Na "caminhada espiritual" usamos discutir mais do
que realizar. Noutras palavras - preferimos as formas e os atos ao sentido
ético, às grandes concepções da vida moral. É próprio das pessoas que ainda não
vislumbraram as luzes proporcionadas pelo pensamento lógico e pelo conhecimento
científico substituir com palavras e procedimentos mágicos as virtudes que dificilmente
poderiam integrar às suas vidas.
Na visão de D.Huisman e A.Vergez "a noção psicológica
de personalidade e a noção metafísica e moral de pessoa não são
equivalentes". Daí os paradoxos interpostos em nosso caminho,
especialmente quando tentamos analisar a "caminhada espiritual". É
muito difícil explicarmos o que deve ser a partir daquilo que é. Os autores
acima citados preferiram descrever a experiência moral, tal como é vivida pela
consciência em sua originalidade irredutível, a fundamentá-la.
Não obstante, no campo das emoções, dos desejos e da
formação do caráter e da personalidade, os rituais permaneceram cristalizados
no tempo. Perderam, nos dias atuais, sua essência, valor e sentido transpessoal
(ou "quarta força" na psicologia de Abraham Maslow).
Os rituais e os templos, contudo, ainda guardam heranças e
tradições que merecem ser reencontradas e reinterpretadas à luz das
necessidades do homem moderno. Se isso não acontecer, nenhuma cerimônia,
nenhuma liturgia, catedral, edifício ou obra arquitetônica terão o poder
de apontarem para a transformação interior das pessoas. Nem ao menos lhes
proporcionarão felicidade ou consolo.
O reencontro desses conteúdos ritualísticos - formas,
palavras e gestos que antigamente constituíam "o Sagrado" - não implica
numa revisão dos textos, mas numa perspectiva nova; nem a reinterpretação
implica em modificações visando adaptar a liturgia às novas situações que
vivenciamos. Mas precisamos sim - com urgência - acionar uma nova leitura, mais
iluminada, daquilo que vimos praticando às cegas nos últimos cento e vinte
anos!
Uma catedral magnífica, projetada segundo os mais justos e
perfeitos cânones arquitetônicos é inútil (do ponto de vista espiritualista)
durante a visita de um bando de turistas exclusivamente interessados em
fotografar as colunas e vitrais seculares. A adoração das formas e das medidas
serve apenas para ilustrar a inteligência, mas não transforma o homem para
melhor. Um assassino cruel pode ser um bom arquiteto...
Um ritual, por mais bem elaborado e executado, permanece
vazio e estéril se os gestos e palavras escapam à compreensão daqueles que o
praticam.
Imaginemos uma liturgia proferida e articulada segundo a
ortoepia da Idade Média e levada a efeito hoje na Catedral de Chartres - as
preces e invocações recitadas integralmente em língua latina (imaginemos que
não conheçamos essa língua); o texto, os sinais, símbolos e palavras nos
passassem desapercebidos...
Que valor moral, ético ou espiritual levaríamos conosco para
casa após esse culto? Que elementos de transformação interior, além do deleite
estético da arquitetura e da música sacra? Apenas resquícios frágeis e
quebradiços de uma adoração cega, da veneração pelo maravilhoso. Simples
reverência e preito diante do desconhecido.
O formalismo reveste-se dos mais primitivos anseios humanos.
Nesse início de século as imperfeições humanas vieram com mais realce à tona
por causa do violento contraste entre o formalismo e a magnitude da geometria
dos templos.
Vemos ressuscitar o açoite medieval daqueles que sondam os
equívocos alheios expondo-os impiedosamente em público. Na falta daquela nova
leitura mais iluminada a que me referi, semeiam-se novas dúvidas e novos medos.
Em face do crescente materialismo, nasce um conformismo
covarde. As práticas, prédicas e discursos - nesses casos - não fazem mais do
que proporcionar à eloquência de uns poucos o gozo pessoal de expor um panorama
que constitui antes mau do que bom exemplo.
Na "caminhada espiritual" topamos com três tipos diferentes de
pessoas, em número e papel que desempenham.
