A Maçonaria Adonhiramita nasceu em França durante a segunda
metade do século XVIII. Foi praticada lá e nas suas colônias bem como em
Portugal e as suas respectivas colônias. Foi o primeiro rito a entrar no Brasil
trazido pelo Grande Oriente Lusitano.
Ele atualmente estava sendo praticado só no Brasil, onde vem
apresentando um desenvolvimento muito acentuado, com a criação de inúmeras
novas lojas, quer no GOB, quer na COMAB e agora também na Grande Loja de São
Paulo (GLESP).
Todavia, há alguns anos ele foi reintroduzido em Portugal,
graças aos esforços do então Grão-Mestre do GOB-Pará, Irmão Waldemar Coelho que
é um dos grandes incentivadores para que o Rito cresça em todo o mundo o qual
enaltece também os esforços dos maçons Adonhiramitas do Pará e o Rio de Janeiro
que muito trabalharam para que o Rito voltasse a Portugal.
O então Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica Regular de
Portugal, o Irmão Mario Martin Guia decretou finalmente a criação da primeira
Loja Adonhiramita no país, pelo menos nesta nova fase do Rito, e que levou o
nome de Loja Regular “José Estevão”. Evidentemente a primeira Loja do Rito
Adonhiramita em Portugal foi fundada no século XVIII.
De início torna-se necessário esclarecer e explicar um erro
histórico sobre a fundação deste Rito.
Não foi o Barão de Tschoudy (Louis Theodore) político de
origem suíça nascido em1720 e falecido em 1769 aos quarenta e nove anos de
idade quem fundou o Rito. O Rito em realidade foi fundado por Louis Guillerman
Saint-Victor que escreveu um livro “Compilação Preciosa da Maçonaria
Adonhiramita” (Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite) onde ele
descreveu e incluiu os quatro primeiros graus e publicou em 1781. Em 1785 ele
escreveu um segundo livro descrevendo mais oito graus, perfazendo doze Era
então, conhecido o Rito como a Maçonaria dos 12 graus.
O grande culpado deste imbróglio do falso fundador do Rito foi um escritor francês, Maçom, de nome Jean Baptiste Marie Ragon de Bettignies (1781- 1862), mais conhecido por Ragon, que ao que parece tinha boa cultura maçônica. Escreveu vários livros sobre a Ordem, porém ao escrever não era criterioso e nada mais do que um leviano que inventava situações a seu belo prazer. E num dos seus livros “Ortodoxia Maçónica” (Orthodoxie Maçonnique) ele afirmou que o Barão de Tschoudy era o fundador do Rito Adonhiramita e, também ele “criaria” o 13º grau do Rito.
Entre as suas várias balelas existe mais uma, ao afirmar que
Elias Ashomole teria sido o primeiro compilador dos rituais dos graus 1, 2 e 3,
quando na realidade Aschmole jamais compilou qualquer ritual. Aschmole quando
foi iniciado em 8.10.1646, nesta época não tinha ainda sido organizado o
catecismo (ritual) do grau 2, o qual foi criado em 1670 (manuscrito Sloan, 3
-1696), e muito menos o 3º grau criado em 1725 e incorporado na ritualística em
1738.
Desta forma, inventando, ele atribuiu a paternidade do Rito
Adonhiramita ao Barão de Tshoudy. Só que em 1871 Tschoudy tinha falecido 12
anos antes. Logo, ele jamais poderia ter fundado o Rito Adonhiramita.
Após 1785 Guillerman Saint-Victor escreveu e publicou a
tradução de um trabalho alemão a respeito do Grau Noachita ou Cavaleiro
Prussiano, de autoria do alemão M. de Beraye e este artigo apareceu publicado
no Journal de Trévoux.
Ragon e Thory intrometeram-se, sem nenhuma razão especial
interpretaram a publicação como sendo mais um grau, o 13º grau, embora Saint
Victor houvesse publicado a tradução por mera curiosidade sem intenção de criar
mais um grau. Esta tradução era um grau alemão que nada tinha a ver com os 12
graus já estabelecidos do Rito.
Ragon inseriu o novo grau na parte final da segunda parte do
trabalho de Saint Victor e o 13º grau acabou sendo incluído no Rito. Também,
seria o 13º grau segundo alguns autores, uma homenagem a Frederico II da
Prússia, Maçom e que foi benfeitor da Ordem numa época em que ela se achava em
progresso, mas muito perseguida.
