Li já há algum tempo que um maçom americano, acadêmico, efetuou
um estudo sobre a Maçonaria européia e as suas Lojas, tendo concluído, além do
mais, que as Lojas maçônicas europeias, independentemente das respectivas
Obediências e ritos praticados, tinham tendência a atravessar crises
significativas a intervalos entre cerca de 25 a 35 anos. Mais concluía o dito
investigador que essas crises que assolavam as Lojas europeias ou não eram
superadas e a Loja abatia colunas, ou eram superadas e a Loja reforçava-se na
sua solidez.
Não recordo já quem foi esse acadêmico maçom e porventura haverá
razão para esse esquecimento, pois, com todo o respeito pelo trabalho de
investigação, tratamento de dados e análise que terá tido, estas suas
conclusões não se me afiguram serem estrondosa novidade nem incrível
descoberta, antes puro e simples senso comum. O que, no entanto, não retira
valor ao trabalho efetuado, pois, pelo menos, tem a virtude de alertar para a
questão. O fato de algo ser de senso comum não significa que se esteja atento a
isso...
Para mim, é pura questão de senso comum que, ocorrendo uma crise
numa Loja (e já agora, em qualquer organização social humana...), das duas,
uma: ou a crise não é superada e a Loja (a estrutura social) chega ao seu fim,
não tendo mais condições para prosseguir a sua atividade, ou é superada e essa
superação resulta num reforço da solidez da Loja (estrutura social). Já há
muito que diz o Povo, na sua proverbial e secular sabedoria, que o que não
mata, engorda!
Quanto ao estabelecimento da existência de crises em ciclos de
25 a 35 anos, bem vistas as coisas também não é fator de grande admiração,
sendo mesmo evidente a causa de tal: a transição geracional.
Que existe uma relação de simbiose ente a Loja e os respectivos
obreiros, geradora de modificações na Loja e em cada um dos obreiros, já o
tinha mencionado no texto O outro termo da equação. Que as opções
organizativas e de funcionamento de Loja determinam a sua evolução, também o
mencionei no texto Da diferente evolução das Lojas. Resta consignar que um
importante fator na evolução das Lojas é a transição de gerações.
A característica diferenciadora da transição geracional em
relação aos outros fatores de evolução de uma Loja é que, enquanto os demais
decorrem em harmoniosa, lenta e mesmo imperceptível, ou quase, mudança, aquela
propicia ou impõe uma potencial abrupta correção do paradigma da Loja.
A Loja consolida-se num grupo, mais homogêneo ou heterogêneo,
também em termos de idades. Cria os seus hábitos, as suas rotinas. Estabelece
os seus princípios e fixa os seus objetivos. Qualquer problema é resolvido
tendo em conta esses princípios, hábitos, rotinas e objetivos.
O padrão é harmonioso e durável. Até ao momento em que
porventura deixa de o ser... O que mudou? Em bom rigor, nada. Ou, se
preferirmos, tudo! O fator de mudança, de possível estabelecimento de crise, de
fixação de patamar a ser superado, de mudança a ser efetuada de forma mais
abrupta do que se estava habituado é bem conhecido de todos nós. Tão bem
conhecido, que até nos esquecemos dele: a passagem do tempo!
Num dado período, os problemas são resolvidos de determinada
forma e tudo vai bem. Mas, 25 a 35 anos passados, de repente verifica-se que os
problemas de agora são diferentes dos de antes, que a forma de lidar e
trabalhar da Loja, que antes foi eficaz, que ao longo do tempo foi
satisfatória, agora já não satisfaz.
Porventura os problemas são os mesmos ou de idêntica natureza,
mas agora se apresentam de forma diferente ou necessitam de uma diferente
rapidez na sua resolução. Ou a simples evolução do mundo e do ambiente social,
e das tecnologias, e da sociedade, tornam obsoletamente ineficaz o que antes
fora remédio acertado.
Em dado momento, com surpresa, a Loja apercebe-se que os seus
hábitos, as suas rotinas, as suas formas de lidar com as situações não obtêm já
os mesmos resultados positivos de anteriormente. No entanto, a evolução desde
há anos e anos foi harmoniosa. Muitos dos que ajudaram a estabelecer as
rotinas, os hábitos, os procedimentos, continuam a ser preciosos e respeitados
elementos da Loja.
