A INICIAÇÃO MAÇÔNICA: UMA ANÁLISE DA SUA MITOLOGIA POR MEIO DA JORNADA DO HERÓI


 

Introdução

Este estudo tem por objetivo analisar as influências arquetípicas e, consequentemente, mitológicas sobre a iniciação maçônica no Rito Escocês Antigo e Aceito, por intermédio da teoria conhecida por Jornada do Herói.

Muitos talvez possam julgar os rituais maçônicos como obsoletos sem sentido ou mesmo inúteis. Serão apontadas as evidências de que os rituais maçônicos e a mitologia que os estruturam têm forte efeito sobre o inconsciente dos seus praticantes (JUNG, 2005).

Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e todas essas, de uma forma ou de outra, podem ser encontradas em alguma medida, representadas nas alegorias maçônicas (MAXENCE, 2010).

Ao contrário da escola freudiana, que afirma que os mitos estão profundamente enraizados dentro de um complexo do inconsciente, para Jung, a origem atemporal dos mitos reside dentro de uma estrutura formal do inconsciente coletivo. Torna-se assim uma diferença considerável para Freud, que nunca reconheceu a autonomia congênita da mente e do inconsciente, enquanto que, para Jung havia uma dimensão coletiva inata e com autonomia energética.

As ideias apresentadas por Jung foram à base científica que o estudioso das Religiões e Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, adaptou para sustentar as similaridades existentes entre todas as religiões e mitologias da história. Tal conceito chamado anteriormente de “Monomito” [1] por Jaymes Joyce foi esmiuçado por Campbell, que mostrou todo o roteiro da manifestação arquetípica do herói, que se encontra presente na sociedade como um arquétipo do Inconsciente Coletivo (JUNG, 2005; JUNG, 2011a).

Desta forma, o presente estudo basear-se-á nos trabalhos de Campbell e Jung, analisando e comparando a iniciação maçônica sob a luz da jornada do herói. Compreende-se a validade e relevância de tal abordagem pelo fato da literatura maçônica publicada no Brasil privilegiar as interpretações ritualísticas que seguem um raciocínio estrito ao entendimento consciente dos seus ensinamentos morais (ISMAIL, 2012), desconsiderando os efeitos psicológicos produzidos pela prática ritualística (JUNG, 2005).

Depois do trabalho de psicanalistas que tanto utilizaram da mitologia para embasar os seus argumentos, como Sigmund Freud, Carl G. Jung, Wilhelm Stekel, Otto Rank, e muitos outros, os quais desenvolveram teorias substancialmente fundamentadas de interpretações de mitos, faz-se necessário explorar tais conhecimentos, empregando-os numa melhor compreensão dos rituais e, finalmente, da Maçonaria em si.

Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e muitas destas estão de alguma forma presentes nas alegorias maçônicas (MAXENCE, 2010), seja de forma direta ou indireta. Conquanto, neste estudo em particular, serão discutidas as semelhanças que há nos rituais maçônicos, em especial no de Iniciação do Rito Escocês Antigo e Aceito, as demais mitologias do mundo. Nas palavras ad-referendum do erudito norte americano, Joseph Campbell (2007):

A esperança que acalento é a de que um esclarecimento realizado em termos de comparação possa contribuir para a causa, talvez não tão perdida, das forças que atuam no mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de algum império político ou eclesiástico, mas com o objetivo de promover a mútua compreensão entre os seres humanos. Como nos dizem os Vedas: “A verdade é uma só, mas os sábios falam dela sob muitos nomes” (CAMPBELL, Herói de mil faces).

A Jornada Arquetípica do Herói na Mitologia Maçônica

Jornada do herói X Iniciação Maçônica

O intitulado “Herói” na análise psicológica da sua manifestação, pode ser compreendido como um arquétipo dentro da psique coletiva (JUNG, 1978). Para reforçar tal teoria, Campbell indica a sua representação nas mais conhecidas culturas e religiões ao redor da terra (CAMPBELL, 2007). Também poderemos encontrá-lo em ordens Iniciáticas como a Maçonaria.

Conforme o autor, o herói é encontrado essencialmente nas histórias de Atum, do Antigo Egito; de Marduk, dos Mistérios Sumerianos; de Apolo, Febo, Héracles, Dionísio e Orfeu, da Mitologia Greco-Romana; de Krishna, da Religião Hinduísta; de Baldur, dos Mistérios Nórdicos; de Amaterasu, na religião Xintoísta; de Oxalá, Oxalufã, e Oxaguiã, das Religiões Afro-brasileiras; de Rei Arthur, Galahad e Percival, na história mitológica do Santo Graal; na verídica história de Jacques DeMolay, nos Cavaleiros Templários; em Christian Rosenkreuz, nas Núpcias Alquímicas da Tradição Rosa Cruz; em vários heróis cinematográficos, como Luke Skywalker, Indiana Jones, James Bond, Superman, Harry Potter, Frodo Bolseiro e Aragorn; além de Jesus o Cristo, da Religião Cristã (DEL DEBBIO, 2008). Em todas estas histórias, encontram-se similaridades que podem ser compreendidas pelo conceito de Inconsciente Coletivo. Por fim, na Mitologia Maçônica tem-se a lenda de Hiram Abiff, mito este exclusivo da Maçonaria (STAVISH, 2011).

Embora a Mitologia Maçônica utilize do contexto contido no Antigo Testamento, pouco se tem no mito de conteúdo especificamente bíblico, haja visto que o enredo principal é composto por mitos elaborados. Mal grado, muitos são os maçons que insistem em fundamentar a maçonaria na bíblia, ou, pior ainda, fundamentar a história pela Maçonaria (ISMAIL, 2012). O maior exemplo de elaboração mítica na Maçonaria é a de Hiram Abiff, o protagonista da lenda do grau de Mestre Maçom. Não há, logicamente, registros históricos de tais eventos, e interpretá-los no sentido literal é um erro crasso, pois mitos devem ser interpretados, como já dito, de forma simbólica e não literal (CAMPBELL, 2002; CAMPBELL, 2008).

