Na formação da inteligência
muitos fatores se misturam e se tornam decisivos, e na conquista da sabedoria o
esforço, a dedicação e o propósito são fundamentais.
Até a algum tempo eu costumava
confundir essas duas palavras. Na prática usava-as sem discernir seus
conceitos, embora soubesse na teoria que seus conceitos eram diferentes. Mas
como era possível?
Acho que porque dissociava teoria
de prática, e aplicava as palavras no discurso do dia-a-dia, guardando certos
conceitos para uma situação mais especial, ou sublime. Devia ser isso.
Eis que um dia, fui alertado para
o equívoco que estava cometendo. Aliás, estava cometendo dois: julgando e
utilizando termos errados no meu julgamento. A partir desse dia esses dois
conceitos e as palavras que se usam para transmitir suas ideias ficaram
bastante claros para mim.
Mais que isso: não foi uma
descoberta que abrangeu tão-somente os campos da semântica, do significado, da
linguística, de um lado, e o repensar e a compreensão de novos valores e novas
formas de compreensão do comportamento, das características e das atitudes do
ser humano, de outro. A descoberta trouxe-me um novo questionamento e mais uma
busca.
Não aprendi, apenas. Mudanças
começaram a ocorrer, paulatinamente, na minha forma de viver, de agir, de ver e
de enxergar. [Bem, paulatinamente é um pleonasmo e uma ênfase, porque
desconheço mudanças no ser humano que ocorram, eficazmente, de forma que não
seja gradual. Talvez existam drásticas e raras exceções. Mas a prova de que
mudanças são gradativas, no meu entender, é o fato de que a pessoa que mudou
geralmente só percebe que de fato mudou muito tempo depois. Para os que com ela
convivem é mais visível, e acredito que vão percebendo o processo; mas quem se
permitiu mudanças frequentemente só percebe ao olhar para trás e ver uma pessoa
bem diferente do que é e do que está vivendo].
Mas, afinal, o que mudou tanto,
ou o que pode mudar tanto, quando descobrimos alguns conceitos e suas
diferenças? Muita coisa ou praticamente nada. Contudo, ao se falar desses dois
conceitos, inteligência e sabedoria, uma vez que nem tudo está perfeitamente
claro, e muitos de nós confundimos um conceito com outro, poderá haver, sim
mudanças.
Se houver uma preocupação com
esses conceitos, se nos detivermos para analisar o que pensávamos e o que
descobrimos, com certeza existe uma predisposição e um desejo de compreensão,
discernimento e mudança. Muitas vezes, uma grande mudança.
A partir do momento mesmo em que
inteligência e sabedoria se revelaram para mim como características distintas,
revelou-se também uma nova busca – a da compreensão de seus significados e dos
processos que levam a um e a outro, como também a da conquista ou dos passos
necessários para que se adquira a sabedoria.
Quando me refiro à sabedoria, não
falo de Sábios. Sábios agem com sabedoria todo o tempo. Sua vida é pautada em
sabedoria. Sábios são a sabedoria. Não sei se me equivoco, mas faço distinção
entre uma pessoa sábia e um Sábio. Pode ser sutil, mas vejo diferença entre os
dois.
Agir com sabedoria várias vezes,
ou muitas vezes, ou sempre que for necessária esta é a busca.
E como agir com sabedoria?
O que seria a sabedoria?
O que me levou, no passado, a
confundi-la com inteligência ou, por outra, julgar que a inteligência poderia
trazer paz e felicidade – estado de espírito que a inteligência, por si só,
dificilmente trará?
Costumava dizer, por exemplo, que
não entendia por que uma pessoa tão inteligente poderia fazer isto ou aquilo.
Não sabia a diferença entre uma atitude inteligente e uma atitude sábia. E não
sei, ainda hoje, como realmente é o processo da inteligência ou do
desenvolvimento da inteligência. E continuo em meu desejo de saber muitas
coisas sobre o caminho que leva à sabedoria e, uma vez que esta seja alcançada,
sobre o caminho que é a própria sabedoria.
Na formação da inteligência
muitos fatores se misturam e se tornam decisivos, e na conquista da sabedoria o
esforço, a dedicação e o propósito são fundamentais. Note bem os diferentes
termos que usei para uma e para outra – formação [e desenvolvimento] e
conquista.
