Quando o meu avô morreu, a meio da sua nona década de vida,
comentou-me uma das minhas tias: "O avô morreu três vezes. A primeira foi
quando a avó morreu. A segunda foi quando se apercebeu de que era o último dos
da geração dele que ainda estava vivo. E a terceira foi agora." E
continuou: "Sabes, há um par de anos foi ao funeral de um dos amigos de
infância, e quando olhou em volta, viu-se sozinho.
Aqueles com quem ele cresceu
os que fizeram a escola ao mesmo tempo... já tinham ido todos. A partir daí,
limitou-se a ficar à espera." Confesso que senti um arrepio ao imaginar
como seria me sentir assim.
Anos volvidos, estou bastante mais seguro de que tal não me
acontecerá. Não porque tencione morrer cedo - nunca se sabe, mas não tenho
grande pressa... - mas porque os meus amigos não estão todos na mesma faixa
geracional; é certo que tenho uns quantos amigos chegados que são de idade
próxima da minha, mas a gama de idades dos que me são próximos é bastante
alargada. E tenho, mesmo, alguns amigos que nasceram uma, duas, três ou mesmo
quatro décadas antes de mim.
São homens a quem trato por tu, amigos próximos com quem
partilho uma piada parva, membros da minha tribo perante a qual baixo a guarda.
A um ou outro chego a cumprimentar, sem pensar, com um abraço e um beijo na
face - tal como sempre fiz e faço ao meu pai ou ao meu irmão de sangue. Alguns
nada têm que ver com a maçonaria, mas mais de metade são meus irmãos maçons.
Diz-se que, em maçonaria, "se faz amigos de infância aos
quarenta anos". Só posso falar por mim - e confirmar que senti isso mesmo.
O que nunca imaginei foi que, aos quarenta anos, fizesse "amigos de
infância" de sessenta, e de mais.
De fato, das primeiras coisas que notei no dia da minha
iniciação foi a variada gama de idades: havia um ou outro que ainda não tinha
feito trinta anos, mas a maior parte estava entre os trintas e os quarentas -
idade em que é mais frequente ingressar-se a Ordem - mas havia também uma boa
quota de cabelo grisalho e branco. Hoje não dou por nada; somos todos irmãos, e
todos nos tratamos da mesma forma: por tu, e com um respeito fraternal.
Entre gerações partilham-se histórias na primeira pessoa. Os
mais antigos recordam tempos idos, explicam decisões passadas, mostram os erros
cometidos permitindo que não tenhamos nós que os repetir. Os mais novos, por
seu lado, instilam novo fôlego em assuntos batidos, vestem ideias vetustas com
novas roupagens, e por ser novo para eles o que para os demais é já conhecido,
mostram-no, por vezes, como se o fora pela primeira vez. A cumplicidade vai-se
construindo, ano após ano. E os laços apertam-se, mesmo sem darmos por eles.
Imagino que também alguns dos mais maduros sintam que, aos
setenta ou aos oitenta, fizeram amigos de infância que por mero acaso têm
metade da idade deles.
Especialmente a estes, e principalmente quando sabemos
que precisam, fazemos por, mais do que estar apenas disponíveis, estarem mesmo
presentes - e não os deixar sozinhos; isto se, evidentemente, assim o
desejarem, que a liberdade de cada um é princípio absoluto entre nós.
Ao contrário do que sucedeu com o meu avô, espero que a nenhum
deles desse razão para sentir que o último dos seus acabou de partir e os
deixou para trás. E é por isto que sei que, quando estiver no seu lugar, só
ficarei sozinho se assim o desejar.
Paulo M.
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