Fica assim esclarecido este erro histórico causado por um
escritor Maçom até certo ponto inescrupuloso e que apesar de escrever bem e ser
culto não media as consequências do que escrevia. Ele terminou desacreditado no
final do século XX. Ele era ainda muito citado em trabalhos até há cerca de 30
a 40 anos atrás, por escritores maçons brasileiros e estrangeiros, que não
conheciam a verdade sobre o famoso Ragon.
Ainda existem irmãos atualmente no Brasil que afirmam ter
sido o Barão de Tschoudy o fundador do Rito Adonhiramita bem como citam Ragon
como referência bibliográfica nos seus trabalhos, que costumeiramente ainda se
lê nas revistas, ou livros maçônicos.
Existe um Rito da “Estrela Flamejante” (L’etoile Flamboyant)
fundado em 1766, portanto três anos antes desenlace do Barão e que foi
realmente fundado por ele. Era um rito composto de 15 graus. Tschoudy era um
Maçom ativo e honesto.
Ele não tem culpa se Ragon o colocou como fundador da
Maçonaria Adonhiramita. Quiseram imputar a fundação de outro rito à Tschoudy,
ou seja, o Rito de Tschoudy Reformado de seis graus. Mas, igualmente quando
fundaram este Rito o Tshoudy já tido partido para o Oriente Eterno já há alguns
anos. Tshoudy era particularmente contra os Altos Graus.
Ele também pertenceu ao Conselho dos Imperadores do Oriente
e do Ocidente, que foram os criadores do Rito de Heredon de vinte e cinco
graus. Aliás, este Rito foi a fonte, foi a raiz dos demais ritos que hoje
conhecemos pertencentes à vertente francesa, inclusive o Rito Adonhiramita.
Com relação à história da criação do Rito Adonhiramita em si
tudo começou em 1743 quando um escritor profano compositor musical escrevendo
vários livros cerca de dez, sobre música, teatro, pertencente à Academia Real
de Música de França de nome Louis Travenol, usando o pseudónimo de Leornard
Gabanon escreveu um livro contra a Maçonaria intitulado de “Catecismo dos
Francos Maçons” (Cathécisme de Francs Maçons) onde descreveu uma série de
fantasias e mentiras, porem com algumas informações corretas que coincidiam com
a maçonaria praticada na época, além da descrição do 3º grau completo como era
praticado.
E ele coloca em cena
o nome de Adonhiram que até então não existia na lenda a qual apesar de ser
nova, criada há poucos anos só se conhecia o personagem Hiram Abiff.
Em 1742, o Abade Gabriel Luiz Calabre Perau escreveu um
livro “A Ordem Maçónica Traída e os seus segredos revelados” (L’Ordre des
Francs Maçons Trahi et leur secrete revélé) publicado em 1745 em Genebra que
era confundido com a obra de Travenol.
Ambos os livros mencionam Adonhiram, mas a obra de Perau era
mais uma descrição de canções e hinos cantados durante as sessões maçônicas, enquanto
Travenol descreveu o 3º grau e a sua lenda como eram conhecidos na época, mas
colocando em evidência o personagem bíblico Adonhiram.
A obra de Perau é aqui citada porque muitos historiadores
confundiram o título com a obra de Travenol. Perau propôs-se apenas revelar os
segredos da Maçonaria, mas não denegrir a Ordem a exemplo de muitos escritores
da época faziam, aliás, como o próprio Travenol.
Em 1744 Travenol lança outro livro “Compêndio da História de
Adonhiram Arquiteto do Templo de Salomão” (Abrége de L’Histoire D’Adoniram,
Architecte du Temple de Salomon) onde ele disseminou de vez a confusão entre
Adonhiram com Hiram Abiff.
A partir daí os ritualistas maçônicos dividiram as opiniões
pois para alguns seriam os mesmos personagens da lenda, enquanto para outros se
tratava de personagens diferentes. Interessante como os maçons davam
importância para a obra de um profano.
E acresça-se que era um profano escrevendo contra a Ordem.
Parece que eles próprios não tinham segurança na redação dos seus rituais e as
suas lendas. Aproveitavam o conteúdo dos livros escritos por profanos como
fonte de referência, pelo menos naqueles conceitos e história que se podia
aproveitar deixando de lado as mentiras, invenções e ficções.
