Na Maçonaria há uma forte influência do simbolismo das cores. Existe uma
Maçonaria azul, uma Maçonaria branca e uma Maçonaria vermelha, cada uma destas
cores denotando uma fase da aprendizagem iniciática da Arte Real.
Não há uma razão histórica para a adoção deste simbolismo de cores, a não
ser que se possa invocar motivos relativos à Revolução Francesa, relacionados
com as cores da bandeira daquele país. Mas aí seriámos obrigados a diminuir
consideravelmente o alcance da Arte Real, que na nossa opinião, foi muito mais
razão que consequência daquele formidável momento histórico.
A alusão à cor azul, muito provavelmente provém da influência da tradição
alquímica, pois de acordo com os adeptos da Arte de Hermes, a pedra filosofal,
no decurso do seu processo de elaboração, assume, seguidamente, três cores: um
negro azulado, conhecido como asa de corvo, um branco leitoso e um vermelho
ígneo. O negro simboliza o reino de Saturno, a partir do qual são obtidas a
pedra branca, que é o símbolo da lua, e a vermelha, símbolo do sol.
Portanto, são estas as cores da grande obra alquímica. Primeiro, um negro
azulado profundo, evocando as trevas, a morte, o subterrâneo; depois o branco,
que é o renascimento, a cor da regeneração; e por fim o vermelho, o fogo
celeste, o raio de luz, o sol, como corolário desse processo.
Por analogia adotou-se este simbolismo às diferentes etapas do simbolismo
iniciático maçônico. A chamada Maçonaria negra foi acrescentada depois, para
simbolizar a posse de segredos duvidosos. Mas em princípio eram essas as cores,
e na essência, repetia o caleidoscópio hermético.
Os alquimistas justificavam este simbolismo dizendo que toda semente seria
inútil se permanecesse intacta na terra, sem apodrecer e ficar negra.
Era preciso primeiro a corrupção e a morte para, em seguida, ocorrer a
regeneração. Era no azul-negro que se encontravam, dissimuladas, todas as
demais cores, como dizia Nicolas Flamel no seu Rosário dos Filósofos.
Este negro era, na verdade, um azul profundo, perfeito, que integrava em
si a “rosa branca” e a “rosa vermelha”, imagem da regeneração e da ascensão
espiritual, respectivamente. Estas duas cores do azul representavam os dois
graus de perfeição da pedra filosofal, “o pequeno e o grande magistério, “o
emblema da sabedoria, a coroa do filósofo, o selo da ciência e da fé, unidas à
dupla potência, espiritual e temporal” no dizer de Fulcanelli. Na vida do
operador alquímico eram representativas das duas mudanças no seu estado da
consciência (etapas lunar e solar), que se operavam pela prática do magistério
hermético.
Na terminologia alquímica, “branquear latona”(deabbat ergo latonen)
significava branquear o latão, isto é, liberar o metal das suas impurezas para
que pudesse mudar de estado. Na mitologia grega, Latona era a mãe de Diana (a
Lua), e Apollo (o Sol), deuses representativos da natureza e da luz,
respectivamente.
Na prática alquímica, é quando a “pedra” assume essa cor púrpura (fogo dos
fogos), assemelhando-se a uma romã madura, que ela adquire a capacidade de
transformar metais ordinários em ouro. Em contato com ela, os metais impuros
“morrem” e “renascem” num outro estado, da mesma forma que o iniciado Maçom ao
toque da espada Flamígera.
Na simbologia maçônica podemos encontrar um paralelo nas diversas fases
graduais que o iniciado tem passar para atingir o ápice da Escada de Jacó. No
Rito Escocês essas fases são representadas pela Maçonaria azul, correspondentes
às Lojas Simbólicas, à Maçonaria branca, correspondente às Lojas de Perfeição e
Capitulares, e à Maçonaria vermelha, que corresponde aos graus filosóficos.
Este último comporta ainda uma divisão em Maçonaria negra, que integra os três
últimos graus da escalada de trinta e três graus previstos.
“A cor negra”, escreve Fulcanelli, “foi atribuída a Saturno, que se tornou
em Espagiria, o hieróglifo do chumbo; em Astrologia, um planeta maléfico, em
Hermetismo o dragão negro ou chumbo dos filósofos; em Magia, a galinha negra
etc. Nos templos do Egito, quando o recipiendário estava pronto para as provas
iniciáticas, um sacerdote aproximava-se dele e segredava-lhe no ouvido esta
frase misteriosa: “Lembra-te que Osíris é um deus negro!”
Osíris, como se sabe, era o deus da ressurreição, aquele que guiava a alma
do defunto pelas trevas da Tuat até o seu encontro com a luz. “Tal como o dia,
no Gênesis, sucede, à noite,” continua Fulcanelli,” a luz sucede à escuridão.
Tem por símbolo a cor branca.
Atingindo este grau, os sábios asseguram que a sua matéria está livre de
toda impureza, perfeitamente lavada e purificada. (….) A cor branca é a dos
Iniciados porque o homem que abandona as trevas para seguir a luz passa do
estado profano ao de Iniciado, de puro. É espiritualmente renovado.”
