O termo “identidade” tem uma diversidade de
conceitos e, segundo várias fontes, é entendido como um conjunto de caracteres
próprios e exclusivos que permitem diferenciar pessoas, animais, plantas,
objetos, produtos, a cultura de um povo, entidades, uma empresa etc.. No seu
sentido mais popular representa um documento legal que acompanha um indivíduo e
atesta que é o próprio.
É muito comum termos acesso ao documento de
identidade de uma pessoa e constatarmos que a foto é antiga e marcas do tempo
distanciam as duas imagens, donde se conclui que nada é estático, que a mudança
é uma consequência natural da vida.
Na Maçonaria, um conjunto de princípios, chamados
os “Landmarks” da Ordem, por se tratarem das mais antigas leis que a
regem, lhe conferem uma identidade imutável, sendo considerado os seus limites
e que não poderiam sofrer modificações. Muitos dizem que sem eles a Maçonaria
já não existiria ou teria tomados outros rumos.
Porém, resguardando a sua essência, que a fez
prosperar até os nossos dias, não se pode refutar que a Maçonaria recebe
influências de época e passa por esse processo sutil de transformação.
Aqui não se pretende atacar a prática da tradição
constante nos Rituais e no Simbolismo que se constituem na seiva que mantém a
Ordem fortalecida desde o século XVIII e nem por isso sofre de obsolescência,
face aos valores morais defendidos. É fato que novos ritos derivaram do
original, mantidos os princípios, para atender a projetos de poder inevitáveis
quando outros motivos se tornam imperiosos.
Desde sua estruturação em 1717, na forma como hoje
a conhecemos, a Maçonaria sempre se posicionou politicamente identificando-se
com causas nobres, lutas sociais e movimentos cívicos, revolucionários e
libertários, que a fez prosperar até nossos dias, sempre combatendo a
intolerância, os preconceitos, os privilégios e defendendo novas ideias. Por
isso angariou também a antipatia de poderosos.
No contexto atual, apesar do conceito positivo
junto àqueles que a conhecem, ainda é desconhecida por grande parte da
população brasileira. No cenário político nacional não tem nenhuma
representatividade e não exerce qualquer influência a exemplo da
norte-americana ou da européia, não obstante todo o capital intelectual e
consciência de sua importância para as transformações necessárias à promoção da
justiça social.
A prática de reverenciar as glórias do passado é
por muitos vista como desgastada, sob o argumento de que o seu potencial hoje
não é utilizado na sua plenitude, passando ao largo de temas palpitantes e
gravosos da atualidade, apenas manifestando-se a sua inconformidade através de
posicionamentos perante o povo e reafirmando compromissos históricos de
recolocar a Ordem na linha de combate contra as mazelas que pipocam aqui e
acolá, sem, contudo, comprometer-se efetivamente na busca de soluções.
Comprometimento e envolvimento têm dimensões
diferenciadas. Somente caprichar na retórica e bradar que alguém tem que tomar
uma providência, de que do jeito que está não pode ficar, de que não dá mais
para aguentar et cetera e tal, é muito confortável. O
comodismo e o obsequioso silencio político da Maçonaria do Brasil precisam ser
quebrados.
Esse cenário nos remete a um acontecimento
histórico ocorrido em 13 de maio de 1968, em Paris, onde cerca de um milhão e
meio de pessoas participaram de uma marcha contra o governo de Charles De
Gaulle.
O movimento começou com uma revolta estudantil e
foi ampliado com a incorporação de trabalhadores, sindicalistas professores e
comerciários e, entre os meses de maio e junho, mais de nove milhões de pessoas
declararam greve. Entretanto, De Gaulle venceu as eleições realizadas em junho
daquele ano e o movimento se viu derrotado pela então denominada “maioria
silenciosa”.
Mas o movimento ganhou um simbolismo e
transformou-se em um marco das mobilizações políticas e influenciou inúmeras
revoltas mundo afora, provocando rupturas e revisão de valores da
sociedade.
Neste particular, seria injusto e deselegante
deixar de destacar o papel da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, em face de
sua permanente contribuição através de parcerias com os Governos do Estado e
Municípios, que muita diferença tem feito em favor da Sociedade Mineira. Mas,
recorrendo à abrasileirada metáfora de Aristóteles (384-322 a.C.), “uma
andorinha não faz verão”. Como fica o Brasil?
É recorrente o argumento de que a Maçonaria
brasileira não age como instituição, mas através dos Maçons, o que não comprova
a sua história de verdadeiro partido político no passado.
Essa realidade e as várias Potências em que se
dividiu a Ordem, com destaque para as cisões de 1927 e 1973, com reconhecida
perda de sinergias, nos relembra a necessidade de reflexão sobre o conceito de
família unida representada pelo “Feixe de Esopo”, do fabulista grego de mesmo
nome (séc. VI a.C), que relembra o combalido conceito de que a união faz a
força.
Embora haja impedimentos regulamentares para
discussão política partidária nas Lojas, dentre outros temas, nada obsta à
promoção de debates públicos, fóruns de discussão, seminários, oferecimento de
projetos e estudos, investimento em obreiros com potencial eleitoral e
orientação do voto maçônico, que promovam o retorno da Maçonaria ao cenário
político nacional, em especial na trincheira de combate às mazelas que
desvirtuam os valores mais caros do nosso povo.
Para esse fim, torna-se inadiável para a Ordem no
Brasil reaprender a traduzir em linguagem política os descontentamentos e
anseios latentes em nossa sociedade, mostrando alternativas, ocupando espaços
que permitam aos obreiros a reivindicarem, de forma organizada, as mudanças que
todos exigem “como nunca antes na história deste país”, pois a perda de contato
com a realidade paralisa a consciência crítica.
O dramaturgo e poeta Bertolt Brecht (1898-1956)
certa vez escreveu em uma poesia: “O pior analfabeto é o analfabeto
político. Ele não ouve, não fala. Nem participa dos acontecimentos políticos...”.
Aquele pensador ainda reforçou: “Que continuemos a nos omitir da política é
tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem”.
Essa reflexão invariavelmente resvala na dúvida a
respeito da identidade da Maçonaria. Teria ela se perdido nestes tempos de
mudanças-minuto, ideias curtas e respostas rápidas? Atualmente, bastaria apenas
parecer bonito e importante na foto? Restaria à Maçonaria no Brasil apenas um
grande passado pela frente e permanecer contemplando-se no retrovisor da
história?
E assim retomamos os questionamentos primitivos
onde precisemos saber primeiro o que somos, para onde iremos o que nos motiva,
que questões nos unem e nos moldam. Sem isso a imagem no documento de
identidade ficará cada vez mais irreconhecível em confronto com a realidade de
quem a exibe.
“Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos,
mas também pelo que deixamos de fazer.” (Molière, dramaturgo francês)
Autor: Márcio dos
Santos Gomes
Márcio é Mestre Maçom da ARLS Águia das Alterosas – 197 –
GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio
Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras.
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