Mas as obras de Travenol de qualquer forma influenciaram o início
da Maçonaria Adonhiramita. Mas não foi o único autor a escrever livros que
influenciaram a própria Maçonaria. Muitos anos antes em 1730 Samuel Prichard
fez o mesmo, publicou todos os segredos da Maçonaria inglesa até aquela data. E
esta obra é estudada até hoje pelos cientistas maçônicos da Loja Quatuor
Coronati, nº 2076 de Londres. Por ironia trouxe muita informação correta
necessária para Maçonaria de hoje.
Mas quanto Adonhiram alguns ritualistas da época mantinham
uma situação dualista, mas não concordavam quanto à função de cada um dos
personagens na construção do templo de Salomão. Um era hebreu, o outro era
fenício. Interessante, que tudo começou a partir de um livro escrito contra a
Ordem, nascendo daí o embrião de um movimento maçónico que logo mais se
tornaria a Maçonaria Adonhiramita.
Em 1747, o livro Catecismo dos Francos Maçons (Cathecisme
des Francs Maçons) foi reeditado, voltando a enfatizar o personagem Adonhiram.
Ainda em 1749 Travenol publicou “Novo Catecismo dos Francos
Maçons” (Nouveau Cathecisme des Francs Maçons) onde ele publica práticas
ritualísticas dos Modernos, que constituem uma referência sobre o Rito Francês.
Um grupo de maçons ritualistas sustentava que Adonhiram
tinha sido um subalterno, um mero arrecadador de impostos ao passo que o outro
grupo achava que ele seria o verdadeiro personagem da lenda do 3º grau.
Desta forma nasceu a Maçonaria Adonhiramita defendida pelo
grupo de Guillerman cuja lenda seria diferente da Maçonaria Hiramita com
relação ao principal protagonista dela, mas que no fim os atributos e
finalidade dos personagens eram os mesmos. Ambas as correntes tinham a mesma
meta, onde existia muita convergência na redacção das lendas, levando-se em
conta que se assemelham muito, pois ambas tratavam da construção do templo de
Salomão e o seu provável construtor.
Evocando os Landmarks que afirmam a exigência da lenda do 3º
grau baseada em Hiram Abiff estes foram contrariados quanto a um dos
personagens principais defendido pelos maçons Adonhiramitas. Mas e daí? Por
acaso a Maçonaria Adonhiramita também não cultua Adonhiram um personagem
bíblico com as mesmas características simbólicas do Hiram Abiff também bíblico?
E outra pergunta considerada lógica e coerente: tanto um
como o outro tinham qualificações para ser o mestre de obras, o construtor mór
do templo de Salomão? Não tinham por que o Hiram, o fenício era trabalhava com
bronze, que hoje o chamaríamos de metalúrgico. Era um artífice em fundição de
bronze.
O que ele entendia de construção para ser a principal figura
da edificação do templo? E o outro, o hebreu o Adonhiram era administrador e coletor
de impostos ou como a Bíblia afirma noutro local, um preposto às corveias, por
ocasião do Templo de Jerusalém.
Para esclarecer o que é corveia era o trabalho gratuito que
no tempo do feudalismo, o camponês era obrigado a prestar serviços ao senhor ou
ao estado. Trabalho escravo, portanto. Também não teria também qualificação
para ser o mestre de obras do sumptuoso e famoso templo.
E a própria Bíblia causa as confusões, pois ela é repleta de
contradições gritantes. Existem vários Hirans Hirão e mais de um Adonhiram,
Adoniram Adoram ou nomes parecidos. Mas este detalhe não altera o arcabouço
geral da lenda do 3º grau feita por maçons. Por quê? Porque a principal função
da lenda não é a de se ficar discutindo confusos personagens bíblicos.
E ainda tem que se considerar que tanto a Maçonaria Hiramita
como a Adonhiramita promoveram, isto na lenda do 3º grau um personagem
secundário para ser o arquiteto ou construtor ou superintendente do Templo.
Isto seria impossível e improvável atualmente. Tanto Hiram Abiff como Adonhiram
não teriam capacitação técnica para ser o construtor do templo de Salomão. Mas
lenda é lenda e daí? Lenda é lenda, é fácil fabricar uma. A lenda de Hiram ou
Adonhiram não fugiu à regra.
Ainda levando-se em conta o que é uma lenda que segundo os
dicionários é “uma narração escrita ou oral de caráter maravilhoso, relatando
fatos históricos antigos na qual estes são deformados pela imaginação popular
ou pela imaginação poética” (Aurélio).
