assim, fica fácil de entender que toda a finalidade, toda a causa final, supõe
uma inteligência que a conceba. É nisto que se baseia a prova das causas
finais. A este respeito, Bossuet afirma: “tudo o que mostra ordem, proporções
bem estabelecidas, meios próprios para obter determinados efeitos, mostra
também uma intenção, um desígnio pré-concebido e, por conseqüência, uma causa
inteligente”, Deus.
Existem relações entre a estrutura e a função, entre a anatomia e a fisiologia,
seja do globo ocular, seja do estômago, seja do fígado, etc. Isto exige o
concurso regular e constante de uma infinidade condições, todas elas
necessárias. A verificação destas condições deve ser vista como a pré-figuração
do futuro: a célula-ovo contém um adulto com suas características já
determinadas: e tanto a célula-ovo, como o seu desenvolvimento, são o resultado
de forças puramente físicas, específicas e determinadas.
Foi necessário que através das forças da natureza, e entre a multidão infinita
de combinações possíveis, um delas chegasse a vingar, não uma só vez, mas
constantemente, de modo a dar sempre aos elementos de um órgão de um ser vivo a
disposição que permita o seu desenvolvimento posterior; mas este órgão contém,
de antemão, a função que virá a desempenhar.
Esta disposição ou pré-ordenação constante, e a sua preparação para o futuro, é
ininteligível, e não tem uma razão suficiente sem uma inteligência ordenadora.
Neste caso, a finalidade é evidente, e o termo futuro é a causa de uma
disposição anterior; é a causa final. Só a inteligência pode conceber de
antemão a ideia do fim que deve ser atingido.
A ordem do universo, por si só prova, contra os materialistas, a existência de
uma inteligência superior, sapientíssima e ordenadora da matéria. Daí, poder-se
dizer que a prova das causas finais é o complemento metafísico do qual se
conclui, racionalmente, a existência de uma causa infinita, criadora, única,
Deus.
AS PROVAS MORAIS DA
EXISTÊNCIA DE DEUS
Estas provas, que são deduzidas da natureza moral do homem, são a prova
social ou histórica, que se funda na universalidade da crença em Deus; a prova
psicológica, que se baseia nas aspirações da razão humana, e a prova
propriamente moral, deduzida da existência do dever.
É uma realidade: a humanidade, no seu conjunto, admite com unanimidade a existência
da divindade; esta unanimidade supõe a verdade do seu objeto: logo, Deus
existe. A unanimidade é provada pela História das Religiões: em toda a parte
encontramos a ideia de Deus, sem que seja possível verificar como ela se
formou; esta fé em um Ser Supremo é o fundamento da religião dos povos
primitivos.
A Escola Evolucionista
inglesa, a Escola Etnológica católica, afirmam esta verdade. Este deísmo se
encontra em todas as civilizações históricas: China antiga, Assíria e
Babilônia, raças semíticas, Fenícias, Egípcias, e Indo-europeias. Se das massas
humanas, passamos ao escol intelectual, veremos que a esmagadora maioria dos
inventores das ciências positivistas adoravam a Deus.
Pesquisa feita no século
XX mostrou que só 4% dos cientistas eram ateus, os demais 96% eram crentes em
Deus.
A universalidade da crença em Deus mostra a alma humana em sua busca da
verdade, tentando apreender o que está encoberto sob as aparências, isto é,
mostra a sua busca pela razão última das coisas, Deus. É uma realidade a
tendência constante do homem para o infinito, com todas as forças de sua alma.
É o amor do Ser Supremo, que nos é tão íntimo como a nós mesmos.
A presença em
todo o ser humano desta profunda aspiração é a prova psicológica da existência
do Grande Geômetra, Deus.
A obrigação moral é uma realidade. Não somos moralmente livres para fazer ou
deixar de fazer qualquer coisa. O bem moral e a ordem moral impõem-se como
prioritários; só depois disso se apresenta a razão, para comprovar e sancionar
determinada ação.
Estamos todos submetidos a uma lei moral, que nos é imposta por
nossa vontade, e que não podemos abolir ou mudar. A essência da Moral consiste
em preferir tudo o que é nobre, elevado e racional. A Moral estabelece a
natureza e as conseqüências do Dever. Por estar sujeito à Lei do Dever, o ser
humano é um ser Moral.
Cícero, orador e escritor romano, escreveu há mais de 2.000 anos: “A Moral é
uma Lei comum a todos os homens. Ela é racional, impõe-nos a virtude e nos
proíbe a injustiça. É uma Lei que não pode ser impunemente transgredida ou
modificada. Nem o povo, nem os legisladores, nem os magistrados têm o poder de
isentar das obrigações que ela nos impõe”.
Esta prova, fundamentada no dever é, juntamente com a prova das causas finais,
a que mais impressionou Kant.
PROVAS METAFÍSICAS DA
EXISTÊNCIA DE DEUS
Estas provas vêm diretamente do raciocínio lógico, sem nenhum recurso à
experiência. São elas: a prova ontológica, pela análise da ideia de perfeito; a
prova cartesiana, pela origem da ideia de perfeito.
A prova ontológica é célebre na história da filosofia, pelas discussões a que
deu origem. Esboçou-a S. Agostinho, porém foi S. Anselmo (1033-1109) que lhe
deu a sua forma rigorosa. S. Anselmo começa a sua obra pelas palavras da
Escritura: Não há Deus. E empenha-se em provar que negar a existência de Deus é
uma loucura e contra-facção revoltante.
Todo o homem possui a ideia de um ser tão perfeito que não pode conceber outro
melhor. Este ser existe, este ser é perfeito, este ser é Deus.
