Quando os Deuses primeiros, cujo império é eterno,
No cálice do Tempo verteram o vinho sagrado da Vida,
Brilhou toda a taça cristalina com fogo superno;
Então disseram: “O mortal será divino?
Tomará o homem as sendas que os Deuses trilharam?
Quem desta taça beber — ele mesmo será Deus!”
Assim temperaram o dom da sua dádiva,
Misturando o germe do mal ao bem;
Misturaram a morte ao fogo da vida,
E a angústia ao júbilo da maternidade;
E, com o bálsamo da paz, um estranho desassossego,
E um desejo informe em cada peito.
Assim puseram discórdia no mais doce canto,
E espinhos agudos na mais bela rosa;
E dúvida ao redor da cruz onde a fé se firmava,
E medo a rondar os domínios do repouso;
E turvaram os olhos do homem, para que não visse,
Como os Deuses, as vastidões do porvir.
Coloriram o fracasso com as cores do arco da esperança,
E tingiram a hora do triunfo de arrependimento;
Fizeram a força submissa ao fraco e ao terno,
E a sabedoria, tola ao encanto da beleza;
Até que o vinho da vida se tornou amargo-doce —
Entre o perfeito e o incompleto.
Então disseram os Deuses — os Deuses eternos —
“Derramemos dons sobre a alma do homem,
Para que ele vislumbre nosso esforço,
E ainda assim não decifre o Plano Universal.
Pois, embora as verdades da Vida estejam perto,
O homem verá e não verá — sendo cego.”
E assim, ao descerem as bênçãos divinas,
A maldição universal as seguiu como sombra;
O mal místico com a glória se fundiu,
Maculando os éons desde que o mundo é jovem.
Pois sobre todos os que os Altos Deuses abençoaram
Caiu a febre insaciável do desassossego.
Então ergueu-se um fermento, uma exaltação,
E todas as almas dos homens estremeceram;
Surgiu um profeta em cada nação
Para pregar novas doutrinas sobre a fonte do pecado;
E homens ergueram-se como Deuses, e novos credos
Proclamaram a Unidade eterna de Deus com o homem.
E sempre, por todas as terras, em ondas
sonoras,
Rugou de era em era o rio do Canto,
Que tornou doces os vales com coros rítmicos,
E fez tremer os montes de pedra com música forte,
E inflamou as almas dos homens como vinho ardente —
Mas era humano!... não divino!
Pois, vede: em tudo o que parece inspiração,
Entra a maldição que turva as coisas criadas;
Além das barreiras de nossa limitação
Nunca ainda uma alma abriu suas asas!
Nem houve, nem jamais haverá,
Um canto perfeito — uma harmonia perfeita!
Ó música do vento, e do oceano!
Ó poder que move o fulgor dos astros!
Ó corações que vibram em emoção!
Ó mistério da Vida! Ó lágrimas humanas!
Que luz nos guiará pelo deserto,
Para fora do Egito da nossa amargura?
Ó poetas, ao redor de cujas almas, desde o
princípio,
Ecos estranhos tremem e visões selvagens acorrem,
Vós todos ouvistes a doçura do Canto,
Mas ninguém conhece o sentido da Canção
Que eleva nossas frágeis almas ao céu —
E depois as lança sangrando à terra!
Irmãos, minha alma vibrou com vossa alegria.
Também eu sofri com a dor humana.
Também senti o terror e a loucura
Que todo aquele que busca a verdade e a luz deve conhecer.
Meu coração vacila na amarga luta —
Nos labirintos do Mistério da Vida.
Que esperança — que consolo — em nossa
desolação?
Que raio fende a treva da noite?
Aos corações cansados, que bálsamo consola
Saber que a Terra é finita e o Céu infinito?
Ainda que a mão da Fé aponte o caminho,
A voz da Razão sempre traz demora.
Não! — Ainda que o segredo da Vida esteja além
de nossos sonhos,
E todos os credos do mundo sejam vãos,
Um fulgor rasga oblíquo as sombras,
Cujas flechas douradas trespassam as trevas.
Se em nossos erros houver um germe de verdade,
Os caminhos que levam à Verdade são infinitos!
Por toda a natureza e criação
A Mão Suprema escreveu seu sinal.
Em dor e esforço, através dos éons,
A alma fraca do homem o decifrará;
Pois, sendo o espírito superior ao pó,
O homem não conhecerá o Eterno num só dia.
E ainda que ignoremos as moradas imortais,
E que seus passos não sejam ouvidos pelos homens,
E que com mistério ocultem seus rostos
E nos ordenem buscar o Plano Universal,
E que a todos venha, com o sopro da Vida,
O sofrer, a dúvida, o cansaço e a morte —
Eu canto a Esperança Eterna e o Esforço Nobre,
A Verdade brilhando por mil corredores do pensamento;
Canto as almas imortais dos homens, para sempre
Conduzidas, por estranhos caminhos, a um mesmo triunfo.
O Deus no homem — a fome da alma —
Uno com a Sabedoria que inspira o Todo!
George Essex Evans. (1863–1909)
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