GRAUS FILOSÓFICOS

 


A expressão Graus Filosóficos já se tornou corrente na Maçonaria – usa-se em contraposição a Graus Simbólicos.

Conquanto já faça parte dos nossos usos e costumes, inclusive sendo útil para diferenciar os graus anteriores dos posteriores criados na história dos Ritos, estas expressões objetivam conceitos extremamente inadequados que nos servem de paradigmas inconscientes.

Quando nos referimos à Maçonaria, independentemente dos graus dos quais estejamos falando, invariavelmente nos vem à mente a ideia de uma “filosofia”.

Não há como ser diferente, pois uma instituição que pretende a construção de um determinado modelo de homem, almejando com isso uma profunda transformação social, terá obrigatoriamente uma “filosofia”, que é permanentemente atualizadas nas suas lendas, ritos, mitos, símbolos e doutrinas.

Mesmo se estiver de acordo com este raciocínio, o leitor atento provavelmente estar-se-á perguntando a razão de colocarmos “filosofia” entre aspas. Para diferenciá-la de Filosofia, com “f” maiúsculo.

Desejamos defender aqui a tese de que, ao falarmos de Maçonaria, existe uma diferença entre “filosofia” e Filosofia, e que isto é fundamental para a nossa práxis.

Estudar e conhecer Filosofia podem ser sinônimo de erudição ou indicação de um status profissional. Erudito, segundo os dicionários, é quem tem instrução vasta e variada, que é sabedor de muitas coisas. Um professor de Filosofia, um filósofo profissional ou alguém com “amor à sabedoria” (que é o que significa o termo) podem ser eruditos em Filosofia; conhecer autores e obras, sistemas filosóficos e história da Filosofia. Isto não faz de nenhum deles um filósofo, no sentido existencial. Assim como conhecer profundamente Teologia não faz de alguém um religioso.

Começa a aparecer a pedra de toque para fazer a distinção que pretendemos. Dois parágrafos acima falávamos de práxis. Devemos diferenciar práxis de prática. Prática refere-se, ainda segundo o dicionário, ao ato ou efeito de praticar; à experiência nascida da repetição dos atos.

Necessitamos prática para dirigir automóveis ou para realizar uma cirurgia. Já práxis é a totalidade do nosso agir enquanto seres humanos. Cada ação humana implica aspectos objetivos (como fazer, falar, produzir) e aspectos subjetivos (como valores, ideologias, condicionamentos de toda ordem e as atitudes deles decorrentes). Prática refere-se ao que eu sei fazer; práxis refere-se ao que eu sou.

Paulo Freire, o notável pedagogo brasileiro, já nos ensinava que a atividade essencialmente humana é a reflexão, e a práxis humana deve ser composta de ação « reflexão; assim mesmo: uma ação de mão dupla onde as partes são inseparáveis com o perdão da redundância. Quando na nossa, o nosso agir está dissociado da reflexão, alienamo-nos.

Quando alienados, por mais ativos que sejamos não somos os senhores da nossa história; não estamos na direção das nossas vidas. Somos levados pelas circunstâncias. Para se desalienar, é preciso “filosofar”, perquirir, duvidar.

Os fatos são-nos dados pela existência, e podem ser organizados pela Economia, pela Sociologia, pela Antropologia, mas é “filosofando” que os interpretamos que os julgamos e que os transcendemos.

Neste sentido de um compromisso consciente com a existência é que devemos ser seres ativos e reflexivos, isto é, adotar uma postura naturalmente filosófica. Esta postura implica numa atitude inquiridora e céptica, sem ser relativista ou cínica.

Devemos ser filósofos no sentido do ideal marxiano de ser pescador pela manhã, poeta à tarde e filósofo à noite, sem que sejamos pescadores profissionais, poetas profissionais ou filósofos profissionais.

A Filosofia será ferramenta de aprimoramento do olhar e do raciocínio, e para isso é importante conhecer os filósofos e os seus pensamentos. “Filosofar”, porém, será a nossa atitude constante.

Eis porque, meus Irmãos, conceber graus filosóficos e não-filosóficos na Maçonaria é defender uma posição maçonicamente contraditória, pois não pode haver Maçonaria que não seja essencialmente filosófica. E, consequentemente, não pode haver Maçom que não seja filósofo.

Se fomos iniciados, então basta-nos “saber” sinais, toques e palavras; “conhecer” algumas instruções e princípios. Se somos iniciados, então sinais, toques e palavras servirão para reconhecermos pessoas com as quais teremos uma identidade de interesses, de convicções, de posturas sociais e espirituais; viveremos os nossos princípios, pois eles serão conscientemente compreendidos e livremente aceitos.

A Iniciação é uma conversão, uma metanóia. Os Irmãos que nos acolhem numa Loja, dirigentes ou não, podem apenas fazer-nos o convite, mostrar-nos o caminho e fornecer-nos as ferramentas. O sim terá que ser nosso.

A transformação da nossa atitude perante nós mesmos e perante o mundo é tarefa exclusivamente nossa. E responderemos solitariamente às nossas consciências pela nossa decisão.

Se não realizarmos esta conversão, continuaremos frequentando Lojas simbólicas, onde apenas repetiremos enfadonhos gestos e palavras, e Lojas filosóficas, onde apenas recordaremos o Cobridor e leremos os rituais.

E voltaremos à nossa vida real sem marcas, sem sinais, sem toques e sem palavras.

Francisco C. L. Pucci

 


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