Descartes disse: “Deus
é o ser que possui todas as perfeições; a existência é perfeição; portanto,
Deus existe”. Em vão Leibniz e Kant tentaram anular esta prova. Só conseguiram
mostrar, mais uma vez, que o argumento ontológico é ineficaz para provar a
existência real e concreta de Deus.
Eu duvido, diz Descartes; ora, duvidar é imperfeição, porque é muito melhor
chegar à certeza sem passar pelo estado de dúvida. Portanto, sou um ser
imperfeito. Mas, a ideia de imperfeito supõe também a ideia de perfeito, de que
é a negação; isto porque, em todas as coisas, só se concebe a negação pela
afirmação, - a obscuridade pela luz, a morte pela vida, a ignorância pela
ciência, etc. Deste modo, diz Descartes, a ideia da imperfeição foi introduzida
em mim por um ser realmente perfeito, Portanto, Deus existe.
Relanceando a vista sobre as provas concludentes da existência de Deus,
verifica-se:
a)
Que todas são a posteriori, isto é, todas partem da
observação: existência do ser contingente, existência do movimento e da ordem,
nas provas físicas; existência da crença unânime, da tendência irresistível, da
obrigação indeclinável, nas provas morais;
b)
Que todas as provas se
estribam no princípio da razão suficiente; porque se limitam a estabelecer que
estes fatos de ordens tão diversas não têm, nem podem ter razão de ser senão em
Deus e por Deus.
Estas provas estão
intimamente relacionadas entre si, completam-se umas às outras, e cada uma
delas revela-nos Deus sob um aspecto diferente. Consideradas em si, as provas
físicas levam à conclusão de que existe um Ser Supremo, distinto do universo,
causa eficiente, matriz e ordenadora do universo visível.
Quanto a se saber se este Ser tão poderoso e tão inteligente é eterno,
infinito, perfeito e absoluto, a resposta é totalmente positiva. Será este um
ser moral, Será Deus justo e bom, em que a humanidade espera? A prova moral
suprime esta última incerteza. A dificuldade de alguns em aceitar a existência
de Deus reside em que nada há de absoluto em nosso conhecimento da criação, do
mesmo modo que nada há de absoluto em nossa ideia sobre o Criador.
Não é necessário se perder no labirinto do desconhecido para chegar à certeza
da existência de Deus. Nada de sistemas! A mais absoluta independência deve
estar sempre presente na busca da verdade. O esforço do homem para conhecer o
absoluto deve estar baseado no teísmo ontológico, o teísmo racional.
O teísmo é a filosofia
da busca da verdade, da busca de Deus. A razão do homem, em seu inevitável
desenvolvimento e em seu divino amor pela liberdade, derruba todas as barreiras
e se liberta dos obstáculos e dos conceitos preconcebidos.
Kant, na Crítica da Razão Pura, demonstrou que o homem está invencivelmente
disposto a julgar reais os objetos de sua crença, ao passo que esses objetos
são puramente subjetivos. Hegel adotou a grande máxima apregoada por
Protágoras, que diz que “o homem é a medida de todas as coisas”, e ensinou que
o Universo marcha para a perfeição. Esta tendência ao progresso não é explicada
sem a existência de um pensamento diretor.
A escola que se intitula positivista, pela primeira vez resolveu o problema de
construir uma religião ateia. Este sistema não deixou de adorar a um Deus. Este
Deus é a humanidade, e Aguste Comte é o seu profeta. Em seus fundamentos, o
positivismo/materialismo apregoa que “no princípio era o átomo, e o átomo
existia por si mesmo, e o átomo é o primeiro gerador do universo”. Segundo os
materialistas, Deus é tolice e é fraqueza: Deus é hipocrisia e é mentira; Deus
é tirania e miséria; Deus é o mal. Em vez de chamar Deus à direção das forças
que regem o universo, os materialistas ateus atribuem a inteligência Suprema à
própria matéria.
São estes os que, em 1877, criaram a Summa Divisio na Maçonaria, ao retirar da
Constituição e dos Rituais do Grande Oriente de França todas as referências a
Deus, o Supremo Arquiteto do Universo. O primeiro dos cinco Princípios
Fundamentais da nossa Ordem proclama a existência de um Princípio Criador, sob
a denominação de Grande Arquiteto do Universo. Sábios foram os nossos antigos
Mestres ao proclamarem este Princípio.
Por isso mesmo, o estudo de Deus e da Verdade, deve constituir um dos deveres
do Maçom. Sem o estudo deste tema transcendental, o maçom se arrisca a bloquear
o seu aperfeiçoamento moral e espiritual.
Elifas Levi disse em sua
Historia da Magia que “o sábio apóia-se no temor do verdadeiro Deus, enquanto
que o insensato é esmagado pelo medo de um falso deus, feito à sua imagem”.
Deus é a Luz. Caminhemos para ela.
Bibliografia
Kant – Crítica da Razão Pura/Hegel
– Enciclopédia das Ciências Filosóficas/Descartes – Discurso do Método/Anaxágoras
de Clazômenas – Doxografia/Camillo Flammarion – Deus na Natureza/Aristóteles –
Metafísica/Augusto Comte – Curso de Filosofia Positiva/Tomás de Aquino –
Compêndio de Teologia/Valério Alberton – O Conceito de Deus na Maçonaria/Nicola
Aslan – Dicionário de Maçonaria Simbólica/Leibniz – O Conhecimento Platão
ANTÓNIO ROCHA FADISTA
M.'.I.'., Loja Cayrú 762 GOB-RJ / GOB - Brasil