Os maçons prezam a Harmonia na
Loja.
Esta frase é consensual. Mas será
que todos dão o mesmo significado à palavra Harmonia? Em que consiste realmente
a Harmonia da Loja? Quando se pode dizer que uma Loja está em Harmonia?
A Harmonia da Loja não é
unanimidade. Nem sequer consenso (estes dois conceitos não são sinônimos; o
consenso resulta sempre de um concerto de posições, à partida, necessariamente
com algumas diferenças; a unanimidade não resulta necessariamente desse esforço;
a unanimidade pode surgir sem que se faça nada por ela; o consenso resulta
sempre de trabalho, busca).
Pode - e é comum que isso suceda
- haver divergências, desacordos, sem que se quebre a Harmonia da Loja. Tudo
depende de como as posições diferentes são expostas, encaradas e, sobretudo,
trabalhadas pelo grupo. Superar desacordos, integrar diferenças, compatibilizar
divergências reforça a Harmonia da Loja.
Assim sendo, há mais Harmonia
numa Loja em que as divergências se expõem se aceitam e se trabalham no sentido
da superação do que noutra em que o unanimismo impere sempre. Mesmo que na
primeira por vezes subsistam divergências, embora porventura atenuadas ou, pelo
menos, globalmente compreendidas na sua origem e motivos.
Direi mesmo que a Loja em que
impere o unanimismo tende a estiolar. Porque o unanimismo não é natural em
nenhuma sociedade humana. Porque a sua persistente existência revela afinal
medo da assunção de diferenças.
Pelo contrário, a Loja que se
habitua a conviver naturalmente com as diferenças, divergências desacordos, a
tolerar (é o termo!) a sua existência e a trabalhar na sua superação, na medida
do possível, essa sim, trabalha em Harmonia.
Porque ali se cultiva o respeito
pelo pensamento do outro - sempre.
Porque ali a diferença não gera
confronto, luta azedume. Conduz à cooperação ente iguais com entendimentos
diferentes, no sentido de discernir semelhanças e diferenças, lobrigar o que é
essencial e o que é meramente acessório na posição de cada um, verificar como é
possível compatibilizar pontos de vista diferentes.
E chegar à melhor solução
possível para todos. Porque ali se trabalham as diferentes razões individuais
na busca da Razão Coletiva. E de cada vez que se consegue fica-se mais forte. E
quando não se consegue não é por isso que se fica mais fraco.
A Harmonia da Loja não é ausência
de discussão. É discussão, debate, sérios, honestos, respeitadores das posições
e da dignidade de cada um e de todos.
A Harmonia da Loja não é a
obediência cega e acrítica a quem manda. Também não é o questionamento
sistemático das decisões de quem viu confiado pelo coletivo, mais do que o
poder, o encargo - por vezes, o fardo - de decidir.
A Harmonia da Loja resulta do
debate de tudo até se decidir com o contributo de todos e implica o respeito do
decidido por todos. Não são todos obrigados a executar o decidido, pois há que
respeitar os desacordos não superados.
Mas todos necessariamente
renunciam a obstaculizar o que se decidiu. Em termos simples, quem discorda
pode não fazer. Mas não deve fazer diferente ou o contrário.
Tal como na música a Harmonia não
está nem na ausência de som, nem no mesmo som, está na compatibilização de
forma agradável de sons diferentes, também a Harmonia da Loja não resulta da
ausência de divergências, na renúncia ou impossibilidade de discussão. Resulta
da tolerância das diferenças, da cooperação na integração das divergências, da
superação participada dos desacordos.
Portanto, que nunca se pense que
discordar quebra a Harmonia da Loja. O que quebra a Harmonia da Loja é o
impedimento da expressão das discordâncias. Porque só mediante essa expressão,
só perante a aceitação do direito de discordar, só mediante a naturalidade da
análise das divergências é possível construir, avançar, fortalecer a Loja.
Na Loja Mestre Affonso Domingues,
tudo se debate, todas as discordâncias são expressas e analisadas e
trabalhadas, no processo permanente de chegar às melhores soluções possíveis.
Por vezes, o debate é aceso, os
confrontos são duros. Mas o que se acendem são as opiniões de Irmãos, o que se
confrontam são as suas ideias.
No final de cada debate, tomada a
decisão, por muito que se tenha discutido, debatido, cada um fica com as suas
ideias (quantas vezes modificadas, melhoradas, evoluídas, na sequência do
debate e do confronto com as outras e diferentes ideias!) - mas todos ficam com
a conclusão a que se chegar como sendo a melhor possível para o coletivo
naquele momento e naquelas condições.
E todos se juntam em descontraída
conversa e agradável ágape. Todos sabendo que porventura em ocasião próxima
haverá outro debate, em que não raro os que naquele dia se confrontaram com
ideias diferentes se baterão juntos pela mesma posição...
Sempre assim foi nesta Loja. Foi
assim que superou a sua maior crise, com insanável, na altura, desacordo de
caminhos a seguir, com a maior Harmonia que alguma vez vi e que procurei
descrever no texto O fim da infância.
É assim que hoje superamos as
dificuldades que surgem. Com muito debate, franco, leal, aberto, duro, sempre
que necessário, esteja quem estiver conosco na ocasião. Sem vergonhas e sem
cuidados com a imagem.
E se alguém menos avisado alguma
vez tentar aproveitar o que possa julgar ser fratura de alguma divergência,
rapidamente ficará desenganado! Porque as nossas "fraturas" são muito
"móveis", de consolidação extremamente rápida e de cicatrização fácil
e sem deixar marcas! Afinal de contas estamos tão habituados a discutir e debater
uns com os outros que estou em crer que se aborrecia de morte quem saísse
daqui!!!!
Na Loja Mestre Affonso Domingues
não existiu nunca unanimismo e a unanimidade só aparece por acaso. O que
persistentemente se busca e frequentemente se atinge são consensos! Às vezes
após discussões épicas.
Sempre tolerando a existência de
diferenças e divergências. Sempre sabendo que o acordo, para existir, necessita
de prévio desacordo e persistente debate na sua superação.
E isto, meus caros, isto é que é
verdadeiramente uma Loja em Harmonia!
Rui Bandeira
Blog: A Partir da Pedra