OS CAMINHOS DA MAÇONARIA


 

A “Maçonaria” moderna, especulativa, tem uma data de nascimento precisa: nasce em 24 de Junho de 1717, em Londres, da reunião conjunta de representantes de quatro das Lojas da cidade (compostas de maçons operativos e de maçons “maçons aceitos”, três das quais eram lojas de criação muito recente) que, em “conflito” virtual com as lojas operativas mais tradicionais – os antigos – onde se distinguia o célebre arquiteto da Catedral de São Paulo Sir Chistopher Wren – decidem criar a primeira formação maçónica de tipo federativo, a Grande Loja de Londres, para cujo governo logo elegeram, por braços levantados, o mal conhecido Anthony Sayer como Grão-Mestre e o carpinteiro Jacob Lamball e capitão John Eliott como Grandes Vigilantes.

A Grande Loja de Londres, assume-se desde logo como uma espécie de “Loja-mãe”, que se vai arrogar um “poder central” de caráter ordenador e legislativo, sob o crescente domínio de intelectuais protestantes, constituindo a sua fundação um momento de ruptura com as tradições das Lojas operativas de composição artesanal e de inspiração católica (que vieram a dar lugar a outro movimento federalizante, onde se distinguiu Dermott que terá promovido a elaboração das Constituições “Ahiman Rezón”, de 1756). (Grande Loja Unida de Inglaterra, 1815?) Poucos anos decorridos, em 29 setembro de 1721, a Grande Loja de Londres, em reunião ampla com a presença de delegados de 16 lojas, sendo então Grão Mestre o nobre duque de Montagu, invocando terem-se encontrado “grandes erros em todas as cópias das antigas constituições”, delibera encarregar o irmão Anderson de “as pôr em ordem, segundo um novo e melhor método” [1].

Com esta “decisão capital”, a emergente G L Londres assume-se como sucessora das Fraternidades de pedreiros e outros artesãos da “Arte Real” e como continuadora e depositária das suas antigas tradições e costumes, que mandava que fossem coligidos e fixados em textos precisos, unívocos e “oficiais”, expurgados dos “grandes erros” encontrados nas cópias preexistentes, por esse modo deixando implícita a sua intenção de os preservar.

Intenção, aliás, muito controvertida, já que – segundo alguns – Anderson modificou deliberadamente os “Antigos Deveres” e, com a sua equipa de sábios, intelectuais pouco conhecedores dos ritos iniciáticos, criou outro movimento, sobre uma base humanista, com abandono do pensamento tradicional. E, sendo assim, a G L L não seria a continuadora da maçonaria operativa nem se poderia reclamar dessa qualificação.

Como quer que seja o trabalho de compilação e arranjo começou ¡mediatamente, desenvolvendo-se rapidamente, e sendo dado por terminado em 27 de dezembro do mesmo ano de 1721. Os respectivos manuscritos foram então submetidos ao exame e parecer de um “comité de 14 irmãos eruditos”, designados pelo Grão-Mestre Duque de Montagu. 

O Comité apresentou o seu parecer na reunião da Grande-Loja de 25 de março de 1722 que aprovou, depois de algumas emendas, “a história, as obrigações, os regulamentos e o canto do mestre” compilados e arranjados por Anderson, como lei da maçonaria, exprimindo o desejo de que o Grão-Mestre ordenasse a sua impressão. E afetivamente a obra é impressa e publicada em 1723, “para o uso das Lojas”, sob o título “The CONSTITUTIONS of the FREE-MASONS containing the History, Charges, Regulations, e&c. of that most Ancient and Right Worshipful Fraternity” [2].

Para tanto, com inegável dinamismo e determinação, assume-se como instância ordenadora qualificada da maçonaria moderna, arrogando-se a faculdade de determinar o que está certo e deve ser preservado e observado, e o que está errado e deve ser banido.

II – É certo que o percurso da Maçonaria, desde o ato fundador de 1717, está longe de ser um percurso linear e pacífico. O nosso Irmão Antônio Carlos Carvalho, evidenciando a rotura com a tradição artesanal e católica e referindo que o trabalho de Anderson, apresentado como uma revisão necessária, foi na realidade um trabalho de alteração dos “Old Charges”. sustenta mesmo que “Dessa data em diante …a Maçonaria entra em decadência, num processo descendente que vem até hoje” [3].

Por maior respeito que nos mereça a opinião assim expressa por aquele nosso Ilustre e sábio I, não pode deixar de se salientar que a Maçonaria que ele refere ter entrado em decadência, terá sido a Maçonaria dos “antigos”, de fundo operativo acentuadamente iniciático e tradicional, visto que a Ordem, na sua expressão moderna, com diferentes e variados fundamentos ideológicos, conheceu desde então uma expansão planetária inegável.

