DO OPERATIVO PARA O
ESPECULATIVO
O
que acontece no coração dos maçons que descobriram o verdadeiro significado da
Arte Real é comparável ao que se passava no espírito dos alquimistas que
descobriam a pedra filosofal e dos modernos cientistas quando conseguem
sintetizar, ou provar, em seus laboratórios, um princípio ativo ou uma lei
natural.
Melhor ainda, é
possível perceber qual a sua exata configuração nesse todo e sua função num
domínio que ele agora sabe, também, se compõe em razão das suas atitudes.
Quando o
Irmão adquire essa visão de conjunto, lhe vem uma sensação de pertencialidade,
que ele nunca experimentara antes. Então ele descobre o verdadeiro significado
da palavra Fraternidade. E ai ele saberá por que está ali, e por que um
dia ele quis ser um maçom.
Mas
esse é um processo que se cumpre no coração e não na razão.
O triunfo
da máquina sobre a mão do homem, na confecção de obras materiais, eliminou da
cultura humana a tradição de sacralizar os ofícios. Perdido o elo que ligava a
mente á matéria, o homem não soube mais como tirar dela verdadeira obra de
criação.
Se antes, pelo lavor
das mãos, ele podia sentir-se um deus, no sentido de que também criava, agora,
a criação ocorria apenas no domínio da mente, porquanto a execução se
processava por meios mecânicos, sem aquela interação mente-matéria que
possibilitava ao antigo artesão a realização espiritual através do trabalho.
O resultado, que era
antes era obra, no sentido sacro/artístico do termo, com a mecanização passou
ser produto. Então passou do operativo para o especulativo.
O SENTIDO METAFÍSICO
DA ARTE REAL
Milênios
passam, as civilizações desaparecem; o tempo tudo devora, as próprias obras
confeccionadas pelo homem são consumidas; mas das construções humanas, as
que mais resistem são as habitações que ele faz para seus deuses e para
seus próprios restos mortais.
De todas as grandes
civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus
cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver
eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte
Real, já que nelas o que se imprime é uma imagem vinculada á ideia de
imortalidade, só atribuída aos deuses e ao espírito do homem.
Com
efeito, pouco resta dos grandes palácios erguidos para o conforto dos
potentados humanos, e das casas onde residiram os seus construtores. Mas as
ruínas dos grandes templos da antiguidade e as majestosas tumbas erigidas para
o sepultamento dos seus restos mortais ainda testemunham a magnitude da
inteligência dos maçons daqueles tempos.
As
primeiras formas de construção produzidas pelos grupos humanos foram as
palafitas, casas de madeira erguidas nas margens dos rios. Em seguida foram
empregadas as pedras, primeiro em sua forma bruta, depois as trabalhadas.
A edificação com
pedras brutas marcou o inicio da estabilidade do homem sobre a terra, pois
representou o despertar do seu sentimento gregário, sentimento esse marcado
pela sua fixação a um meio ambiente.
Já a construção com
pedras trabalhadas lhe deu uma identificação no meio daquele ambiente, pois a
partir daquele momento o mundo ficara impregnado de algo que ele criara pelo
lavor das próprias mãos.
A pedra
sempre foi para o homem um objeto de estranhas propriedades. Nela ele podia
sentir um grande poder de resistência, durabilidade e maleabilidade, pois ela,
além de poder assumir todas as formas fabricadas pela natureza, também parecia
ser perene e resistir a todas as intempéries.
Trabalhá-la, dando-lhe
formas úteis e agradáveis á vista tornou-se um ritual onde a mente associava-se
á matéria para criar o universo real. Nas pedras se cultuavam os deuses, nelas
eram escritos seus mandamentos; nelas também se eternizava a memória dos entes
queridos e a beleza das formas do gênero humano; com elas também se faziam as
muralhas que serviam de defesa para as cidades e algumas espécies de pedras
faziam a riqueza de muitos homens.
