(breve alinhamento de
abordagens para uma reflexão no cruzamento entre o formal e o existencial)
Com esta pergunta, simples e direta, fui recentemente confrontado com a
necessidade de encetar uma reflexão da máxima importância. Por detrás desta
questão, que claramente traz para o mundo da Maçonaria o vocabulário
popularmente usado para categorizar os católicos, entre praticantes e não
praticantes, revela-se a questão da manutenção, ou não, da categoria de Maçom
por parte de quem “não é praticante”, isto é, por quem não vai às sessões
apesar de ter sido iniciado.
A jovem que me colocou esta simples pergunta, comparando a minha prática à
da mãe, também ela “praticante”, perguntava simplesmente se eu participava
regularmente nos rituais, ou não. E a pergunta, apenas assim, já é digna de
alguns cuidados. Realmente, há muitos membros de Lojas, a quem chamamos maçons,
e que continuam inscritos nos quadros, que pouco ou nada aparecem. São eles
maçons? Ou que maçons eles são e a que natureza correspondem?
Numa brevíssima sistematização do que me aflora a mente, temos, pelo
menos, três naturezas a ter em conta quando perguntamos, usando benevolamente o
qualificativo popular católico, “também és maçom praticante?”.
A burocracia retira a condição de Maçom?
Comecemos pela dimensão puramente burocrática muito bem definida em todos
os regulamentos: as faltas não são para ser a norma e isso tem implicações que
podem levar ao afastamento compulsivo da comunidade, do quadro da Loja.
Os problemas, naturais numa comunidade em que o todo conta com a
participação das partes, começam pelas implicações na capacidade para uma Loja
funcionar: as Lojas podem não ter quórum, podem funcionar com debilidades e, se
às faltas corresponder também a falta na capitação, isso conduz a problemas do
foro da responsabilidade da Loja para com a instância onde ela se agremia, o
Grande Oriente ou a Grande Loja.
Mas a questão fundamental coloca-se no grau de desligamento que a dimensão
burocrática pode implicar. Um “quite” compulsivo ou uma erradicação, conduz à
perda da condição de maçom, ou apenas ao fim de uma jornada de partilha, de
vida, de alguma forma comunitária, portanto, no étimo da palavra, a uma
excomunhão? Isto é, ser colocado fora da comunidade, no caso maçónico, fora da
Loja ou, até, da Obediência.
Ser maçom é estar em comunidade, alimentar e ser alimentado pela egrégora.
Por outro lado, e falando de comunidade, não estar com a comunidade é mais
que uma falha burocrática de ter faltado às reuniões, ou não ter pagado a
quotização devida. Por que vamos às reuniões de Loja? Para não ter falta? Não,
vamos para “beber” a Luz que nos iluminará no Mundo Profano. Vamos às sessões
de Loja para participar e fortalecer a egrégora. Não vamos por obrigação, mas
para nos alimentarmos dessa sede que foi o motor para buscar a iniciação, para
iniciaticamente buscar a Luz.
Neste momento, somos remetidos para a questão fundamental: a iniciação. O
“não praticante”, seja porque foi retirado de uma Loja, seja porque, apesar de
estar inscrito numa, não participa, continua a ser Maçom? Isto é, a natureza da
iniciação é algo que se cola à essência de cada um, de tal forma que nunca se
perde? Qual a natureza, sagrada e existencial, da iniciação?
Em relação a este último ponto, a “doutrina” é diversa e, regra geral,
difusa, procurando fugir a uma questão que é, fundamentalmente, do campo da
mística. Sim, nas tradições iniciáticas, a vivência e a transmissão de
conhecimento que a iniciação implica, nunca se perde. É um ato da mais intensa
e interna sacralidade, um renascimento, pelo que, nada o retira. Ninguém pode
ser “desiniciado” – pode ser afastado, renegado, até, mas não há um ritual
algum para retirar esse ato genesíaco.
No limite, a sacralidade pode ser entendida de tal forma que, mesmo que
seja renegada, ela não desaparece do ser que a viveu e em certo momento a
acolheu. Qual mácula, no sentido latino da palavra, ela fica para sempre; é-se
marcado.
“Maçons não praticantes” e “profanos de avental”
Obviamente, na complexificação da questão com o segundo tópico, somos
obrigados a perguntar se, mesmo sendo a iniciação “eterna”, se o facto de não
ser alimentada com a egrégora, isso não a enfraquece, na prática, e a leva ao
desaparecimento, a uma auto excomunhão, a uma fuga à comunidade de maçons, à
egrégora.
Um iniciado pode ser “maçom não praticante”, ou não se é maçom se não se
“praticar”? A prática, que corresponde a estar em comunidade, com a egrégora, é
como que uma constante revivificação da iniciação?
Mas mais, ser “maçom não praticante” pode ser complementado por uma vida
interior de busca, com leituras, com conhecimento livresco? Uma mística
pessoal, feita no supermercado de oferta da internet, pode corresponder a uma
vida e a uma formação maçónica?
Ser maçonólogo, sem vida fraternal em comunidade, é ser maçom?
No lado oposto, ir a todas as sessões, mas nada saber nem nada sentir, dá
automaticamente o estatuto de maçom?
E, mais importante, ir a todas as sessões, fazer pranchas, viver a
comunidade, mas não praticar os valores da Fraternidade. Isso é ser maçom?
Epílogo
Esta é a primeira pergunta central num tempo em que se procura cativar
novos membros, fidelizar os que foram iniciados, e trazer os que se afastaram.
Estamos com as Lojas muito povoadas, quer de iniciados desiludidos pela
falta de qualidade dos trabalhos, que se afastam, quer de “profanos de avental”
que estão na Loja como se estivessem em qualquer clube privado.
Paulo Mendes Pinto
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