O certo é que, através dos conflitos entre “antigos” e “modernos”, cristãos, teístas, racionalistas e agnósticos, das “lutas” por supremacias pessoais, das divergências filosóficas, das cisões e dos cismas, dos apoios e das perseguições, a Maçonaria especulativa (que apesar de tudo se revê no ato fundador de 1717) foi-se desde então espalhando por todo o Mundo, “como nódoa de azeite”, com persistência e consistência, assente num núcleo singular de regras e especialmente de formas, que fazem dela uma “grande família”, em todo os países do Mundo.

Sem reconhecerem uma estrutura hierárquica unificante, a qualquer nível, “sem leis gerais nem livro santo que a definam e obriguem todo o maçom através do Mundo” [4], operando com autonomia (sempre ciosamente reivindicada) nas pequenas unidades que são as Lojas, a Maçonaria adquiriu como que uma “personalidade de fato” que permite que, do interior e especialmente do exterior, seja apercebida como “uma Instituição” de expressão verdadeiramente universal, impar e incontornável, apesar das diferenciações filosóficas que foram individualizando os diferentes ritos e as várias Obediências.

III – Os “maçons”, que na fase operativa foram os construtores das joias da arquitetura e das grandes obras monumentais, são, por tradição, os perseguidores da perfeição e também os depositários dos conhecimentos iniciáticos e reservados, dos símbolos e das formas associadas aos seus mestres e da solidariedade fraternal, e universal, que provinha da comunidade dos seus particulares saberes, dos seus interesses sócio- profissionais, da sua aptidão para representar e traduzir o inefável em realizações materiais perenes, exaltantes de beleza e de espiritualidade, em que se iam sedimentando as civilizações …

Como grandes construtores, invocando a “sabedoria” e a “força” que vêm do G A D U, praticando entre si a igualdade fraternal e o seu aperfeiçoamento interior, excluindo dos seus trabalhos a discussão sobre questões religiosas e políticas que os poderiam dividir, os “maçons” empenharam-se sempre em decorar com “beleza” as realizações dos homens, por modo a tomar o “templo universal” mais livre, mais igual, mais fraterno e solidário e mais belo.

Estes fatores de unidade e de individuação, assumidos como herança pela “maçonaria especulativa”, foram decerto condição necessária para a rápida difusão da Ordem a partir do ato fundador de 1717. Mas não pode deixar de se reconhecer a importância fulcral e aglutinadora das Constituições de Anderson, quaisquer que sejam os seus erros e insuficiências ou as diversas leituras dos seus exegetas e intérpretes, para a unidade na diversidade dos maçons de todo o Mundo e de todos os Ritos e Obediências, até aos dias de hoje.

IV – Como já se disse, a Maçonaria moderna espalhou-se por todo o Mundo, “como nódoa de azeite”, a partir de Inglaterra e da Escócia, num movimento imparável iniciado depois do ano de 1723. Estabelece-se em França pelo menos a partir de 1725/1726 [5], em Portugal a partir de 1733 e na maioria dos outros países europeus até 1743; e cedo foi levada para os outros Continentes, designadamente para os EUA, onde há notícias de em 1930, se ter formado uma Loja em Filadélfia [6].

Na França, no Século das Luzes e da Enciclopédia, no dealbar do processo histórico que conduziu à Revolução Francesa, e depois dela, a maçonaria encontrou um terreno cultural e sócio-político propício a uma implantação explosiva e a uma caracterização particular, que deu lugar a uma franco-maçonaria havida por liberal, em que foram salientados os temas da igualdade, da liberdade, da solidariedade social e da fraternidade.

A expansão é tão rápida, que se refere que eram maçons 477 dos 605 deputados à Assembleia Constituinte, de 1789 [7].

Desde então, os “maçons”, foram sempre atores determinantes dos grandes movimentos da história da humanidade, na arte, na autodeterminação e independência de povos e de nações, na conquista da igualdade e das liberdades, na consolidação da democracia, na sedimentação dos direitos sociais, na instrução e educação, na implementação dos sistemas internacionais de segurança coletiva, nas ações de assistência e solidariedade com os mais carenciados…

Os desafios postos por aqueles temas, foram assumidos por uma parte significativa dos “maçons” de todo o Mundo.

E “maçons” foram muitos daqueles cujos nomes ilustram a história da humanidade, em todos os domínios da ciência, da arte a da política … O seu cimento de unidade foi a procura do aperfeiçoamento da sociedade, pela valorização da vertente social do homem, pela atenuação progressiva das suas misérias e das discriminações que atingiam a grande massa dos desfavorecidos, pelas iniciativas assistenciais e de solidariedade ativa, pela consagração dos seus direitos fundamentais à liberdade, à justiça e à igualdade formal, ao acesso à cultura, à saúde e a uma vida digna.

Como já referi, foi esse desafio – traduzido no brocardo “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, anteposto ao projeto espiritual do aperfeiçoamento individual e da construção do templo interior – que a Maçonaria Universal implicitamente assumiu, que explicou a rápida e fulgurante difusão da Ordem desde 1717 até meados do século XX, motivando adesões e perseguições. A Ordem, através da ação individual dos seus irmãos estava presente e era influente em todos os centros de poder.

