Normalmente
a Maçonaria é explicada como sendo uma instituição essencialmente iniciática,
filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista. Proclama a prevalência
do Espírito sobre a matéria. Luta pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e
social da humanidade, por meio do cumprimento inflexível do dever, da prática
desinteressada da beneficência e da investigação constante da Verdade. Seus
fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Tudo aí, filosofia. Essa explicação nos dá
absoluta certeza de que nossa Sublime Instituição é, antes de tudo, um edifício
cujas bases são firmes e perenes, porque a argamassa que une os elementos que
as formam é de extraordinário valor de sustentação. Esta argamassa é composta
de dois ingredientes insubstituíveis: verdade histórica e verdade filosófica.
Na própria explicação do que seja maçonaria já
se nota que se deseja colocar em relevo a presença do SER. Os intuitos da
Maçonaria são todos fixados no ser humano. Por isso mesmo, quando a explicação
fala que o espírito prevalece sobra a matéria, não há fugir, é sinal de que a
filosofia ali estará presente sobre todos os aspectos, de vez que o estudo que
se projeta sobre o íntimo da pessoa humana tem caráter exclusivamente
filosófico. Porque mesmo que se queira catalogar a psicologia como ciência,
haverá sempre alguma coisa na psique humana que fica ao arrepio de explicações
cientificas.
E tem mais: investigações filosóficas, em termos
maçônicos, só podem ser feitas através da intuição filosófica.
Quando buscamos a verdade histórica em termos de
Maçonaria, cresce e avulta a nossa admiração pelos verdadeiros historiadores. É
necessário ter sempre debaixo dos olhos que os historiadores misturaram e
misturam sempre em seus trabalhos - e não podem deixar de misturar -
considerações que incidem sobre a marcha dos sucessos humanos.
É a filosofia da história que se projeta como
uma verdade latente, nascida do pensamento de que do conjunto dos fatos
históricos se pudesse tirar uma lei geral do desenvolvimento da humanidade.
O maçom estudioso não pode ignorar que, no
século XVIII, alguns filósofos com Bossuet, Voltaire, Montesquieu, Vico e
Herder fundamentaram os princípios sobre os quais se criou a filosofia da
história. Bossuet em seu Discurso sobre a História Universal pretendeu mostrar
que toda a história da humanidade era dirigida por designo providencial.
Voltaire
no seu Ensaio sobre a Natureza se contrapõe a Bossuet e, de maneira muito
inteligente, procura mostrar que a história depende de causas puramente
humanas.
Montesquieu
procurou estabelecer que todas as manifestações da atividade humana, políticas,
religiosas, artísticas e intelectuais são solidárias entre si.
Certos
ou errados esses filósofos colaboraram para que os estudos acerca da história
se desenvolvessem de tal maneira até chegar o que são hoje.
O certo é que se atribui a Vico a criação da
filosofia da história com a publicação da obra intitulada Princípios de uma
Ciência Nova que deve ter sido publicada por volta de 1725. Nesta obra, Vico
afirma que a unidade do desenvolvimento humano e a identidade da lei que o rege-nos
vários povos estão uniformemente sujeitos a passar pelas mesmas idades
sucessivas. Isto se parece com o que acontece com a gênese da linguagem cujos
fenômenos se sucedem sempre da mesma maneira e sem a interferência da vontade
do homem.
Pelo visto, se conclui que a verdade histórica
não desmerece o grande valor da filosofia. A história não dispensa a presença
da filosofia nos fatos que ela fixa e que retratam a vida da humanidade sobre a
Terra.
No momento em que a Europa passava por grandes
mudanças que modificariam completamente o "modus vivendi" sobre a
Terra, surge a Maçonaria Moderna. E talvez nossa Ordem seja fruto dessas
mudanças. O movimento denominado Ilustração ou Iluminismo explodia por todos os
lados, procurando modificar o "status” então reinante.
Temos plena convicção de que a Maçonaria
especulativa sofreu influências marcantes do Iluminismo, na sua formação
ideológica. Talvez tenha sido aí que a Maçonaria aprendeu que a liberdade de
pensamento, a liberdade são sagradas para o homem.
- Mas vamos ao que nos foi proposto para esta
conversa.