Conforme descreve Arthur E. Waite, em “A New Encyclopedia of Freemasonry”:

“A lenda do mestre construtor é a grande alegoria maçônica. Sucede que esta história figurativa se baseia num personagem mencionado nas sagradas escrituras, mas o pano de fundo histórico é acidental e não essencial, assim o importante é a alegoria e não um ponto histórico qualquer que esteja por trás dela” (1921, p.366-267)

O Monomito

Assim como a psique humana é dividida em três partes pela Psicologia Analítica, a Jornada do Herói também o é, podendo ser classificada como: a) separação ou partida; b) iniciação ou provas e vitórias; e c) o retorno (CAMPBELL, 2007). Este ternário constitui a base essencial do mito, bem como dos Rituais de Passagem (VAN GUENNEP, 2011). No que concerne a Iniciação Maçônica, essa pode perfeitamente ser enquadrada neste postulado, como o estudo demonstrará abaixo.

A teoria da Jornada do Herói teve por base a ideia do Monomito difundida por James Joyce, vindo a ser aperfeiçoada por Campbell pela associação com o conceito freudiano de forças do Inconsciente, alcançando a sua base científica com a psicologia analítica ou arquetípica de Jung, que propõe o conceito psicológico de Arquétipos e Inconsciente Coletivo. A estruturação dos Ritos de Passagem pelo antropólogo Arnold Van Guennep possibilitou a análise das diferentes fases da aventura do herói, bem como as diversas manifestações do mesmo, nas sociedades tribais (VAN GUENNEP, 2011).

Para tanto, será apresentada a constituição básica da Jornada do Herói, os seus significados psicológicos e antropológicos, que estão presentes em formas disfarçadas nos contos e mitos, além é claro, de exemplificar o contexto maçônico da mitologia, ideia central deste artigo.

Partida ou Separação: O chamado da aventura

Eu o proponho, na devida forma, como um candidato apropriado para os mistérios da Maçonaria. Eu o recomendo, como digno de compartilhar privilégios da Fraternidade, e, em consequência de uma declaração das suas intenções, feita de forma voluntária e devidamente atestada, eu acredito que ele seguirá estritamente em conformidade com as regras da Ordem (Illustrations of Masonry, PRESTON, 1867, p.26)

A primeira tarefa do herói, no caso maçônico, o candidato à iniciação, consiste em se retirar da cena mundana, do mundo comum, e iniciar uma jornada pelas regiões causais da psique (templo maçônico), onde residem efetivamente as dificuldades, para torná-las claras, conscientes e erradicá-las em favor de si mesmo (CAMPBELL, 2008). 

Normalmente apresenta-se um problema diante do herói a fim de convocá-lo a cumprir a sua missão, mas também poderá ocorrer um fator incisivo para o crescimento do herói, como curiosidade, sonhos ou desejos. Deste modo, conforme o procedimento maçônico padrão (PRESTON, 1867), o candidato é geralmente convidado a iniciar na Sublime Ordem. O convite parte do chamado no meio maçônico de padrinho, o qual figura a função de arauto. E na aceitação do convite reside o “chamado da aventura” (CAMPBELL, 2007), que, por outras palavras, é um sinal enviado pelo inconsciente.

A recusa do chamado

Tem-se sempre, tanto na vida real como nos contos mitológicos, o triste caso do chamado que não obtém resposta, havendo, pois, o desvio da atenção para outros interesses. A recusa à convocação acaba por aprisionar o herói mitológico, seja pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela ignorância. A recusa é uma negação à atitude de renunciar àquilo que a pessoa considera interesse próprio, e tal recusa caracteriza-se, essencialmente, pela identificação da pessoa [2] com o seu ego [3] o que acarretaria no conceito psicológico de Inflação (HALL; NORDBY, 2010).

Como exemplo, pode-se citar o caso da esposa de Ló, que se tornou uma estátua de sal por ter olhado para trás, desobedecendo assim à instrução recebida. A forte emoção que dominou Ló tornar-se-ia uma “recusa do chamado”, pois poderia efetivamente ter rompido com a jornada [4].

A recusa do chamado na maioria das vezes é representada pelo medo nas suas várias manifestações. É desta forma que, muitas vezes, ocorre a “recusa do chamado” na jornada maçônica. Se por algumas vezes o medo do desconhecido ou oculto impede candidatos de iniciar, outras vezes a própria cultura de certas sociedades trata de cumprir esta função.

O auxílio sobrenatural

Para aqueles que não recusam o chamado, o primeiro encontro da jornada do herói dá-se com uma figura protetora, que fornece ao candidato ajuda para protegê-lo na jornada que estará prestes a deparar-se.

As mitologias mais elevadas desenvolvem o papel na figura de uma espécie de guia ou de mestre. No mito grego esse guia é Hermes-Mercúrio, e no mito egípcio, a sua contraparte é Thoth. Nas tradições judaicas, Noé contou com uma pomba. Na mitologia cristã encontramos como guia o Espírito Santo (CAMPBELL, 2007).

Na iniciação pelo Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria, fica evidente a figura de auxílio na jornada na função do oficial chamado de Experto, que conduz o iniciando por caminhos escabrosos, porém, oferecendo-lhe a devida proteção: “Eu serei o vosso guia, tendes confiança em mim, e nada receeis”. A função do Experto durante a iniciação é conduzir o candidato, que estando privado de certas faculdades, necessita inexoravelmente do amparo do guia.

A passagem pelo primeiro limiar

Tendo resistido ao medo, muitas das vezes personificado como medo de morte, simbolizado no Rito Escocês pela passagem pela câmara de reflexões, o herói segue na sua aventura até chegar ao conhecido na Jornada do Herói por “guardião do limiar” (CAMPBELL, 2008). Entende-se psicologicamente pelo limiar como a passagem do consciente para o inconsciente, onde se entra num mundo de fantasias e imagens, semelhantes aos sonhos. Ou seja, um mundo mítico.

No âmbito mitológico, este primeiro limiar é representado pela presença de um guardião e o mesmo está associado, variavelmente, a um posto que pode ser uma porta, ponte ou lago, simbolizando o limiar. Isto posto, na Iniciação pelo Rito Escocês a passagem pelo primeiro limiar ocorre no momento em que o candidato é levado à porta do templo e recebido pelo Guarda do Templo, também chamado em algumas versões de rituais de Cobridor Externo. Após a sua passagem, ou seja, após ser franqueado o seu ingresso, o candidato passa a vivenciar uma nova e única experiência, simbolicamente sobrenatural.

