A SIMBOLOGIA DA CAPELA DOS OSSOS E A CÂMARA DE REFLEXÃO


 

“Pensar que as coisas desta vida hão de durar sempre, é escusado. Até parece que anda tudo à roda: à Primavera segue-se o Verão, ao Verão o Outono, ao Outono o Inverno, ao Inverno a Primavera, e assim o tempo gira nesta roda contínua. Somente a vida humana corre para o seu fim mais ligeira do que o tempo, sem esperar renovar-se, a não ser na outra, que não tem fins que a limitem.”

Trecho do Capítulo LIII do Livro O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Edição Especial 400 anos, Lisboa, Portugal.

Na cidade mais antiga de Portugal e uma das mais remota da Europa, Évora, pouco mais de 100 km de Lisboa, cuja fundação dá-se à época do domínio romano, encontramos alguns monumentos erguidos por mestres construtores, como o Templo a Diana, e a Igreja de São Francisco.

Nesta, em um anexo, está erguida a Capela dos Ossos construída no século XVII por frades franciscanos, estes teriam chegado a Évora em 1224, oriundos da Galiza e quando Francisco de Assis ainda era vivo.

Certamente, o que chama e atrai atenção de todos os turistas que visitam a cidade de Évora é a Capela dos Ossos. Sua construção teve um único objetivo, chamar a atenção dos visitantes, pois, sendo uma construção muito peculiar, suas paredes e pilares foram revestidos por milhares de ossos e crânios humanos.

Toda a ossada fora retirada dos mais de 40 cemitérios abandonados que existiam na região de Évora e que ocupavam muito espaço na cidade.

Desta forma, os monges em um trabalho hercúleo, requisitaram as ossadas e como dito, querendo chamar os olhares de todos, sobre a brevidade da vida humana e sua transitoriedade, encontraram uma forma única e tocante, revestir a Capela com ossos e crânios, criando um espaço de reflexão sobre a vida.

 É certo que se tornou um local turístico, alguns destes, com olhar de pura curiosidade histórica, outros tem uma visão mais espiritualista, mas, a Capela dos Ossos, cumpriu fielmente o objetivo inicial dos frades, um espaço para meditação e estímulo à humildade e mais ainda, queriam mostrar a todos os visitantes que tudo na Terra é impermanente.

Cabe ainda destacar o aviso, que está no frontispício da Capela, “Nos ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”, ou seja, mais uma mensagem de que a vida é transitória e breve.

Saindo de Évora, deixando a Capela dos Ossos, vamos ao encontro de outra construção, se assim podemos dizer, que não está aberta à visitação, e a qual só pode ser adentrada, por pessoas que passaram por um processo de seleção criterioso.           

Estamos falando da Câmara de Reflexão, espaço físico que fica dentro de uma Loja Maçônica, lugar este sigiloso onde cada um deve entrar uma única vez em sua vida maçônica. A sua origem remonta ao Egito Antigo, e tem como simbologia bem próximo daqueles da Capela dos Ossos.

Naquela, o espaço é preparado sob luz tênue onde estão expostos símbolos e frases de impacto e reflexão, na qual, o candidato a iniciação, o profano, tem o primeiro contato com a simbologia maçônica, tais como: o pão e a água, o enxofre e o sal, a ampulheta, o testamento, o galo, a foice, os símbolos da morte (esqueleto e um crânio humano).

Importante destacar que cada objeto ou frases (nem mais, nem menos) que estão nesta sala tem o seu significado maçônico, e que o iniciado uma vez recebendo a Luz da Verdade, isto é, tornando-se um Aprendiz Maçom, seguirá os estudos dos mesmos nos Graus seguintes.

 Frise-se nenhuma pessoa é admitida na Maçonaria se não passar um tempo na Câmara de Reflexão. A Câmara, nas palavras de Sérgio Couto:

É definida como um recinto com paredes e teto pintados de negro, com uma mesa e um banco toscos. Na mesa são encontrados uma ampulheta, um tinteiro com uma caneta, um crânio humano, um vaso com sal, velas e papéis que devem estar preenchidos. Quando a porta de tal lugar é fechada, não é possível ouvir nenhum ruído externo. A pessoa que lá está deve ler algumas instruções que estão nos cartazes e papéis da mesa.

O silêncio incita a meditação, e o cheiro de mofo mais os símbolos mortuários impressos nas paredes servem para lembrar que a morte chega para todos os vivos. Dessa maneira, o maçom terá certeza de que retornou ao “ventre materno” da Terra e que deve “renascer” para novas compreensões. (COUTO, 2009, pág. 58 grifos nosso)

Simbolicamente um dos objetivos dessa passagem pela Câmara é exatamente a que os monges Franciscanos da Capela dos Ossos tinham em mente, isto é, a reflexão sobre a brevidade da vida e que a morte é inevitável e ainda que devemos viver com humildade.

Findando essas breves reflexões, deixando a Capela dos Ossos e a Câmara de Reflexão, retorno novamente a Portugal, agora não em Évora, mas sim, no ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998, José Saramago.

Em sua obra As Intermitências da Morte, Saramago, nos traz importantes reflexões sobre a morte, e, em apertada síntese, conta-se que a morte deixou de acontecer em um pequeno país. A alegria tomou conta de toda a população, mas, logo em seguida começaram a perceber o grande problema que acarretaria com a greve da morte.

A certa altura da narrativa, temos a preocupação de um padre que diz “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”.                   

Mais à frente: “As religiões, todas elas, por mais voltas que lhe dermos, não têm outra justificativa para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca.” A grande mensagem que fica da obra de Saramago é: “a morte é necessária para todos”.

Meus queridos II todos nós já passamos pela Câmara de Reflexão, talvez poucos conhecem a Capela dos Ossos e reduzido leitores conheceram a obra citada, e, nas palavras de Saramago, “Se não voltarmos a morrer não temos futuro”, cabe a seguinte reflexão: nós maçons já experimentamos a “primeira morte” e “estamos nos preparando para a segunda?” 

Antônio Marcos Teodoro Silva

Aprendiz Maçom CMI 333589

ARLS – Adelino Ferreira Machado nº 1957 

Bibliografia:

SARAMAGO, José. As Intermitências da Morte. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2005.

COUTO, Sérgio Pereira. Dicionário Secreto da Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2009.

A capela da humildade, de Eugênio Mussak, da revista Vida Simples, edição 194, de abril de 2018, ed. Caras.

Disponível em: https://www.visitevora.net/capela-ossos-evora/. Acesso em 10/03/2023 às 16:44h.

Disponível em: https://igrejadesaofrancisco.pt/capela-dos-ossos/. Acesso em 10/03/2023 às 16:57.

 

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