A sua ação era discreta, mas produzia resultados.

O carácter secreto (ou discreto) e esotérico da Ordem, o simbolismo das suas formas comuns e universais, as próprias perseguições da Igreja e dos poderes instituídos, eram tudo fatores de sedução e de força apelativa, que concitavam à adesão de quantos tinham real vontade de contribuir positivamente para os resultados procurados.

Estava assim a Maçonaria constituída numa “ideia-mito”, com o sentido que pode ser extraído do intuicionismo vitalista de Bergson, segundo o qual a razão não é o modo superior de conhecimento, que antes cabe a uma relação cognoscitiva mais próxima da realidade última e que se exerce quando, em vez de pensarmos conceitualmente as coisas, distanciando-as com a análise, as vivemos intimamente e agimos coerentemente com tal conhecimento intuitivo.

Foi ao apelo dessa ideia-mito de que a “igualdade, liberdade e fraternidade” era possível e constituía um objetivo elevado e alcançável com a colaboração dos “maçons”, que responderam os milhões de homens que em todo o Mundo aderiram à Maçonaria.

A partir de meados da década de 70 do século XX, há a sensação de terem sido alcançados, em boa medida, os objetivos prosseguidos, com a adopção do “estado social de direito”, com a implantação da democracia política e dos regimes estatais mais ou menos generalizados de segurança social e de assistência na doença, no desemprego, na velhice e nas situações de extrema carência, com a ampla difusão do acesso ao ensino e à cultura e com a minimização das formas mais gritantes de desigualdades sociais.

A sociedade do “bem estar” e do reconhecimento dos direitos fundamentais do homem parecia instalada e, em razão do seu próprio êxito, a tal ideia-mito, com os conteúdos que se lhe assinalaram, e que foi motor da expansão da maçonaria, esgotou a sua força apelativa.

V – Perdido esse “élan”, a Maçonaria parece ter entrado em crise de crescimento. Há que procurar e que encontrar uma nova ideia-mito, em que os maçons se revejam e que apele à adesão e ao entusiasmo. Não basta que os irmãos se sentem nas colunas sessão após sessão e que progridam nos cargos maçônicos ou na posse de mais ou menos medalhas e decorações, sem objetivos concretos de trabalho efetivo e de resultados a alcançar.

Na fase que foi encerrada, foi a vertente material e exotérica da maçonaria que foi sobrevalorizada, em prejuízo do esoterismo e da procura do melhoramento espiritual.

Será agora a vez de atribuir a prioridade ao aperfeiçoamento espiritual, à cultura integral, segundo as convicções de cada iniciado em matéria de fé, num movimento consistente de regresso às “origens” e às tradições. Conforme diz Foster Bailey,

“No tempo atual, a necessidade da Maçonaria não é mais membros, mas de melhores membros; não salas de Lojas a abarrotar, mas a participação de grupo em rituais bem entendidos como espirituais no significado e, assim, ajudas (na) demanda de compreensão espiritual e crescimento pelos quais a … antiga Ordem de Franco-Maçons foi criada” [8].

E nesta linha, talvez, que cumpre aos “maçons” de hoje pesquisar e encontrar novos fatores míticos de envolvimento e de adesão empenhada e efetiva, que não deverão estar aptos a provocar “movimentos de massa”, mas que devem antes almejar “mudar a qualidade de vida” de cada um através dos ensinamentos espirituais seguidos e interiorizados, considerando que a diferença específica entre a Maçonaria e outras organizações é uma busca de aperfeiçoamento espiritual.

Que o G A D U nos ajude a encontrar, enunciar e definir os fatores integradores da nova ideia-mito que julgo necessário fazer nascer, e a alcançar, nessa vertente esotérica, êxitos paralelos aos que foram alcançados na vertente material da solidariedade e do aperfeiçoamento da sociedade.

Este é o porventura o desafio que a nossa época lança aos homens livres e de bons costumes.

Autor desconhecido

Fonte

Revista “Entre Colunas” – edições 1 e 2 – II série – 1º ano

Notas

[1] Daniel Ligou, “Constitutions d’Anderson”, 4a ed., Paris, pg.21

[2] Traduzindo livremente “As Constituições dos Franco-Maçons contendo a História, Obrigações, Regulamentos, etc. desta muito Antiga e Muito Venerável Confraria

[3] In Prefácio à “História da Franco-Maçonaria em Portugal (1733-1912)”, de M. Borges Grainha, Lisboa, 4a ed, pg. 7 4

[4] Oliveira Marques, “A Maçonaria em Portugal”

[5] Paul Gordot, “Les sources maçonniques du socialisme Français”, pág..15

[6] Foster Bailey, “O Espirito da Maçonaria”, 1957, trad. Portuguesa, Lisboa 1999, pág..130

[7] Paul Gordot, op. Cit., pág. 19

[8] Foster Bailey, op. cit. pág. 133

 

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