Provações e testes: O ventre da baleia

A ideia de que a passagem pelo limiar é uma passagem para uma esfera de renascimento é simbolizada na imagem mundial do útero ou ventre da baleia. O herói é comumente jogado no desconhecido, dando a impressão de que morreu, ou, em alguns casos, é submetido a testes e provações, de forma que aprenda as regras deste novo mundo (CAMPBELL, 2007).

Como exemplo pode citar alguns contos, como do Chapeuzinho Vermelho, no qual ela é engolida pelo lobo. Da mesma forma, todo o panteão grego, exceto Zeus, foi engolido pelo pai Cronos. Já na Bíblia e no Alcorão encontramos Jonas, que é engolido por um peixe e passa três dias e três noites nas suas entranhas, e acaba por sair de lá vivo [5]. Arnold Van Guennep (2011), salienta que a morte momentânea ou aparente é tema principal das iniciações tribais.

Na jornada maçônica o iniciando é colocado à prova por testes simbólicos, para que coloque a mostra a sua coragem de forma a persistir na senda da virtude. Curioso que o ritual maçônico trata tais testes de forma a simbolicamente tentar afastar o candidato do seu caminho, como, por exemplo, fazendo-o seguir por “caminhos escabrosos”.

Provas e Vitórias: A Descida

Tendo sido vitorioso nos primeiros testes e provas, ao cruzar por completo o limiar, o herói caminha por uma paisagem onírica povoada por formas curiosamente fluidas e ambíguas, na qual deve sobreviver a uma sucessão de novas provas. O herói continua a ser auxiliado, de forma indireta, por Guias e Mestres. Porém, aos poucos ele percebe que existe um poder benigno, presente em toda a parte, que o sustenta na sua passagem sobre-humana (CAMPBELL, 2008).

Um mito interessante sobre este caminho de provas, e um dos mais antigos da história, é o registro sumeriano da descida ao mundo inferior pelos portais da metamorfose, pela deusa Inana. Tal mito era ritualisticamente praticado na antiguidade pelas Prostitutas Sagradas [6] (VAN GUENNEP, 2011), que foi profanado e hoje é categorizado como strip-tease e conhecido como a “Dança dos Sete Véus”. Muitas mitologias retratam neste momento uma descida ao submundo, quando na verdade, tal descida retrata a descida aos domínios da psique (CAMPBELL, 2002).

Estas novas provas, cada vez maiores em níveis, representam no processo iniciático maçônico a passagem pelos quatro elementos, onde o iniciando vivencia e supera, simbolicamente, os elementos. No passado, relatos indicam que os iniciandos de fato se colocavam à prova, seja de um incêndio, a nado, ou tempestade (LEVI, 2012).

Provação difícil ou traumática: O encontro com a Deusa

A aventura última, quando todas as barreiras foram vencidas, aparecerá como a experiência mais profunda e traumática do enredo mitológico. Normalmente é representado por uma morte efetiva e momentânea, ou mesmo por um renascimento miraculoso (CAMPBELL, 2007). Em diversos ritos maçônicos e em diferentes graus encontramos encenações de todo o tipo para representar esta etapa, seja por mais provas Iniciáticas ou por demonstrações fúnebres, funestas e sombrias, de forma que, pela última vez, é dada a chance ao iniciando de desistir da senda da virtude, rendendo-se ao medo. .

Sendo persistente, o iniciando compreende depois o sentido simbólico ou mesmo psicológico das suas provações e testes, e, no ápice da aventura, é apresentado diante da Deusa. Tal passagem costuma ser representada por um “Casamento Místico”, conhecido nos mitos por hierosgamos [7].

Em termos psicológicos tal casamento representa a união-conhecimento com a Anima ou Animus, contidos em contos da heroína. Esta união representa o chamado “Casamento Alquímico” dos Alquimistas, e retrata uma união indissolúvel entre o ouro e a prata, e, por outras palavras, o encontro do Cavaleiro com a Princesa, ou a descoberta do elixir da longa vida dos alquimistas (JUNG, 2012).

A mulher representa, na linguagem pictórica da mitologia, a totalidade do que pode ser conhecido, e o herói é aquele que a compreende. Segundo Jung, havendo o equilíbrio total na psique, atinge-se o si mesmo, ou seja, a totalidade do ser, torna-se consciente de todo o inconsciente (HALL; NORDBY, 2010). Na mitologia maçônica o iniciando, torna-se iniciado, havendo completado o processo que Jung chamou de processo de individuação (JUNG, 2012).

Sobre o encontro com a Deusa – fim do primeiro ciclo da Jornada Maçônica

O casamento, união – o supracitado conhecimento da Anima -, representa o domínio total da vida pelo herói. Na Mitologia Maçônica a mulher é o símbolo da Vida e o herói o seu conhecedor e mestre, ou, por outras palavras, a mulher é o templo e o herói o seu sacerdote. Daí que muitas representações de templo em culturas antigas são em forma de uma mulher grávida dando a luz (MURPHY, 2007), bem como de sempre se ter sacerdotes, e nunca sacerdotisas.

Assumindo o Templo Maçônico as características e conceitos de Anima, conforme esclarecido, o iniciando, após ter superado todos os testes e provações do processo iniciático da Maçonaria, recebe como prêmio da jornada o encontro com a Anima, que nada mais é do que, a “Luz da Maçonaria”, passando este a enxergar e conhecer o Templo Maçônico e comungar da sua Egrégora. Ele ganha também a sua completa liberdade, ficando livre da corda e aprendendo a sair e entrar na Loja na devida forma maçônica.

O encontro ou união com a Anima também pode ser chamado de “Encontro com a Verdade”, pois a totalidade do ser e o completo conhecimento do inconsciente, além de libertar, proporciona ao herói um conhecimento novo e inexplicável.

Os testes que o herói passou, preliminares das suas experiências e façanhas últimas, simbolizaram as crises de percepção por meio das quais a sua consciência foi amplificada e capacitada a enfrentar. Com isto, ele aprendeu que ele e a sua Deusa, ou ainda, Anima, são um só, pois se casaram-uniram. Por derradeiro, o seu destino é tornar-se o Mestre, que, variando de uma cultura para outra, pode ser um filósofo, ancião, líder político ou religioso, entre outros tipos. Já no caso maçônico, um Mestre Maçom, representante de Hiram Abiff.