PEDRA BRUTA, PEDRA
TALHADA, PEDRA LAVRADA
O culto á
pedra sempre esteve presente nas tradições dos povos desde o inicio dos tempos.
Nada estranho, portanto, que ela tenha sido escolhida para simbolizar a
metafísica fundamental da prática maçônica.
O Aprendiz, por um
trabalho de conscientização interior, transforma-se numa pedra lavrada.
Desbastado de suas asperezas, aparecerá como uma obra de lavor que estará em
condições de integrar-se ao edifício universal que é a Maçonaria, aquela
Maçonaria, que segundo Ransay, “ é uma grande Republica, da qual cada Nação é
uma família e cada individuo, um filho”.
Da mesma
forma que o Aprendiz é essa pedra bruta que precisa ser lavrada para adquirir a
personalidade desejada, o Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o
material que foi trabalhado e transformado pela iniciação nos Mistérios
Maçônicos.
Simboliza, na evolução
da sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera
aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização
social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo
civilizatório.
Esse processo está
registrado na história humana através da construção de edifícios com materiais
já mais elaborados, como a pedra lavrada e os tijolos queimados.
A
pedra, sendo um produto em que a natureza concentra um grande potencial de
forças telúricas, é o que mais se presta ao trabalho de arte sacra. Por isso é
que a ela se associa, geralmente, um ritual, uma prática de sentido esotérico.
Assim faziam, por
exemplo, os antigos cortadores de pedra medievais, que no decurso de seus
trabalhos diários, recitavam preces e executavam batidas rituais com seus
instrumentos de trabalho, para atrair os bons influxos para o individuo e para
a comunidade.
Para muitos místicos,
a pedra é um ser vivo, cheio de energia, a energia que eles chamam lapitus.
Essa energia estaria na origem da vida, já que, segundo eles, a vida orgânica
teria se originado a partir das transformações sofridas pela matéria bruta.
Daí o imenso
simbolismo contido nas diversas espécies de pedras. O mármore, como
representativo da morte, o granito como símbolo da força, nas pedras dos rios a
idéia de evolução, no quartzo e nos cristais a inspiração artística e o êxtase
divino, etc.
Não é sem
razão também que os alquimistas simbolizavam numa pedra a essência da sua
“Obra”. A pedra filosofal era um preparado químico que conteria a alma da
natureza, capaz de transmutar metais simples em ouro. De alguma forma, também a
mística oriental se vale do simbolismo da pedra para representar a busca da
quietude, do equilíbrio e da serenidade, que está na postura do iogue
“petrificado”.
Um
dos mais marcantes exemplos de trabalho na pedra nos foi dado por Antônio
Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, o maior escultor brasileiro do período
colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra sabão, que enfeitam as igrejas mineiras,
mostram bem a excelência do maçom operativo que atingiu a plenitude espiritual
através da técnica operativa.
No trabalho daquele
genial artista é possível “ler” a mensagem maçônica que ele deixou expressa nos
gestos, nas feições, na forma, na posição das estátuas e nas medidas com que a
sua obra foi composta.
J. Palou, citando P.Sébillot (Légendes et Curiosités dês Métiers) diz que “ é
interessante observar que “machados de pedra polida (são) colocados debaixo das
fundações em várias regiões da França” (...) mormente quando se sabe que na
maçonaria a pedra cúbica em ponta, que representa o companheiro, é muitas vezes
feita na forma de um machado, sendo este instrumento próprio da Maçonaria
Florestal, simbolizando o fogo purificador e sendo um dos atributos de São
João, sob cujo patrocínio são colocadas as Lojas maçônicas”
Esse é um
bom exemplo da mística da pedra, e sua implicação no simbolismo da Maçonaria.
Tudo começa na pedra, como na natureza. A partir daí há um longo trabalho iniciático
que envolve iniciação, preparação, aperfeiçoamento e acabamento.
Assim, é
preciso não perder de vista esse processo, se quisermos, realmente, entender o
simbolismo da Arte Real.
Por João
Anatalino