INTRODUÇÃO
Quando revelei a um
amigo que estava para ingressar na Maçonaria, ele – que não era uma pessoa
religiosa (muito menos um fanático) – me disse: “Tome cuidado, ouvi dizer que
te penduram de cabeça para baixo e queimam os seus pés com brasa quente!”
Costuma-se
associar, com toda razão, esse tipo de crendice em grande parte aos opositores
da Maçonaria que, por razões políticas, desejaram persegui-la ao longo dos
séculos, bem como a charlatães do passado, como Léo Taxil, ou mais modernos,
como Tio Chico.
Porém, as primeiras
superstições associadas à Maçonaria Especulativa são tão antigas quanto ela
própria e podem ter tido origem em algo muito mais trivial.
A Maçonaria
Especulativa teve sua origem nos idos do século 16. Nessa época, a Igreja e
outros grupos não estavam muito preocupados com a abrangência da mesma, pois
ainda não tinha atingido poder político a ponto de gerar profundos incômodos.
Sobre isso, o
historiador David Stevenson afirma: “A ideia de que a Igreja da Escócia
estava pronta a aceitar a existência de lojas, e os rituais dentro delas, desde
que não fossem rituais religiosos, explicariam muito bem o que seria uma
surpreendente falta de preocupação (com algumas exceções) na Igreja acerca das
lojas. A Igreja não tinha necessidade de perseguir as lojas porque sabia que
elas não eram uma ameaça para a sua autoridade religiosa exclusiva.”
A PALAVRA DO MAÇOM
Quanto à Maçonaria
Operativa, pode-se considerar que uma pessoa se tornou um Aprendiz Maçom quando
começou literalmente a aprender a manejar os instrumentos do ofício de pedreiro
da pedra livre (Firestone mason). Certamente que esse seria considerado o ponto
focal.
Já na Maçonaria
Especulativa, o Aprendiz não mais aprenderia literalmente o manejo das
ferramentas. Com o passar do tempo, evidentemente, esse aprendizado foi sendo
substituído por ferramentas abstratas, de cunho moral e filosófico.
Mas, se ele não
sabia literalmente lapidar uma pedra livre, qual era o conhecimento principal que
lhe era ensinado? Stevenson esclarece:
“No centro das
atividades esotéricas descritas nos catecismos estava a Palavra do Maçom e foi
através do falar sobre ela que os profanos primeiro aprenderam que os maçons
tinham segredos.”
(Observação: O
sentido aqui empregado do termo “esotérico” é algo restrito a um grupo interno
de pessoas; não algo de cunho ocultista.)
Trocando em miúdos:
O Aprendiz recebia a Palavra do Maçom, que era uma das formas através das quais
ele poderia se comunicar com outras pessoas, identificando-se como maçom.
(Embora isso tenha
mudado com os séculos e já não seja mais nenhum segredo, nem seja a forma como
confirmamos hoje que alguém seja maçom, o autor deste material, por zelo quanto
ao seu juramento, se absterá de dar detalhes sobre o processo.)
O problema: Essa
prática da “Palavra do Maçom” foi terrivelmente mal compreendida por profanos.
A mente humana é
extremamente hábil em imaginar. Desde quando somos pequenos e vemos nossos pais
fechar a porta do quarto para discutir, criamos uma ideia de que se uma porta
está fechada, então existe algo terrível acontecendo ali, tão horrendo que não
pode ser revelado publicamente. Assim sendo, é claro que uma sociedade que se
reúne a portas fechadas acabaria vítima da criatividade da imaginação
alheia. Na realidade, seres humanos trabalham a portas fechadas o tempo
todo. Empresas fazem reuniões fechadas; igrejas fazem assembleias só entre a
liderança; etc.
UM PODER
SOBRENATURAL
Quando, portanto,
os profanos tomaram conhecimento de que, através da “Palavra do Maçom”, os
maçons poderiam se reconhecer mutuamente, mesmo sem nunca terem se conhecido,
logo imaginaram que se tratava de algum tipo de bruxaria ou encantamento.
Afinal, vários feitiços e afins utilizam palavras mágicas para serem realizados.
Isso pode parecer
absurdo e pueril ao leitor, mas realmente aconteceu. Em 1653, debochando de
tais crendices, Sir Thomas Urquhart de Cromarty afirmou:
“Por ser capaz, por
intermédio da Palavra do Maçom, de detectar um maçom, a quem ele nunca viu
antes, sem falar, ou sem sinal aparente, vir e cumprimentá-lo reputado, por
muitos da mesma estirpe, como tendo tido um espírito familiar, sua grosseira
ignorância os impelindo, a chamar isso de sobrenatural, ou acima do alcance
natural de um mero homem, porque eles não sabem a causa disso.”
Urquhart, portanto,
descreve que pessoas achavam que alguém que usava a Palavra do Maçom estava
possuído, ou trabalhando com algum tipo de espírito que lhes dava a
possibilidade de ver, até mesmo à distância, se o outro era também um maçom.
O mesmo tipo de
pensamento aparece em um poema publicado em Edimburgo, em 1638, denominado “The
muses threnodie, or, mirthfull mournings on the death of Master Gall”, que
afirma:
“Pois somos irmãos
da Rosa Cruz;
Temos a Palavra do Maçom e a clarividência,
Coisas vindouras podemos prever corretamente.”
Esse poema foi
escrito por Henry Adamson, que morrera um ano antes da publicação. Adamson era
um assistente de um ministro de uma paróquia local.
Como se pode
perceber, o autor alude a uma ideia de que, através da Palavra do Maçom, seria
possível prever o futuro. Em outras palavras, revela uma crença de que a
Palavra do Maçom pudesse ter algum tipo de poder oculto.
Não é difícil
perceber de onde ele tirou essa ideia: Através da Palavra do Maçom, era
possível identificar outro maçom, isto é, ver aquilo que era invisível para
outras pessoas. Basta um pouco de criatividade para transformar isso em alguma
espécie de clarividência.
CONCLUSÃO
A Maçonaria
Especulativa muito provavelmente surgiu no final do século 16. Nessa época, a
Igreja não estava muito interessada na Maçonaria, pois a mesma não tinha
conotação religiosa nem tampouco havia ainda desenvolvido qualquer grande poder
político.
Como foi
demonstrado, pouquíssimo tempo depois, no início do século seguinte, já havia
documentos mostrando crendices e receios populares que derivam não de um desejo
por parte de opositores de demonizar a Maçonaria, mas sim do entendimento
equivocado da população com relação às práticas maçônicas.
Claro, certamente
isso viria mais tarde a ser explorado e fomentado por aqueles que visavam
combater a Maçonaria, bem como por aproveitadores e até mesmo por pessoas que
tentaram (ou ainda tentam), de fato, transformar a Maçonaria em uma sociedade
ocultista.
BIBLIOGRAFIA
NEWMAN, A. N. A Reference to the “Mason Word” in 1653. ARS Quatuor Coronatum. Londres, no. 80, 1967.
STEVENSON, David. The Origins of Freemasonry: Scotland’s century,
1590-1710. Nova Iorque:
Cambridge University Press, 1998.
Sobre o Autor
Luis Felipe Moura é
M∴ M∴, membro da ARLS Conde de
Grasse-Tilly nº301 (Grande Oriente Paulista/COMAB). É bacharel em Letras
(inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como
psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.
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