Desmistificando a mitologia, percebemos que o mistério do universo é retratado como Deus. Se para o religioso o infinito é o Deus, para o ateu ou agnóstico, o infinito é o Universo e as suas infinitas manifestações. O ego torna-se a figura do herói, por isso quando se encontra com Deus-Deusa, ou seja, o seu próprio inconsciente, toma-se conhecimento de todo o universo ou infinito. O Eu Inconsciente em algumas passagens torna-se o velho sábio, que tudo sabe, e conhece as fraquezas e desejos reprimidos pelo o herói (JUNG, 2011).

Depois deste primeiro ciclo da Aventura do Herói – ou Jornada Maçônica – o herói ainda é levado a cumprir outros deveres no universo. Da mesma forma, o Maçom é instruído da existência de outros graus a serem galgados, onde se encontra a continuidade da Jornada Maçônica. Entretanto, dificilmente se tem um final para a mitologia como um todo, pois, conforme a própria dialética aristotélica, em todo fim acha-se um novo início (CAMPBELL, 2007). Tendo o final de cada grau maçônico como um novo começo, pode-se compreender que, por outras palavras, tornar feliz a humanidade é um processo relativamente infinito.

Conclusões a respeito de Mitologia e as razões deste estudo

Em síntese, a mitologia pode ser entendida, sob a óptica da Psicologia Junguiana, como um sonho grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas profundas da psique humana (JUNG, 1978). Já numa visão religiosa, a mitologia pode ser tida como a revelação de Deus aos seus filhos.

Tanto a mitologia, como os seus símbolos, são metáforas reveladoras do destino do homem, e, nas diversas culturas são retratadas de diferentes formas (CAMPBELL, 2007). A ideia central da mitologia é de que a mesma funciona como uma ferramenta para promover e entender a evolução psicológica do individuo, sendo essa a função principal do mito (CAMPBELL, 2008).

Em termos de interpretação psicológica da mitologia, sempre vamos encontrar como chave essencial a questão “Inconsciente = Reino metafísico”. Por outras palavras, “Porque eis que o reino de Deus está dentro de vós” [8]. Assim, a análise para toda questão mitológica, é o estudo da psique humana.

Em várias sociedades e cultos primitivos, a prática religiosa consistia em vivenciar a Mitologia de forma direta, pois o mito o estaria influenciando de forma indireta no decorrer das cerimônias, por intermédio do inconsciente. Assim, o crescimento e finalidade da Mitologia acontece de forma particular em cada um, como uma semente que aos poucos iria germinando (JUNG, 2005). A tradição maçônica conserva estes costumes como forma de instrução aos seus membros, sendo, portanto, herdeira pedagógica destas antigas culturas (BLAVATSKY, 2009). E ao estudarmos a Maçonaria, o seu ritual e simbologia, não podemos desconsiderar ou descartar este viés, sob o risco de abrirmos mão do real objetivo dos nossos rituais.

Rafhael Guimarães
Publicado originalmente na Revista Fraternitas in Praxis

Notas

[1] O termo “Monomito” é de autoria de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”.

[2] Em grego significa “máscara”.

[3] Na visão de Jung, Ego é o nome dado à organização da mente consciente, constituindo-se de percepções conscientes, de recordações, pensamentos e sentimentos. A menos que o Ego reconheça tais percepções elas não chegariam à nossa consciência. Tais reconhecimentos do Ego são estabelecidos pela função dominante de cada pessoa (sensibilidade, objetividade, etc.). Uma forte experiência pode forçar entrada pelo ego ocasionando graves consequências (traumas). O Ego passa à falsa ideia de que ele é, essencialmente, a nossa inteira consciência, ou melhor, a nossa Psique como um todo. (HALL; NORDBY, 2010)

[4] Gêneses 19:26: “E a mulher de Ló, olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal.”

[5] Jonas 1:17: “O Senhor fez que ali se encontrasse um grande peixe para engolir Jonas, e este esteve três dias e três noites no ventre do peixe.”

[6] O termo Prostituta possuía outro significado diferente do que hoje é associado. Significava “aquelas que se prostram”, em referência à Deusa ao qual elas eram oferecidas e se tornavam sacerdotisas.

[7] Significa “Casamento Sagrado” e se refere à cópula de um deus ou homem com uma deusa ou mulher.

[8] Lucas 17:21.

Bibliografia

BLAVATSKY, HELENA P. O ocultismo prático e as origens do ritual na Igreja e na Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2009.

CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensamento, 2007.

CAMPBELL, Joseph. Isto és Tu. São Paulo: Landy Editora, 2002.

CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação. São Paulo: Ed. Ágora,

DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo: Daemon Editora, 2008.

HALL, Calvin S.; NORDBY, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana. São Paulo: Cultrix, 2010.

ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.

JUNG, Carl Gustav. Interpretação psicológica do Dogma da Trindade. Rio de Janeiro: Vozes, 2011 a.

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Rio de Janeiro: Vozes, 2011b.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 1978.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Rio de Janeiro: Vozes, 2011c.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos e interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Vozes, 2011d.

LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. 20ª Edição. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2012.

MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2010.

MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São Paulo: Pensamento, 2007.

PRESTON, William. Illustrations of Masonry. New York: Masonic Publishing and Manufacturing Co., 1867.

STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2011.

VAN GUENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.

WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of Freemasonry, 2 vols. Londres: William Rider and Son Limited, 1921.

 

A MAÇONARIA É ESSENCIAL?



 “A anti-fragilidade é uma propriedade essencial dos sistemas para reagir em resultado de stress, choques, volatilidade, ruído, erros, falhas, ataques ou falhas”.

Num artigo da revista Southern California Research Lodge Fraternal Review, o irmão Angel Millar perguntou se a Maçonaria era anti frágil. Se for, esta crise será talvez o melhor teste à sua resiliência.

Costumamos falar sobre grandes maçons. Muitas vezes perguntamos onde estão os grandes maçons hoje? Quando tudo acabar, teremos feito a nossa parte? É este o momento em que esses grandes homens emergem? Neste momento de desafio, sucumbiremos às nossas paixões básicas, descansaremos sobre os louros ou exemplificaremos os valores que tanto prezamos?

O general George Patton fez um discurso ao Terceiro Exército, que pode ser extremamente relevante para a nossa situação atual.