Não se pode deixar de comparar a simbologia do magistério alquímico com as
diferentes fases da iniciação maçônica. O que busca o irmão quando se inicia na
Maçonaria, senão uma mágica transformação no seu ser? A passagem do estado de
profano para o de iniciado equivale, na iniciação maçónica, a essa renovação
espiritual, essa transformação de substância, que no magistério alquímico é
obtida pela manipulação da matéria.
Só que, diferentemente da Arte de Hermes, a matéria prima do Maçom é o seu
próprio psiquismo. Sobre ele o iniciado trabalha, utilizando-se dos influxos da
Loja e dos ensinamentos que recebe, para transformá-lo, de metal impuro em
ouro. Troca o vício pela virtude, a preguiça pelo trabalho, a indiferença pela
participação, o desconsolo pela esperança. Dessa transmutação emerge como
espírito renovado, purificado, pronto para exercer um novo papel na sociedade.
Este é o significado do simbolismo contido na iniciação maçônica, na qual
o recipiendário passa sucessivamente, pelas três fases da transmutação
alquímica: a negra, simbolizada pela sua descida às sombras da morte, o branco
da regeneração, simbolizado pela sua iniciação e o vermelho da exaltação, que
simboliza o predomínio do espírito sobre a matéria, condição que ele, como
iniciado, finalmente adquiriu.
Evidentemente, na Maçonaria moderna todo este simbolismo, que resume uma
verdade iniciática, assumiu contornos de filosofia moral. O Maçom é um homem do
mundo e para ele vive. As verdades do espírito devem ser transformadas em
atitudes práticas para a melhoria da sociedade na qual ele atua.
A luta do Maçom é contra ele mesmo, para submeter as suas paixões e
aprimorar o seu espírito contra os males que infelicitam a espécie humana.
Afinal, como diz o ritual, o mal é o oposto da virtude. O Maçom deve trabalhar
para eliminar este mal, aperfeiçoando as suas qualidades morais, e em
consequência, as da humanidade como um todo. Por outras palavras, o que ele
busca é a realização de um estado de perfeito equilíbrio dentro de si mesmo
primeiro para, em seguida, transmiti-lo à comunidade na qual vive, pois ninguém
pode dar senão o que tem.
Esta é a ciência maçônica, a verdadeira ciência da vida. Através do
trabalho prático, (do Maçom operativo) e teórico, (especulativo, que é busca do
conhecimento, da Gnose), o Obreiro da Arte Real pode realizar a Alquimia maçônica.,
unindo-se, afinal, pelo trabalho de construção do universo moral que deve
existir em todo irmão, com o Sublime Arquiteto do Universo, fonte fecunda de
luz da qual todos saímos no início como matéria cósmica e à qual um dia
voltaremos como espíritos radiantes de energia luminosa.
Por isso é que aqueles temerários que batem profanamente à porta do
templo, a fim de se iniciarem nos Augustos Mistérios dos Obreiros da Arte Real,
ali estão em busca de luz. É que na desordem que reina no mundo dos homens,
esses corações sensíveis sentem a necessidade de buscar o exato equilíbrio
entre as suas necessidades no mundo profano e as exigências do mundo sagrado,
que são de cunho espiritual.
Sem ordem e harmonia nas suas próprias vidas, não as pode transmitir à
comunidade em que vive, pois ele mesmo não as possui. Então precisa ser
devidamente iniciado, para que possa adquirir tais qualidades. Mas para isso
precisa ser puro e de bons costumes.
Ontem como hoje, as esperanças da humanidade são as mesmas: ela quer viver
num estado de harmonia, equilíbrio social e ordem. Se as formas de se buscar
esse estado ideal mudam, se as visões assumem diferentes configurações, o
conteúdo significante dessas visões, no entanto, são os mesmos.
Em todos os tempos os homens repetem as mesmas fórmulas e sentem os mesmos
anseios. Assim, o neófito que busca a realização maçônica carrega na sua alma o
mesmo anseio do adepto que se iniciava na Arte de Hermes. E tanto nos
laboratórios dos artistas, como nos templos maçónicos de hoje, quando um irmão
é iniciado ouve-se dizer que
A luz foi feita,
A luz seja dada ao neófito.
Por fim, é relevante lembrar que na referida prancha do Mutus Líber, um
homem e uma mulher, representando os dois princípios, feminino e masculino, que
se unem para a criação, torcem um pano branco para fins de extrair dele o
chamado “orvalho dos filósofos”. Este “orvalho” é exatamente a energia
proveniente da natureza, a “flos coeli” capaz de animar a matéria inerte e
provocar nela a transmutação. No templo maçônico, essa função é representada
pelo equilíbrio de forças entre as duas colunas, sobre as quais Aprendizes e
Companheiros realizam as suas fases de aprendizagem, recebendo cada um,
conforme o ritual, o seu salário.
É desta maneira que os Obreiros da Arte Real, congregados no templo,
formam uma Egrégora que capta, a exemplo da ação energética da síntese química,
a “energia dos princípios”, que para o alquimista é o mercúrio filosófico, e
para o Maçom é a tríplice argamassa com que se ligam as obras maçônicas.
João Anatalino Rodrigues
Do livro “Conhecendo a Arte Real” – Ed. Madras, 2007
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