A inteligência, no meu entender,
é construída a partir de um componente de hereditariedade e vai-se
desenvolvendo com o apoio de todo um conjunto de fatores, dentre os quais penso
que as contribuições afetivo-emocionais, sociais e nutricionais sejam as
decisivas. Não se trata de uma busca, pura e simplesmente.
Temos um potencial, grande ou
não, e contamos, pelo menos inicialmente, com os estímulos que nos são
proporcionados à medida que crescemos. Tem importância fundamental a família, a
convivência, o alimento que recebemos as oportunidades que nos serão
oferecidas. Quanto maior a quantidade e melhor a qualidade dessas oportunidades
e estímulos, maior a probabilidade de desenvolvermos nossa inteligência [que
também não é de um único tipo, o que já se comprovou exaustivamente].
Por outro lado, não serão com
alimentos os mais proteicos e vitamínicos que se possa imaginar, nem com um
convívio familiar e/ou social de excelente nível cultural, nem com uma enorme
gama de oportunidades e estímulos socioculturais que se produzirá uma pessoa
sábia ou com atitudes sábias.
Quando deixei de confundir
atitudes inteligentes com atitudes sábias, ou, mais precisamente, pessoas
inteligentes com pessoas sábias, descobri, ao mesmo tempo, o significado da
sabedoria e sua importância para a nossa vida. Mas descobri também o quanto é
difícil agir com sabedoria.
Acredito que também nos ajuda, e
muito, em nossa busca individual e pessoal pela sabedoria, o berço que tivemos.
Se nascermos e principalmente crescermos no seio de uma família e de uma
comunidade cujos princípios norteadores são a bondade, a honestidade, a
caridade, a pureza, o desprendimento e a harmonia, a busca pela sabedoria e sua
conquista serão grandemente facilitadas, e o esforço envidado será menor.
As feridas causadas pelos
espinhos serão mais rapidamente tratadas e cicatrizadas, e os tombos e
tropeções que inevitavelmente ocorrerão devido às pedras que existirão em nosso
caminho serão motivos a mais para repensarmos e nos reerguermos com vitalidade
e vontade renovadas. Tanto espinhos como pedras serão instrumentos para
mudanças, aprendizados e renovação.
Um aspecto que nunca passara pela
minha cabeça sobre os conceitos de inteligência e sabedoria foi explicada por
um amigo, dia desses, de uma forma bastante simples e através de pouquíssimas
palavras: a inteligência não é boa nem ruim, e tanto pode ser usada para o bem
como para o mal, ao passo que a sabedoria está sempre ligada ao bem.
Eu estava meio perdido num
labirinto de explicações mais complicadas, como algumas que apresentei acima,
abarcando hereditariedade, nutrição, ambiente, cultura, e meu amigo disse a
coisa mais importante, afinal. Acho que ele disse a verdade.
Afinal, quem conseguiria se não
fosse dotado de uma inteligência acima da média, inventar vírus poderosíssimos
para infectar computadores?
E quem, se não fosse inteligente,
conseguiria inventar planos, estratégias e táticas para tantas coisas ruins,
como guerras, grandes e bem-sucedidos assaltos e manipulação de pessoas?
Qual a possibilidade de uma
pessoa sábia dedicar seu tempo e energia para construir coisas que destruirão?
E aí ficou totalmente clara a
distinção: uma pessoa inteligente não é necessariamente uma pessoa sábia, pelos
exemplos que citei. Da mesma forma, uma pessoa sábia não será necessariamente
inteligente.
Todavia, é claro que sempre
estamos à espera do melhor. Assim, se uma pessoa inteligente conquistar a
sabedoria, terá subido degraus e degraus de uma escada muitas vezes íngreme,
terá avançado muito em seu caminho muitas vezes cheio de obstáculos, e terá
começado a contribuir grandemente para a evolução da humanidade. E se sua
inteligência era apenas mais uma força para essa evolução, quando acompanhada
da sabedoria fará toda a diferença.
Não desprezo a inteligência.
Muito pelo contrário, adoro conviver e trocar idéias com pessoas brilhantes.
Não descarto a erudição e a cultura, pois tudo faz de nós seres humanos com
maiores capacidades e possibilidades.
Coloco, porém, a sabedoria acima
de todos esses atributos, porque a sabedoria, sozinha, conduzirá ao caminho dos
caminhos, que se chama paz.
Denilson Forato