No discurso, ele falou sobre todos os homens fazerem a sua parte, seja como motoristas de caminhão ou especialistas em manutenção de telégrafos. No final do discurso, ele disse:

“Então, há uma coisa que vocês, homens, poderão dizer quando a guerra terminar e voltarem para casa. Daqui a trinta anos, quando estiverem sentados ao lado da lareira, com o neto no joelho, e ele perguntar: “O que é que você fez na grande Segunda Guerra Mundial? Você não terá que tossir e dizer: “Bem, o seu avô cavou merda na Louisiana’. Não, senhor, você poderá olhá-lo nos olhos e dizer: ‘Filho, o seu avô cavalgou com o grande Terceiro Exército e um filho da puta chamado George Patton!“

Estamos todos orgulhosos de ver o Irmão Oscar Alleyne, 2º Grande Vigilante de Nova York, a fazer a sua parte. Estamos cientes de que muitos outros também estão a fazer a sua parte. Muitos de nós somos considerados essenciais de uma maneira ou de outra.

A situação atual global faz-me pensar sobre se a Maçonaria é essencial. Por Maçonaria, não quero dizer apenas a estrutura; Quero dizer o modo de vida. E eu respondo que é essencial, ou pelo menos que deveria ser.

Se a Maçonaria é essencial ou não, não depende dos nossos líderes eleitos. Depende de nós, individual e organizacionalmente. O que estamos fazendo ou o que podemos fazer para garantir que nós, como maçons, façamos a nossa parte?

Os nossos líderes estaduais e federais forneceram-nos listas de atividades essenciais. A “Maçonaria” não está nelas. Deixe isso repousar por um minuto. Pode ser a lição mais importante que aprendemos na nossa geração maçônica.

Se quisermos sobreviver, devemos deixar de ser triviais. Se vamos prosperar, devemos fazer algo essencial. A “Maçonaria” pode não estar nessas listas, mas há bastante que está. Essas listas não são uma imposição sobre as nossas liberdades; elas são um convite para agir. Faça máscaras, hospede angariadores de fundos on-line para bancos de alimentos, ajude a apoiar aqueles que estão a trabalhar hora extra para fornecer serviços essenciais.

Se prosperarmos ou não, está totalmente dependente de se agimos ou não. Daqui a trinta anos, o que diremos aos nossos netos quando eles se sentarem nos nossos joelhos? Para mim e tenho certeza de que muitos de vocês, não vamos querer dizer que cavamos merda na Louisiana. Não, eu quero olhá-los diretamente nos olhos e dizer que eu era um Maçom, e que nós fizemos a nossa parte.

É hora de pegar nas nossas ferramentas e começar a trabalhar.

Michael Jarzabek

O DESAFIO DE CONSTRUIR A PRÓXIMA GERAÇÃO DE MAÇONS


 

Escrevi muito sobre Maçons famosos ao longo dos anos. Passaram pela nossa Fraternidade um número tremendo de indivíduos verdadeiramente notáveis ​​ao longo da sua longa história. Estudei muitos dos homens mais notáveis ​​da nossa Fraternidade.

A Maçonaria não pode receber todo o crédito pelos atributos de muitos desses homens notáveis. Muitos deles eram notáveis ​​muito antes de baterem à porta de uma Loja Maçônica, mas a Loja Maçônica certamente focalizou muitos destes homens e deu-lhes as competências que faltavam para alcançar os objetivos que estabeleceram para si próprios.

 Muitos homens famosos e não tão famosos adquiriram valiosas competências em liderança, desenvolvimento de caráter, moral e ética.

A Maçonaria serviu de trampolim para muitos encontrarem o seu propósito e o seu verdadeiro chamado na vida. Isto foi certamente verdade para mim.

A Maçonaria tem sido uma fonte de aprendizagem para mim. Ao longo da minha vida adulta, a Bíblia foi sempre o meu “livro de cabeceira”, mas a Maçonaria funcionou e funciona como o meu “laboratório de aprendizagem”.

Aprendi a organizar uma reunião. Aprendi como aplicar recursos mínimos para obter o máximo impacto. Aprendi a relacionar-me e a fazer networking. Ganhei competências de liderança e de discurso. O mais importante é que consegui polir alguns aspectos do meu caráter e personalidade, através dos ensinamentos da Maçonaria e da minha associação com homens que possuíam as competências que me faltavam.

Eu não sou a mesma pessoa que era, e também não acho que já aprendi tudo. A Maçonaria levou-me por um caminho que eu nunca pensei que faria, e mudou-me de uma forma que nunca pensei ser possível. No último ano ou dois, esse caminho levou-me a outra bifurcação na estrada – outra das aventuras da vida que estou prestes a embarcar e que nunca teria encontrado se não fosse pelos benefícios que obtive com a minha Fraternidade.

 A Maçonaria ensinou-me o que é possível. O que é possível como indivíduos. O que é possível como um pequeno grupo. O que é possível como comunidade.

E eu sinto que estou apenas a começar. Como os maçons aprendem, somos um projeto que nunca termina – uma pedra que nunca está verdadeiramente aperfeiçoada na Terra, mas que, no entanto, continuamos a trabalhar até ao dia final.

Entendi! Aprendi bem, aproveitei bem as lições oferecidas e apliquei-as à minha vida. É disto que se trata.

Sei que muitos dos meus irmãos tiveram esta mesma experiência porque conversamos bastante sobre isto. E todos nós parecemos ter a mesma preocupação com o futuro. Que os homens que estamos a criar hoje na nossa Loja não estão a receber a mesma qualidade de orientação que nós tivemos quando entramos. Afastamo-nos de ensinar Maçonaria e de aplicar a Maçonaria.

Não estamos a conseguir transformar os nossos novos membros nos líderes de amanhã. E na última década, aqueles homens que criados e que falhamos ao ensinar, subiram na hierarquia sem o benefício de realmente entenderem o que é realmente a Fraternidade.

Eu estava a conversar com um Maçom há alguns meses e ele fez uma observação interessante. Ele disse que a Maçonaria é construída sobre um conjunto de princípios morais e éticos, assim como uma igreja é construída sobre a Bíblia. Então perguntou o que aconteceria se tirasse a Bíblia da igreja. E tivemos uma longa e esclarecedora conversa sobre quais seriam os resultados disso.