Há os professores, os discípulos e os indiferentes a esse
tipo de "caminhada". Os que ensinam e interpretam parecem ter acesso
direto ao escrínio secreto dos Mistérios. Parece que Deus só fala com eles...
Os que ouvem e tentam aprender contentam-se com as migalhas
que caem da mesa farta dos líderes e profetas; e ainda pagam por essa
mercadoria.
Os indiferentes (céticos) acham tudo isso muito cômico e
empreendem outros esforços mediante a lei-do-menor-esforço.
A princípio, não nos cabe julgar as intenções e a
sinceridade de uma tese e sua exposição sincera quando submetida ao debate e ao
contraditório.
O que a tese (ou ensinamento) tiverem de bom - utilidade
prática - devemos de aproveitar. Os aspectos negativos - oriundos de pretensos
programas de ensino: desabafo de egos feridos, retaliação injusta contra
movimentos concorrentes - dizem respeito ao propositor da tese em questão. São
questões de consciência.
Todavia, ao humilde shela (discípulo) não se podem endereçar
- nos dias de hoje, repito - apenas o rigor da vergastada, da humilhação e do
silêncio compulsório.
O pensamento do discípulo é, antes de tudo, LIVRE.
O aprendiz é, antes de tudo, um homem livre. É válido
e imprescindível que ele avalie a sinceridade do que ouve, partindo do exemplo
de vida que dá o pregador. É muito difícil alguém demonstrar o que não deve ser
a partir daquilo que não é.
O conselho vem de outras épocas, não estou inventando nada -
está no Evangelho escrito por Mateus: "Pelos seus frutos os conhecereis,
colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?
“Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore
má produz frutos maus.” A árvore ociosa tentará converter o objeto de sua
opinião em oráculo que lhe satisfaça as aspirações do menor esforço: se
vaidosa, transformará o mais sublime dos temas em galeria de exibição do
personalismo inferior; se insensata, invocará toda uma cultura à aprovação dos
desvarios a que se entrega.
Numa palavra: um instrutor (o "instituteur", em
francês) torna-se mestre quando é capaz de praticar as regras que oferece aos
alunos. O que pensariam esses alunos daquele catedrático de cálculo estrutural
cujas edificações desabassem todas? Não é possível crer e descrer ao mesmo
tempo.
Nem é aconselhável permanecermos como bois diante de
castelos, pois há flagrante oposição entre a busca do conhecimento e os
exclusivos interesses do estômago; igual oposição existe entre o caminho do
homem livre - que pensa por si mesmo - e a estrada que estabelece apenas a
dominação ou a distribuição dos lugares no poder - como na Revolução Francesa:
havia aplausos no instante das vantagens, e fuga espavorida no instante do
sacrifício e morte na guilhotina.
AS ORDENS INICIÁTICAS TRADICIONAIS: Ao sermos iniciados numa
Ordem tradicional, não foi nosso objetivo substituirmos os dogmas tradicionais
da fé por outros dogmas. Qual a vantagem em destituir da cátedra um
"Magister Dixit" e substituí-lo pelo "Mestre Disse"? -
trocar 6 por meia-dúzia?
Devemos estar conscientes, desde a opção que fizemos, que
aqueles que abusam de autoridade utilizam-se da palavra para movimentos de
ruína e aniquilamento do pensamento livre.
O efeito deletério de tais movimentos perturbadores
articulam-se ainda contra os próprios autores que acabam colhendo amargos
frutos da infeliz atividade a que dão impulso.
O sinal mais característico desse tipo de imperfeição é o
interesse pessoal. Disse o antigo Mestre de Lyon: "Pode um homem possuir
qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem.
Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem
sempre suportam certas provas. “Às vezes basta que se fira a corda do interesse
pessoal para que o fundo fique a descoberto.”
A QUEM serve esse homem? A QUE serve?
"Quando estão presentes as obras do interesse pessoal,
suspeitemos da impostura, por mais pretensiosas que sejam suas reivindicações;
por mais plausíveis que sejam seus ensinamentos.
Elas apenas servem às inimizades, ciúmes, iras, discórdias,
dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas a respeito das
quais vos preveni..." disse Saulo de Tarso aos Gálatas.
José Maurício Guimarães