Expor um sistema filosófico, dar a conhecer esta
ou aquela escola de filosofia, é coisa que se nos antolha fácil; todavia quando
nos pomos a falar de filosofia maçônica, sentimos o peso da dificuldade, pois
estamos diante de uma tarefa difícil de ser realizada. Isso porque a filosofia
maçônica não é o resultado da criação de um ou alguns maçons. Ela é filha de
filósofos orientais e ocidentais. Isto faz com que realmente seja um duro
trabalho distinguir onde entra o dedo deste ou daquele filósofo, uma vez que a
Arte Real inclui em seus ensinamentos, tudo o que de melhor foi produzido pelos
grandes avatares da humanidade.
O que se pretende, antes de mais nada, é
mostrar, em linguagem simples, que filosofar deve ser o empenho de todos
aqueles que pretendem obedecer a tudo aquilo que julgam ser matéria
correspondente ao que, do maçom, exige a Sublime Instituição.
Por que a Arte Real não escolheu uma escola, um
sistema filosófico, entre tantos que existem e que nos foram legados por
verdadeiros gênios da humanidade?
Todos nós sabemos que a Maçonaria não se prende
a uma escola ou a um determinado sistema porque isso seria tirar a liberdade de
interpretação de seus membros, obrigando-os a seguir um determinado caminho, o
que seria negar a sua própria pregação. Lavagem cerebral fica bem para instituição
verdadeiramente ditatorial.
Filosoficamente, a Maçonaria mostra ao
homem-maçom que ele tem um compromisso consigo mesmo, como o seu pensar o que
fazer de sua própria existência. Pois, quando o homem prescinde de si mesmo, de
seus deveres, quando o homem abre mão da sua liberdade, da quantificação do seu
próprio Eu, quando o homem se esquece de si próprio, está a negar-se como ser,
ele se nega como ente.
É pensando em tudo isso que perguntamos alto e
bom som, se o maçom que não estuda que não se dedica a buscar aqueles
conhecimentos que a Maçonaria lhe proporciona não se estaria negando a si mesmo
com maçom?
É indubitável que a filosofia maçônica tem muita
coisa tirada do esoterismo oriental e ocidental. Entretanto, após anos de
estudos, de pesquisas e de observações, chegamos à conclusão de que o conteúdo
da filosofia maçônica tirada da filosofia ocidental está livre de certas
dificuldades interpretativas à filosofia dos grandes filósofos quer gregos,
quer europeus. Não se há de negar que existe séria influência dos grandes
filósofos nos ensinamentos ministrados pelos nossos Rituais. E onde está,
então, esta espécie de libertação interpretativa dos meandros filosóficos?
Chegar-se-á a esta conclusão ao verificar que a
interpretação do ideário maçônico se fez e se alcança através das alegorias
simples e das alegorias símbolos. Na maioria das vezes a interpretação é feita
de maneira subjetiva, faltando-lhe o rigor, a clareza que se exige numa
exposição rigidamente filosófica.
Que não se pense que estejamos negando a
presença de grandes filósofos, sobretudo aqueles da época do Renascimento e do
Iluminismo na doutrinação maçônica.
Quem se der ao prazer de ler "Maçonaria -
Introdução aos fundamentos sociológicos", ou "Maçonaria – uma Escola
do conhecimento", do Irmão Octacilio Schüler Sobrinho, irá entender com
grande facilidade aquelas nossas afirmativas.
Depois de anos e anos procurando mostrar o valor
da filosofia em nossos a ensinamentos, sentimo-nos, hoje, recompensado em verificando
já a presença de alguns novos, tentando mostrar a influência da filosofia,
sobretudo grega, na doutrinação da Arte Real, talvez muito mais pela influencia
do belo livro "O Mundo de Sofia", do que por influência nossa e de
outros dedicados Irmãos que se entregam ao estudo da metafísica e dos outros
ramos da árvore filosófica.
Não importa se o escritor procura mostrar que no
1º Grau se faz presente, do início ao fim do Ritual, a filosofia de Platão,
esquecendo-se de que ali o império é de Sócrates e dos pitagóricos.
Não importa que, algumas vezes, topemos com
citações de Aristóteles como sendo de outros filósofos. Talvez porque tais
citações sejam feitas não por estudo direto, mas através de obras de
historiadores românticos como é o caso de Édouard Schuré.