Os que se lhes foram juntando integraram-se harmoniosamente e
foram dando a sua contribuição para a paulatina, normal e expectável evolução
da Loja. Nem sequer se pode, honestamente, dizer que se faz agora como se fazia
há 25 ou 35 anos.
Mudanças e evoluções naturais foram ocorrendo. Os mais novos
integraram-se no que os mais antigos construíram. Os mais antigos foram
evoluindo com os mais novos. Como se explica que se descubra agora um desfaçamento?
A resposta está na paulatina e imperturbável passagem do tempo e
na erosão que esta causa nas pessoas e nas estruturas. Aqueles que há 25 ou 35
anos foram os pilares da Loja hoje já não o são, já deram o lugar na primeira
fila a outros.
Onde antes decidiam e assumiam responsabilidades, agora assistem
e limitam-se a aconselhar. E, se não for assim, se o poder de decisão e de
execução ainda neles reside então o problema da Loja é bem pior!
Agora a Loja é dirigida por outra geração de homens bons que
pretendem tornar-se melhores. Utilizam as regras e os procedimentos que encontraram
que aprenderam que, aqui e ali, foram sendo naturalmente modificadas. Mas não
são as suas regras. São as que receberam.
Adaptaram-se a elas. Mas, em maior ou menor medida, a evolução
delas não logrou acompanhar a diferença que a sua geração faz em relação à
anterior, em sintonia com a evolução da Sociedade, do mundo e da técnica. Agora
são eles que dirigem, mas o volante e o assento não estão ergonomicamente
adaptados a si - ainda estão feitos à imagem e semelhança da geração anterior.
O problema é que a geração anterior ainda aí anda. E é
respeitável e respeitada. Afinal, tem muito mais anos disto do que a atual. E
criou e manteve as regras que serviram a Loja durante muitos anos. E pensa e
defende que o que antes foi bom para a Loja não há razão para não continuar a
ser bom agora.
O dilema é que agora a responsabilidade é de outra geração. Que
respeita e considera os mais antigos. Que compreende as regras que
estabeleceram e em que se integraram. Mas que não se sente já confortável
nelas. Sobretudo que vê não terem elas a mesma eficácia que tinham. Que
concluiu que alguma coisa tem de mudar para que a Loja possa continuar a ser
essencialmente a mesma auspiciosa realidade em que, gostosamente, entraram.
Que periodicamente esta questão se ponha na Loja não é nada de
admirar. É a vida a decorrer. Simplesmente. Por muito cordata e harmoniosamente
que se tenha processado a evolução, chega sempre um momento que não basta
evoluir, que há um degrau a vencer, uma mudança a fazer, em que a evolução em
tudo não chega em que se tem de inventar e fazer diferente e novo.
E em que convivem elementos que criaram o que há e a quem lhes
custa que se mude o que com eles resultou com novos obreiros que vêem que há
mudanças a fazer e têm a tendência de mudar tudo, por vezes pondo
desnecessariamente em causa algo que vem de trás.
A crise necessariamente que chega quando ocorre a transição
geracional. Para resolvê-la satisfatoriamente é imperioso que uns aceitem que
nem tudo o que com eles funcionou bem continua a ser suscetível de bem
continuar a funcionar e que os outros interiorizem que nem tudo o que vem de
trás está obsoleto e ultrapassado, que mudar não é fazer tábua rasa do que existe
antes aproveitar do que há o que é útil que continue modificar o que convenha
ser modificado e introduzir de novo o que seja útil que de novo se acrescente.
Com Sabedoria na atuação, Firmeza, que é Força, nas escolhas e
Elegância, que é Beleza, no trato, a Loja consciente do desafio enfrenta-o,
muda o que tem a mudar, conserva o que tem a conservar, honra os mais antigos
pelo que fizeram e continua a beneficiar da sua experiência e prossegue nas
novas bases que os novos tempos, os novos hábitos, as diferentes circunstâncias
aconselham.
A Loja que o não souber fazer inevitavelmente que definha,
declina, progressivamente vê as suas colunas minadas até ao momento em que elas
abatem.
A Loja que souber reconhecer a sua crise e as suas causas e lograr
efetuar as mudanças necessárias, sem ser contra ninguém, mas com todos
colaborando no essencial, essa, sim, fortalece-se e prossegue galhardamente...
por mais 25 ou 35 anos, até se voltar a pôr em causa e se reformular de novo.
O acadêmico Irmão americano estabeleceu isto. Mas - digam-me lá!
- bem vistas às coisas é ou não questão de simples bom senso?
Rui Bandeira