Bem, reunir-nos-íamos todas as semanas para uma sessão. Provavelmente executaríamos o ritual da mesma forma de sempre, embora tivéssemos esquecido por que o fazíamos assim. Se estivermos com pressa, podemos até saltar partes do ritual. Poderíamos cantar um pouco ou ouvir as últimas.

Talvez conversar sobre pessoas doentes ou necessitadas e organizar uma coleta. Almoçaríamos depois. Os membros começariam a diminuir porque perceberiam que não tiravam muito proveito do culto a não ser ouvir anúncios e colocar a esmola no prato todas as semanas.

Alguns dos membros mais velhos encontrariam outros lugares para ir, porque se lembravam do que era a igreja. O próximo passo sabe seria o dinheiro passar a ser um problema e os bancos da igreja ficarem cada semana mais vazios.

 A direção da igreja ficaria certamente muito preocupada. Alguns poderiam até sugerir que voltássemos a ensinar a Bíblia, pois foi assim que a igreja foi construída originalmente, mas a maioria diria que os novos membros que aderiram desde que deixaram de ensinar a Bíblia não têm interesse em aprender aquelas escrituras antigas – eles aderiram pela camaradagem e pela angariação de fundos. Então, o que fariam para atrair novos membros? Talvez planeassem um passeio de golfe ou uma noite de cinema. E dinheiro? Temos aquele bom salão e a cozinha. Talvez devêssemos criar um café da manhã com panquecas. . . ou um peixe frito.

Soa familiar? Isto é apenas um exemplo – a Maçonaria não é uma igreja, mas seria a mesma história com qualquer organização construída com um objetivo central. E se a Liga Contra o Cancro deixasse de financiar a pesquisa do cancro. Ou a Protetora dos Animais se desinteressasse da gestão de abrigos de animais.

A Maçonaria é uma organização construída com um propósito. . . uma missão. Mas em muitos locais, afastarmo-nos desse objetivo, que é construir homens fortes. Homens de caráter. Homens com fortes valores morais e éticos.

Quando se tira o objetivo principal de uma organização, tudo o que resta é uma sala de reuniões vazia, cheia de cadeiras vazias.

Devemos voltar ao que realmente somos.

Todd E. Creason

Tradução de António Jorge

 

QUANDO É QUE UM HOMEM É UM MAÇOM?


 

Quando entrei para a Loja Valley of Danville, em Illinois, há 23 anos, feitos em 22 de Março passado, cada membro da minha classe recebeu um livro – Os Construtores (The Builders), de Joseph Fort Newton. Eu nunca li este livro na totalidade, mas li uma boa parte dele ao longo dos anos e diria que ajudou a moldar o que penso da Maçonaria e o que significa ser Maçom. Ao longo dos anos, ocasionalmente visitei as suas páginas para aprender, reaprender e refletir, e para me refocar, quando necessário.

No mês passado, o nosso país, as nossas comunidades, a nossa fraternidade e, de fato, cada um de nós entrou num momento de crise. Esta mudança, para a maioria de nós, foi relativamente abrupta e chocante.

Muitos de nós não pensamos seriamente numa crise como a COVID 19, nem em como lhe responderíamos e às mudanças que ela provocou. As crises geralmente trazem o melhor e o pior das pessoas. Sei disto porque vivenciei crises várias vezes na vida e sei que isso trouxe à tona o melhor e o pior de mim e dos que por elas passaram, comigo.

Esta crise não se mostrou diferente. Sem reuniões para ir, senti uma espécie de letargia maçônica. O meu tempo nesta Primavera teria sido principalmente preenchido com a preparação, a aprendizagem e a reaprendizagem de peças para diferentes graus de Lojas e dos Corpos Rituais.

Sinto-me aliviado por não ter que fazer isto, mas aprender e reaprender também são uma das maneiras pelas quais me imerjo na reflexão sobre o significado dessas Lojas e graus específicos. É também assim que me encontro e me conecto com os meus Irmãos.

Sem esta reflexão e conexão, senti o meu espírito maçônico a atrofiar-se. Pior ainda, na maior parte do tempo que eu passaria aprendendo e refletindo com meus irmãos, preenchi-o online e no Face book. Não me interpretem mal; Eu acho que o Face book pode ser uma maneira fantástica de se comunicar. Já o vi usado por muitas pessoas, organizações e irmãos para espalhar mensagens que elevam e alimentam o nosso espírito – o melhor das pessoas.

Infelizmente, eu também já vi isto ser usado por pessoas, organizações e até irmãos para espalhar mensagens que não têm verdade, que denigrem e zombam daqueles com quem discordam que ameaçam a violência e que incentivam a mentalidade de que “os outros” são menos que humanos. O pior das pessoas. Pior do que isto, porém, é o que testemunhar este pior nos outros traz à tona em mim. Eu senti-me desprezando os outros que postam ou gostam de coisas que eu discordo. Eu vi-me a querer partilhar esse desdém – enfrentar a ação adversa com a mesma ação adversa, em vez de bondade. Eu sabia que precisava mudar.

E foi assim que me sentei para ler uma parte do The Builders neste fim de semana. Diferentemente de outras vezes em que abri este livro, eu realmente não sabia que parte dele queria ler. Eu sabia que queria encher minha mente com aquilo que elevaria a minha alma e me colocaria no caminho certo novamente, mas não tinha certeza de onde encontraria isso, então decidi começar do princípio.

Eu não fui longe. Folheei a página de título, o conteúdo e a lista de ilustrações e cheguei ao Prefácio. Lá, o falecido Francis G. Paul, 33° (Past Sovereign Grand Commander de NMJ e autor do Prefácio na minha edição do livro), leva-nos ao ensaio de Newton: “Quando é que um homem é um Maçom?” que conclui o livro.

