DE VOLTA À ESCADA E À ABÓBODA DO TEMPLO


Durante minhas andanças e pesquisas sobre a História das Grandes Lojas, encontrei os raríssimos rituais editados em 1928 pelaTypographia “Delta, propriedade da Sociedade Anonyma Astréa, Rua Dias da Cruz, 123-A – Rio. Esses rituais foram registrados na Bibliotheca Nacional para "garantia dos direitos autoraes, de accôrdo com os dispositivos do Codigo Civil", segundo consta, na grafia da época, página 2 do referido volume reeditado em 1943. 

Eis que, 'não mais que de repente', topei com uma descrição do Templo segundo nossos fundadores, que transcrevo em grafia atualizada:

O teto do Templo representa o céu. Do lado do Oriente, um pouco por cima do Altar do 1º Vigilante, a Lua e do 2º Vigilante uma Estrela de cinco pontas. Estes emblemas, pintados ou em relevo, poderão ficar pendentes do teto. No centro do teto, três estrelas da constelação Órion. Entre estas e o nordeste, ficam as Plêiades, Híadas e Aldebaran. A meio caminho, entre Órion e o nordeste, Regulus da constelação do Leão; ao norte, a Ursa Maior; a nordeste Arturus (em vermelho); a leste, a Spica, da Virgem; a oeste, Antares; ao sul, Fomalhaut.

No Oriente, Júpiter; no Ocidente, Vênus; Mercúrio junto ao Sol, e Saturno, com seus satélites, próximo a Órion As estrelas principais são 3 de Órion, 5 Hiadas e 7 das Plêiades e da Ursa Maior. As estrelas, chamadas reais, são: Aldebaran, Arturus, Régulus, Antares e Fomalhaut”.
Vamos por partes:

1) A CONSTELAÇÃO ÓRION é fácil de ser contemplada a olho nu, pois dentre as estrelas que a compõem, destacam-se Mintaka, Alnilam e Alnitak, popularmente conhecidas como "As Três Marias", que formam o cinturão de Órion no centro desta constelação.

2) As PLÊIADES são um grupo de estrelas na constelação do Touro, visíveis a olho nu nos dois hemisférios.

3) As HÍADES (ou Híadas) são um aglomerado estelar também localizado na constelação de Touro.  

4) ALDEBARAN é a estrela mais brilhante da constelação Touro.

5) REGULUS é a estrela mais brilhante da constelação de Leão.

6) A URSA MAIOR é uma grande constelação do hemisfério celestial norte.

7) ARTURUS, ARTURO, ARCTURO ou ARCTURUS é a estrela mais brilhante da constelação do Boieiro e a quarta estrela mais brilhante no céu noturno. O Boieiro (Boötes ou Boo) é uma constelação do hemisfério celestial norte.

8) ESPIGA ou SPICA é uma estrela da constelação de Virgem, a décima quinta mais brilhante do céu, e todos os maçons sabem (ou deveriam saber) o motivo de ela estar representada na abóboda.

9) ANTARES é a estrela gigante vermelha na constelação de Escorpião, a décima sexta estrela mais brilhante do céu noturno.

10) FOMALHAUT é a estrela mais brilhante da constelação de Peixe Austral (Piscis Austrinus), uma das quatro estrelas reais dos persas juntamente com Antares, Aldebaran e Regulus já citados anteriormente (e aqui está outro significado velado pelo símbolo na Abóbada dos Templos Maçônicos). QUE ME CORRIJAM OS ASTRÔNOMOS ONDE EU ESTIVER ENGANADO.

Os Planetas da abóboda citados no Ritual são Mercúrio, Vênus, Júpiter e Saturno.
O Sol (estrela) e a Lua (satélite da Terra) são considerados "planetas" de acordo com os ensinamentos tradicionais oriundos da mitologia grega. 

Dito isto, não aconselho consultarem um astrólogo sobre a abóboda do Templo Maçônico, pois eles confundirão ainda mais nossas cabeças. Prefiro recorrer aos professores dos cursos de extensão ou iniciação à Astronomia ministrados nas várias Universidades do país. Sempre que não sei alguma coisa, vou perguntar a quem sabe.

Escrever ou pronunciar palestras sobre devaneios oníricos ocorridos nas as noites de verão só fica bem no "Midsummer Night's Dream" de Shakespeare. Em se tratando do Universo infinito, nossa ignorância é mais infinita ainda: quanto menos chute, melhor - ou as chuteiras entrarão em órbita.

Depreende-se dos textos do Ritual antigo que as únicas coisas que “poderão ficar pendentes do teto” são a Lua e uma estrela de cinco pontas, podendo ainda ser pintados ou em relevo. Em lugar algum encontrei, até agora, um documento que abone a prática (felizmente extinta) de se pendurar uma escada no centro da abóboda.

A escada do painel, que de forma alguma deve constar da decoração das Lojas, é uma alegoria referente à elevação moral do homem, e não à caminhada em direção à morada do Altíssimo ou ao Grau 33. Acrescento estas informações para aqueles que não leram meu artigo anterior e atendendo ao pedido de leitores sobre a decoração do Templo.

Ressalto o seguinte: os painéis dos Graus são instruções em forma de desenhos. Nem tudo o que está desenhado lá é para ser reproduzido na decoração do Templo. Se um dia toparmos com janelas desenhadas em painéis (ver as lustrações), ou determinado tipo de planta, isso não significa que tenhamos de quebrar as paredes do Oriente, do Sul e do Ocidente para instalarmos janelas (windowsfenêtres ou macarrônicas finestre) em sentido literal.