O que importa é que irmãos nossos, filósofos
legítimos, como - permitam-me a citação - como Ruy Oliveira, Octacílio Schuler
Sobrinho, Darley Worm, Luiz Roberto, Campanhã, Antônio do Carmo Ferreira, Se Um
Ahn, Descartes de Souza Teixeira, Vidigal de Andrade Vieira. Leonardo Kwang
Ahn, José Marcelo Braga Sobral, Vanderley Freitas Valente, José Ramos Jr.,
Ambrósio Peters, João Ribeiro Damasceno e Frederico Guilherme Costa, entre
outros, verifiquem que todos os esforços feitos na amostragem do valor da
filosofia em nossos ensinamentos começam a surtir efeito.
Estamos, em parte, de acordo com o filósofo
chileno Mussa Battal quando afirma: "Aproxima-se a filosofia maçônica do
socratismo e do aristotelismo e, mais ainda, do estoicismo, às posições
renascentistas e racionalistas; inviolavelmente adicta e ilustra; ligada
estreitamente ao criticismo kantiano, ao espiritualismo, ao positivismo e,
particularmente, ao evolucionismo..."
Gostamos de repetir que o 1° Grau é de caráter
personalístico. Ali, o socratismo é bastante claro, basta que saibamos que
quase toda a doutrina desse Grau se arrima no conhecer-te a ti mesmo e no vence-te
se desejas realmente vencer.
O reconhecimento de defeitos e deficiências,
quando reais, se, para o profano, é caminho de desequilíbrio, de desânimo, de
capitulação, para o Aprendiz-maçom é motivo de alegria, de intensa satisfação.
O maçom-aprendiz (quem não é?), o maçom-aprendiz
leva em conta as dimensões do quadro falho, como ponto de partida para a busca
da correlação daquilo que precisa ser corrigido. Ele tem então consciência e
admite o que precisa ser extirpado, aceita o desafio, pois já percebeu a
necessidade de decidir, de reagir, de lutar...
Ser aprendiz-maçom ou maçom-aprendiz não é
amedrontar-se diante do problema, mas encher-se de coragem e de disposição para
a luta.
O homem, seja ele quem for, nunca chegará a ser
maçom, na expressão lata do termo, se não morre em sua qualidade de profano
para renascer em sua qualidade de iniciado.
Para os "estóicos", o único bem é a
virtude e esta consiste unicamente na coragem do homem de praticá-la, isto é
extirpar de si tudo que não for o bem.
O pitagorismo está presente no 1° Grau, em
vários momentos de doutrinação, sobretudo quando adverte o Aprendiz de que o
silêncio é necessário para meditar, para fazer o trabalho de introspecção.
Existe o velho adágio chinês que diz que o homem tem dois olhos para ver, dois
ouvidos para ouvir, mas uma só boca para falar. Daí por que se diz que o
silêncio é de ouro e o falar e de prata. Em termos de Maçonaria não nos esqueçamos
de que tudo é simbólico. Exigir que o habitante da Coluna do norte permaneça em
eterno silêncio é sandice pura!
Para que se possa desbastar a Pedra-Bruta é
preciso, antes de tudo, de conhecimento próprio, de humildade e de muita
coragem.
Onde buscar a filosofia em que possamos apoiar
nossos estudos?
Em Sócrates, no seu "conhece-te a ti mesmo".
Através do estudo da filosofia socrática
aprendemos que, antes de mais nada, a primeira coisa é aprender a pensar. Para
aprender a pensar é preciso saber ouvir, ouvir com atenção, buscando encontrar
o sentido exato das palavras de quem fala. Mesmo porque ao lado do desbaste das
arestas da imperfeição, o aprendiz-maçom possui o inconsciente e o inconsciente
não é, como muitos pensam, um arquivo morto. O inconsciente não é um quarto de
despejo onde se amontoam trastes que para nada mais servem.
O inconsciente pode armazenar e depois filtrar
experiências construtivas, como pode muito bem filtrar frustrações.
E Sócrates nos ensina que aprender a pensar é
aprender a conhecer, é aprender a discernir, é aprender a concatenar os
pensamentos, é aprender a falar.
Esses ensinamentos, aplicados, sobretudo no 1°
Grau são de extraordinária importância para a vida futura do maçom, pois, ao
cabo de contas, propiciar-lhe-ão os meios e modos que irão facilitar-lhe o
estudo, a busca, a pesquisa, aproveitando boa parte de todo aquilo que a
Maçonaria lhe proporciona para que cresça física, mental e espiritualmente.
AUTOR: Raimundo Acreano Rodrigues*
(*)Renomado escritor maçônico e Editor do
informativo "IOD".