Quando lá fui, encontrei o seguinte:

“Quando é que um homem é Maçom? Quando ele pode contemplar os rios, as colinas e o horizonte distante com um profundo senso da sua própria pequenez no vasto esquema das coisas, e ainda ter fé, esperança e coragem – o que é a raiz de toda a virtude: quando ele sabe que, no fundo do seu coração, todo homem é tão nobre, vil, divino, diabólico e tão solitário quanto ele próprio, e procura conhecer, perdoar e amar o próximo. Quando ele sabe simpatizar com os homens nas suas tristezas, e sim, mesmo nos seus pecados – sabendo que cada homem luta duramente contra muitas probabilidades. Quando ele aprendeu a fazer amigos e a mantê-los, e acima de tudo como mantê-los consigo. Quando ele adora flores, pode caçar pássaros sem uma arma e sente a emoção de uma velha alegria esquecida quando ouve o riso de uma criança pequena. Quando ele pode ser feliz e ter uma mente altiva no meio das piores coisas da vida. Quando as árvores coroadas de estrelas e o brilho da luz do sol nas águas correntes o subjugam como o pensamento de alguém muito amado e já morto. Quando nenhuma voz de angústia atinge os seus ouvidos em vão, e nenhuma mão procura a sua ajuda sem resposta. Quando ele encontra o bem em toda fé que ajuda qualquer homem a se apossar das coisas divinas e vê significados majestosos na vida, qualquer que seja o nome dessa fé. Quando ele pode olhar para uma poça de beira de estrada e ver algo além da lama, e para o rosto do companheiro mortal mais abandonado e ver algo além do pecado. Quando ele sabe orar, como amar, como ter esperança. Quando ele mantiver a fé em si mesmo, no seu próximo e no seu Deus; em suas mãos uma espada para o mal, no seu coração uma alegria, por viver, mas sem medo de morrer! Um homem assim encontrou o único segredo real da Maçonaria e o que ela está a tentar dar a todo o mundo“.

Este é um belo ensaio que merece ampla reflexão, mas uma frase realmente me prendeu esta noite.

Quando é que um homem é Maçom? Quando ele sabe que no seu coração todo o homem é tão nobre, tão vil, tão divino, diabólico e tão solitário quanto ele próprio, e procura saber, perdoar e amar o próximo.

Quantas vezes eu me esqueço desta simples verdade. Sou, e todos somos os melhores e os piores, os nobres e os vis, os divinos e os diabólicos. Sabendo disto, o meu dever, propósito e razão de ser Maçom é continuar a procurar conhecer, amar e perdoar o meu próximo.

Quando eu puder fazer isto, quando puder ver o nobre e o divino nos outros, mesmo quando for mais vil e diabólico, eu observá-los-ei com olhos divinos – vendo-os da maneira que Deus os vê – dignos da minha bondade, respeito, carinho e amor. É isto que tenho a promessa de fazer pelos meus Irmãos e por toda a Humanidade. Espero que os meus irmãos olhem para mim com a mesma tolerância.

Brian L. Pettice

Tradução de António Jorge

Fonte

Midnight Freemasons

O MAÇOM E A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


 

Este trabalho tem por objetivo promover reflexões a respeito da participação política de maçons. Inicia pela análise da evolução histórica do Sistema Sócio Político em que vivemos e seus subsistemas: estado, mercado e sociedade civil. 

Na sequência propõem-se uma análise sobre o funcionamento desse Sistema e sobre  o papel e a responsabilidade de cada um na busca da Ordem e do Progresso, considerando nossos compromissos como maçons.

No final, após analisar-se as formas de participações políticas se propõe maior atuação da Maçonaria, por meio dos maçons que integram todos os seguimentos, tanto governamentais, quanto empresariais ou da sociedade civil, sugerindo-se o que fazer e como fazer.

O criador da Sociologia, Augusto Comte, escreveu no início do século XIX, que a humanidade vive, naturalmente, numa “espiral de progresso inexorável”, passando por períodos de ordem e de desordem,  referindo três males que concorrem para a desordem: a miséria, a ociosidade e a ignorância (COMTE, 1891).

Estas constatações de Comte, ocorridas há cerca de duzentos anos, são absolutamente atuais. De tempos em tempos ocorrem grandes revoluções que determinam mudanças de paradigmas no modo de vida das pessoas, determinando alterações profundas nas relações sociais, civis, comerciais e políticas.

Fazendo uma análise sobre o Brasil e demais países democráticos nos últimos três séculos constatamos, com base na ciência política, que houve três grandes revoluções que nos conduziram a atual situação social e política.

A primeira foi a revolução democrática, desencadeada na França, no ano de 1789. Essa revolução iniciou a ruptura com os governos totalitários e o começo de uma nova era em termos de direitos políticos, civis e sociais.

Desde lá, gradualmente, mais nações se tornaram democráticas podendo seu povo escolher seus dirigentes e, também, se candidatar aos cargos de gestão das nações, dando origem pela sua evolução, ao estado democrático que temos hoje em boa parte dos países do mundo. Com os direitos civis se pode passar a empreender, criar sociedades empresarias e organizações da sociedade civil. A normatização dos direitos sociais determinaram ao Estado a obrigação de garantir a dignidade para as pessoas, assegurando alimentação, educação, saúde e segurança, por exemplo.

A segunda foi a revolução industrial, com centro na Inglaterra no início do século XIX e foi marcada pelo uso de tecnologia para produção de bens em série, que permitiu o desenvolvimento da economia e dos negócios de forma apartada do governo, originando o mundo do comércio de bens e serviços que evoluiu para o subsistema mercado como temos hoje.

A terceira revolução foi nominada como Revolução Educacional e ocorreu de forma simultânea na Europa e na América, na primeira metade do século passado. Foi marcada pela proliferação de escolas e universidades o que favoreceu a igualdade de oportunidades de acesso ao conhecimento.

Até então, só filhos de nobres e de famílias abastadas poderiam acessar às universidades. O conhecimento provocou o despertar dos cidadão para o fato de que cada ser humano, antes de ser membro do subsistema governo ou ter um papel no mercado, é um membro permanente e natural do subsistema que se passou a chamar de sociedade civil  (COHEN e ARATO, 1992).

O acesso ao conhecimento fez com que fosse percebido que a participação política de todos os cidadãos é fundamental e que a soberania no sistema sócio-políticos, composto pelos três subsistemas (Estado, mercado e sociedade civil) deveria ser deslocada do Estado para a Sociedade civil.

Assim, na década de 70 do século passado iniciou-se um movimento por participação do povo no acompanhamento das ações do Estado. O Governo Inglês criou mecanismos de transparência e participação no controle social do governo (PARRY, MOYSER E DAY, 1992).