A tão festejada "escada de Jacó" é um dos temas mais fantasiosos do pseudossimbolismo maçônico. Melhor dizendo: as interpretações dessa escada são mitos e sincretismo que passaram de geração em geração pelo fato de os instrutores confundirem alegoriasímbolo e signo - coisas completamente diferentes.

Antes de tudo, precisamos saber quem foi Jacó e o que é uma escada em termos alegóricos. Jacó era filho de Isaac e conseguiu enganar o pai fazendo-se passar pelo irmão primogênito.

Eis a história: “Jacó saiu de Bersabéia e, ao se dirigir para Harã, alcançou um lugar onde se dispôs a passar a noite, pois o sol já se havia posto. Pegou uma das pedras do lugar, colocou-a como travesseiro e dormiu. Então, teve um sonho: Via uma escada apoiada no chão e com a outra ponta tocando o céu.

Por ela subiam e desciam os anjos de Deus. No alto da escada estava o Senhor que lhe disse: ‘Eu sou o Senhor, Deus de teu pai Abraão, o Deus de Isaac. A ti e a tua descendência darei a terra sobre a qual estás deitado. Tua descendência será como o pó da terra e te expandirás para o ocidente e para o oriente, para o norte e para o sul.

Em ti e em tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra. Estou contigo e te guardarei aonde quer que vás, e te reconduzirei a esta terra. Nunca te abandonarei até cumprir o que te prometi”. Ao despertar, Jacó disse consigo: “Como é terrível este lugar! Sem dúvida o Senhor está neste lugar e eu não sabia. “Isto aqui só pode ser a casa de Deus e a porta do céu”.

Atemorizado, levantou-se, tomou a pedra que lhe servira de travesseiro, e a erigiu em estela (monumento monolítico feito em pedra), derramando óleo por cima e chamando ao lugar de Betel (Casa de Deus). Jacó fez um voto, dizendo: “Se Deus estiver comigo e me proteger nesta viagem, dando-me pão para comer e roupa para vestir, e se eu voltar são e salvo para a casa de meu pai, então o Senhor será meu Deus. Esta pedra que erigi em estela será transformada em casa de Deus e dar-te-ei o dízimo de tudo que me deres”.

Todas estas passagens estão no livro de Gênesis, podem conferir – não estou inventando nada.

Aí está a origem e o significado da escada “de Jacó” que não é escada, nem “de Jacó”. Foi uma visão, um sonho sobre algo apoiado no chão, com a outra ponta tocando o céu. Em sonhos - repito - Jacó percebeu anjos de Deus que subiam e desciam. Mas Jacó não subiu nem desceu pela escada, pois, como ele mesmo disse amedrontado, aquele lugar era terrível, sem dúvida a casa de Deus e a porta do céu.

Todos conhecem o significado simbólico do "terribilis est locus iste" latino que faz parte da decoração de da igreja de Rennes-le-Château em Toulouse... mas isso é outra história. O certo é que Jacó não ousou prosseguir porta adentro nem subir escada acima. Apenas tomou a pedra que lhe servira de travesseiro e fez dela um altar comemorativo daquele acontecimento. E partiu dali ao encontro de Labão, “pai de Raquel serrana bela”.

Isto posto, pergunto aos meus botões: de onde os inventores de Maçonaria tiraram a interpretação de que a “escada de Jacó” significa a ascensão nos Graus? Que maçons ousam subir pela escada do local terrível, atravessarem a porta do céu, proeza da qual Jacó jamais pensou em realizar? Consta que Jacó lutou uma noite inteira com um anjo (Gênesis 33, 24 a 31), mas subir a escada... jamais!

Não pretendo escarafunchar toda a literatura maçônica para provar o que digo. Cito apenas o douto Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo em seu monumental Dicionário de Maçonaria (Editora Pensamento) que vê na escada uma representação da “hierarquia dos seres, potestades, mundos e reinos de vida”.

A escada de catorze degraus em Maçonaria é outra coisa, assunto de outros ritos que não o escocês. E de outros Graus que não os simbólicos. Portanto, nem toda escada deve ser confundida com aquela do sonho de Jacó, por mais que insistam nisso alguns textos de instruções destinados exclusivamente à inspiração dos neófitos.

Para complicar ainda mais, uma indevida simbiose com a Teologia Católica misturou o sonho de Jacó (hebreu) com as Virtudes Teologais apregoadas, pela primeira vez na História, por Santo Ambrósio de Milão, Santo Agostinho de Hipona, São Tomás de Aquino e São Roberto Belarmino. Essa interação entre simbolismo maçônico e elementos da fé Católica Apostólica Romana nasceu da tentativa dos padres Jesuítas em estabelecer um diálogo entre a fé e a razão. Mas não consta que esses Santos ou os piedosos Jesuítas tenham subido a escada “de Jacó”; nem que tenham sido iniciados na Maçonaria.

Sinto decepcioná-los. Continuar batendo nessa mesma tecla (ou nessa mesma escada) é andar em círculos por desconhecer a História e a própria Maçonaria. A escada que aparece num dos painéis do Grau não é a escada dos sonhos de Jacó, embora muitos artistas inflamados delirem ao desenhar anjos no topo da mesma.

A Maçonaria, não sendo uma religião, há de permanecer à margem de quaisquer sectarismos. Um muçulmano, por exemplo, não entenderá o Jacó hebreu numa escada; nem os judeus haverão de curvar-se diante das ideias de fé, esperança e caridade desenhadas no painel pelos artistas devotos de Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e São Belarmino.  Um budista menos ainda! Mas todas as religiões entenderão a escada como elevação, valoração e crescimento humanos.

 José Maurício Guimarães 


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