Logo, uma lenda pode ser alterada, antes de tomar o a
redação final, pois ela contém factos verdadeiros e fatos irreais e não tem
compromisso com a realidade e nem com a verdade, mas sim com a mensagem e o
recado simbólico que ela transmite o exemplo que ela estabelece e impõe a um
grupo ou à sociedade. Ela vale pela mensagem que passa aos adeptos.
Já o mito tem diversas explicações, mas uma delas seria
complementando o conceito de lenda que seria uma imagem simplificada de pessoa
ou de um acontecimento, não raro ilusório elaborado ou aceito pelos grupos
humanos e que representa papel significativo de comportamento. Seria o produto,
o herói da lenda. Todo povo, nação, grupo de homens, religiões, ou a própria
Maçonaria precisam de um mito para sobreviver.
O esplendor da lenda Hiramita ou Adonhiramita não está na
defesa deste ou daquele personagem, já que no caso ambos os personagens foram
emprestados da Bíblia, mas sim na influência e identidade da lenda com o mito
solar. Poucos autores mencionam este fato. Parece que o mantém oculto. A lenda
do 3º grau é totalmente influenciada pelos cultos solares da antiguidade, tendo
o seu similar mais aproximado na lenda egípcia de Osíris.
Mas destacam-se ainda na lenda do 3º grau as influências das
manifestações religiosas e místicas dos povos antigos como os sumerianos, dos
persas, dos gregos. Especialmente do mitraísmo, que era uma religião pagã, que
adorava o sol e que foi tornada ilegal e o cristianismo oficial pelo Imperador
Teodósio em 391.d.C numa ocasião em que ela disputava com o cristianismo quase
que em igualdade de condições, qual religião prevaleceria. O cristianismo
copiou muita coisa do mitraísmo, dando outros nomes.
A influência do mito solar vem também inserida nos rituais
de todos os ritos, quando se faz os diálogos entre o Venerável e os Vigilantes.
Na abertura e encerramento ritualísticos das sessões eles descrevem o
nascimento, morte e renascimento do sol diuturnamente. É uma referência.
É a descrição do trajeto descrito pelo sol, símbolo
principal dos antigos e de todas as religiões naturais antigas. Por isso se diz
que a Luz vem do Oriente. O Venerável lembra ou representa o sol dos antigos.
Ainda vem a afirmação importante nesta lenda do conceito do nascer, morrer e
renascer, um dos principais ensinamentos do 3º grau.
Não se quer atribuir aos rituais maçônicos e nem à própria
Maçonaria que ela seja um produto do mito solar. Mas sofreu a sua influência
assim como foi influenciada por tantas outras culturas e religiões naturais
antigas e principalmente da Bíblia.
A lenda do 3º grau sofreu todas estas influências e foi
adaptada para a Maçonaria. Foi uma lenda bem manipulada, construída para
nortear a Ordem na sua caminhada através dos tempos e que provou estar correta,
pois hoje quer a Maçonaria Adonhiramita, ou a Maçonaria Hiramita tem o seu
herói-símbolo, ou seja, o seu mito, fazendo parte de uma mesma lenda, ou seja,
a lenda do 3º grau.
“Os autores do ritual do 3º grau, ainda desconhecidos
apelaram para todos os recursos da sua imaginação e de uma erudição tão vasta
quanto incoerente, produziram um monstro enigmático, cujas pesquisas, as mais
conscienciosas não puderam descobrir a sua verdadeira origem”
(Le Foriestier)
Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas Maçônicas Brasil
– Londrina – Pr.
Bibliografia
CASTELLANI, José Liturgia e Ritualística do Grau de Mestre
Maçom
Em todos os Ritos – Editora “A Gazeta Maçônica” – São Paulo,
1987
CARVALHO, Assis Ritos e Rituais – volumes 1,2,3. – Editora
“A Trolha” – Londrina, 1993
PERAU, Gabriel Louis Calabre – A Ordem Maçônica Traída e os
seus Segredos Revelados – Tradução de Ataualpha José Garcia – Editora “A
Trolha” – Londrina, 2001
Original: “L’ordre des Francs Maçons Trahi, et leur Secret
revélé” A L’Orient, Chez G. de L’lEtoile, entre L’esquerre & le Compass,
vis-à vis du Soleil couchant, 1745”
O RITO ADONHIRAMITA – HISTÓRIA – Publicação feita pelo
Sublime Capítulo Adonhiramita do Brasil – Florianópolis – Santa Catarina