No Brasil essa abertura para a transparência e participação começou a ocorrer a partir da elaboração do nosso novo contrato político-social, a Constituição de 1988. Desde então, além das regras constitucionais, temos  leis complementares à Constituição que nos conferem a base do direito para a participação plena no acompanhamento das ações de governo,  como, por exemplo, Lei de Improbidade Administrativa de 1993; Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e Lei da Transparência do ano de 2011, para ficar nestas três.

Pelo exposto até agora se comprova que na espiral ascendente do progresso da humanidade, hoje temos todas as condições no Brasil e nos países democráticos, em especial condições legais, de exercer a soberania social sobre o Estado. Se ainda não exercemos na plenitude é porque não temos, educação, discernimento, cultura ou vontade para fazê-lo.

Começamos então a tratar do objetivo específico desta apresentação que diz respeito à participação política do Maçom: se a maçonaria congrega homens livres e de bons costumes, que estudam, pregam e cultuam os mais nobres princípios e valores em suas oficinas; se o objetivo principal da maçonaria é tornar feliz a humanidade; se simbolicamente enterram-se os vícios em masmorras e combatem-se as tiranias, a ignorância, os preconceitos, os erros e erigem-se monumentos às virtudes; se temos exemplos de fatos históricos nos quais maçons estiveram na vanguarda desses acontecimentos, como a Independência do Estado Unidos, a Revolução Francesa, a independência do Brasil, a Revolução Farroupilha, a proclamação da nossa República e tantos outros legados, que nos foram deixados pelas gerações de maçons que fizeram história.

Então, temos grande responsabilidade e um chamado muito forte para agirmos, no sentido de fazermos a nossa parte na história e deixarmos o nosso legado.

Reflitamos sobre as causas da desordem social (miséria, ociosidade e ignorância) e como se combatem essas causas. Além das três causas elencadas por Comte, ainda há uma quarta causa, a indiferença.

A responsabilidade primária desse combate é do Estado, com os recursos que colocamos a disposição por meio dos tributos que pagamos. Assim o Estado tem obrigação de prover meios para diminuir a miséria, fomentar o desenvolvimento econômico para diminuir o desemprego e proporcionar educação de qualidade e gratuita para quem não pode pagar escolas e universidades.

Perguntamos-nos, então, se estamos satisfeitos com a carga tributária, com os serviços públicos, com nível de desemprego, com sistema de saúde, de educação, etc.? Certamente a maioria das pessoas consultadas dirão que não estão satisfeitas. Então surgirão outras duas perguntas: O que fazer e como fazer?

As respostas são relativamente simples: O que fazer: combater as causas da desordem social (miséria, ociosidade, ignorância e, principalmente a indiferença, que depende só de nós). Como fazer:  por meio da participação política.

Essa participação pode ser feita em, pelo menos, dois universos distintos:

1) A política partidária: se não por outras, pela singela razão de que não há regime democrático no mundo, sem partidos políticos. E, ainda, pelo fato de todas as normas que sujeitam a sociedade – constituições, leis complementares e ordinárias, decretos, instruções normativas, ordens de serviços, portarias - provêm de decisões de políticos eleitos ou de autoridades por estes nomeadas, integrantes de partidos políticos. A estrutura de organização do Estado democrático está calcada na política partidária. A ordem ou a desordem social, assim como a qualidade dos serviços públicos são resultados de ações ou omissões de políticos pertencentes a partidos. A relação entre a boa política e a má política é razão direta da proporção de bons e maus cidadãos atuando nos partidos. Quanto mais homens éticos, justos, livres e de bons costumes se dispuserem a participar na política partidária (em todos os partidos políticos, independente de ideologia), a probabilidade de termos em execução a boa política será maior. Quanto mais maçons na política, menos espaços políticos para tiranos, aproveitadores e corruptos. Aqui se fala em MAÇONS de fato, com letras maiúsculas. Maçons políticos e não políticos maçons.

2) Em políticas sociais por meio de ações individuais ou coletivas numa gama enorme de organizações que se ocupam de atividades filantrópicas, beneficentes ligadas a causas sociais. Ou por meio de organizações que se ocupam de acompanhar o emprego do orçamento público, como os Observatórios Sociais da Gestão Publica.

Aqui cabem, por oportunas, três citações interessantes: a primeira é de Freud, em estudo de COUTO (2004): “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?”; A segunda é de Rousseau, na introdução da Obra – O Contrato Social: “Por frágil que seja minha influência, o direito de votar impõem-me o dever de instruir-me a respeito dos negócios públicos” (ROUSSEAU, 2001); e a terceira, muito conhecida, é atribuída a Platão: “O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”.

Por todo o exposto, conclui-se que, como maçons, de forma individual, mas coordenada, uma vez que estamos em todos os seguimentos sociais, em todas as profissões, em todas as organizações econômicas, sociais e governamentais, podemos fazer mais e fazer muito pela Nação Brasileira, pela sociedade e indiretamente por nossa família e por nós mesmos.

A exemplo de nossos precursores na maçonaria devemos agir politicamente, única forma de influirmos eficazmente no sistema sócio político numa democracia. Assim, teremos êxito no nosso propósito de tornar feliz a humanidade, pela ordem social que trará o progresso econômico, o bem estar e a felicidade do nosso povo.

 Pedro Gabril Kenne da Silva

BIBLIOGRAFIA

ARATO, Andrew; COHEN, Jean. Sociedade civil e teoria social. In: AVRITZER, Leonardo (Coordenador). Sociedade Civil e Democratização. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1994. 

COMTE, Augusto; Opúsculos de Filosofia Social. Porto Alegre: Globo Graphica e Editora, 1891. 

COUTO, Luís Flavio S.; Dora, uma Experiência Dialética. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica. vol.7 no.2 Rio de Janeiro July/Dec. 2004 <> Versão digital:

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982004000200006 

PARRY, Geraint; MOYSER, George; DAY, Neil. Political Participation and democracy in Britain. Cambrige: Cambrige University Press, 1992. 

ROSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Coleção A Obra Prima de cada Autor – São Paulo: Ed. Martin Claret, 2001.

[1] M I  da A R L S Phoenix nº 70, vinculada à Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul – PORTO ALEGRE/RS – BRASIL.  Membro da Academia Maçônica de Letras Sul-Rio-Grandense – ACADESUL. Cadeira 25.

 

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