Os maçons falam muito
de Dever. É natural. O aperfeiçoamento individual a que se dedicam implica,
inevitavelmente, que identifiquem o que têm a corrigir e definam como fazer a
correção, isto é, o que se deve fazer para melhorar.
O caminho do maçom não é uma avenida de direitos, é
uma vereda de deveres a cumprir.
Mais: um conjunto de deveres que o maçom escolhe cumprir.
Na ética maçônica, em
primeiro lugar vem à obrigação, o cumprimento dos deveres - só depois se atenta
nos direitos. Porque o caminho é este, não há constrangimentos nem vergonhas na
reclamação ou no exercício dos direitos, porque se interiorizou que estes são o
reverso correspondente aos deveres que se cumprem. Assim, o cumprimento do
dever é preâmbulo do exercício do direito - nunca o oposto.
Esta postura, que é o
oposto do facilitismo e do hedonismo tão propalado por certos media comum
mente referidos de cor-de-rosa, que insidiosamente vai influenciando as mentes
mais frágeis ou menos avisadas, é, no entanto, a mais consistente com as
características da espécie humana - as características que nos permitiram
evoluir, descer das árvores, deixar de ser meros caçadores-recoletores, nos
possibilitaram aprender a produzir o que necessitamos para consumir e até mais
do que aquilo que necessitamos, enfim, o que nos fez chegar, como espécie, ao
estádio atual (no melhor e no pior...) e nos fará, creio-o firmemente, evoluir
sempre mais e mais.
Ao contrário do que
se possa levemente pensar, desde a mais tenra infância que o bicho-homem
valoriza mais o que deve fazer o que esforçadamente conquista
o que trabalhosamente obtém, do que aquilo que recebe sem esforço, fonte
porventura de prazer imediato, mas arbusto sem raiz sólida para segurar o
interesse por muito tempo.
Todos aqueles que
educam crianças verificam que, ao contrário do que as próprias julgam, elas não
apreciam tanto assim - e, no fundo, temem - a liberdade total, a possibilidade
de fazerem o que querem, quando querem, como querem.
Se isso lhes for temporariamente
possibilitado, poderão extasiar-se perante a ausência de limites, mas não tarda
muito que procurem o aconchego, a segurança, a certeza das fronteiras, dos
limites, das restrições - contra as quais tanto refilam, mas que tão
securizantes são.
Afinal de contas, quando não há limites, como se pode
transgredir?
Como se pode forçar barreira inexistente para ir além dela?
E o
crescimento, a evolução humana, da criança como da espécie, é feito de
transgressões, de ultrapassagens de barreiras, de partidas para o incerto
apenas possíveis porque se sabe que, se e quando necessário, se pode recuar e
voltar para o certo e seguro...
O dever é,
pois, essencial para a espécie humana. Para cumpri-lo e, por vezes, para
transgredi-lo, aceitando os riscos e as consequências, mas também buscando o
além para lá do horizonte...
Os direitos
possibilitam-nos satisfação e conforto, mas são redutores, limitadores, meras
pausas agradáveis, obviamente necessárias, mas afinal fatores de simples
manutenção, não de conquista ou avanço. Os direitos gozam-se e ao gozarem-se,
fica-se - não se vai, nem se avança. É no cumprimento do dever, com
o esforço e o custo que isso necessariamente implica que se avança se
conquista, se constrói, se vai além.
Gozar os direitos é
obviamente bom e agradável. Mas, bem vistas às coisas, cumprir os deveres,
ainda que tal implicando trabalho, custo, esforço, é melhor.
Porque no fim do cumprimento do dever acaba por estar sempre um prêmio.
Por vezes de simples,
mas saborosa, satisfação. Outras vezes com vitórias, com prazeres, com ganhos
que não teríamos se nos tivéssemos mantido no simples gozo dos direitos que já
se tinham, sem mais nada fazer. A áurea mediocridade pode ter brilho - mas não
deixa de continuar a ser mediocridade...
Os maçons falam muito
do Dever, dão atenção aos seus deveres, cumprem os seus deveres. Não por serem
masoquistas. Pelo contrário: por entenderem que é assim que conseguem
realizar-se. E a realização pessoal é mais do que meio caminho andado para a
felicidade...
Rui Bandeira
Do Blog: A Partir da Pedra