Antes de abordarmos qualquer
assunto, é necessário entendermos precisamente o significado dos termos que
vamos utilizar.
Muito se fala em Estado laico e
sabemos, através da História e dos estudos dos Graus simbólicos e Graus
superiores da Maçonaria, que nossa Ordem foi a principal e a mais importante
das organizações que defendeu, durante séculos, o Estado laico. Sabemos também
que a luta travada pela Maçonaria pela independência dos Estados e,
reciprocamente dela mesma, custou a vida de milhares de Irmãos nossos do
passado.
O Estado laico deveria ser neutro
em relação às questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma delas.
O mesmo vale para a Maçonaria que, não sendo uma religião, adota o princípio da
crença num Ser Supremo e na imortalidade da alma.
Ives Gandra conceitua bem ao
dizer que Estado laico não é Estado ateu e sim aquele em que as instituições
religiosas e políticas estão separadas. Em vista disso, sendo a Maçonaria uma
Ordem deísta (fundada na manifestação natural da divindade à razão do homem)
ela deve ser tratada em pé de igualdade com todos os cidadãos independente da
escolha e preferência que fazem os maçons do conceito e da revelação pessoal
que tiverem. Assim, em termos estritamente filosóficos, o Estado secular não
deve dar preferência a indivíduos dessa ou daquela convicção.
Interferências de convicções
oriundas de quaisquer grupos "espiritualistas" nas esferas de poder
descaracterizam o Estado laico e colocam em risco a liberdade e a democracia.
Fala-se muito em
"bancadas" no Congresso Nacional em franca disputa sobre princípios
filosóficos ou artigos de fé. A República, todavia, vive do equilíbrio entre os
poderes Legislativo, Judiciário e Executivo estabelecido pelo diálogo entre os
partidos políticos. As chamadas "bancadas", mesmo quando bem
intencionadas, acabam interferindo na estabilidade das decisões democráticas.
Um dos principais avanços do
regime Republicano é a participação das minorias; imaginem, então, se houvesse
uma "bancada" para cada uma das religiões que compõem o variado
cenário da cultura brasileira: catolicismo, protestantismo, judaísmo,
muçulmanos, os espíritas, budistas, umbandistas etc. O Estado laico não
poderia, inclusive, desconhecer a existência de uma "bancada ateia",
se considerar a equidistância que deve ser mantida entre o poder e as
convicções humanas.
Se as Instruções maçônicas,
nossas Leis e a História de nossa Ordem fossem melhores conhecidas, nada
precisaria ser dito sobre as relações entre Maçonaria e Política estabelecidas
por nossos antepassados. Nossa Ordem tem que ser livre e, ao mesmo tempo,
garantir que o Estado democrático de direito permaneça livre.
O laicismo (caráter do que é
laico) é o princípio da autonomia das atividades humanas, ou seja - "a
exigência de que tais atividades se desenvolvam segundo regras próprias, e não
impostas de fora, com fins ou interesses diferentes dos que as inspiram."
(Nicola Abagnano, Dizionario di Filosofia, Turim, 1971). Esse princípio é
universal e pode ser legitimamente invocado em nome de qualquer atividade
humana que se sinta impossibilitada por privilégios politicamente articulados
em grupos assentados em convicções de caráter teológico ou religioso.
A teocracia existiu em virtude da
crença de um deus governante; as monarquias se sustentaram no poder divino
conferido aos reis pelas mãos de alguma "autoridade" ungida de
liturgias e convicções sobre o Ser Supremo e a fragilidade da alma humana.
No caso da Maçonaria moderna, ela
tem que permanecer livre (laica) e proporcionar liberdade (laicismo).
O laicismo, portanto, não pode
ser entendido apenas como reivindicação de autonomia do Estado perante uma
religião ou igreja, mas - e principalmente - como o afastamento das decisões
governamentais (republicanas) "de influências estranhas e deformantes das
ideologias políticas, dos preconceitos de classe, de raça etc."
(Abagnano).
O princípio do laicismo não vale apenas nas relações entre a
atividade política e a religiosa, uma vez que uma corrente política totalitária
vem necessariamente acompanhada pelo apoio a uma ideologia racista, classista
ou de qualquer outra espécie, destruindo o direito de liberdade dos cidadãos. Laicismo
é sinônimo de liberdade no plano das inter-relações humanas.
Vejamos alguns exemplos dessas
distorções:
1) Durante o Império, no Brasil,
as das determinantes do Padroado Régio preconizavam uma ordem política que
envolvia diretamente o clero nas as instâncias do poder instituído, tanto
social e burocrático incluindo as classes dos magistrados e militares - a
consonância entre o discurso político monárquico e o da hierarquia católica
romana, especialmente nos que se referia à infalibilidade da autoridade divina
do Imperador. Em troca, o Imperador tinha o poder de nomear bispos.
2) Durante a República Velha, dos
13 primeiros presidentes do Brasil, 10 foram maçons: Deodoro da Fonseca,
Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Campos Salles, Rodrigues Alves, Nilo
Peçanha, Hermes da Fonseca, Wenceslau Brás, Delfim Moreira e Washington Luís. O
fim da República Velha deu-se com o golpe de Estado de Getúlio Vargas que depôs
e exilou o presidente Washington Luís (maçom) e impediu a posse do também maçom
e presidente eleito, Júlio Prestes.
Recomendo a todos a leitura do
livro “O Poder da Maçonaria História de uma sociedade secreta no Brasil”, de
Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira Souza, lançado no dia 17 de outubro de
2008, no Rio de Janeiro.
- A Política Maçônica é uma
ciência fundamentada num PROJETO DE ESTADO e num PLANO DE GOVERNO ainda
inexistentes em nosso país. O discurso fácil e ineficaz precisa ser substituído
por ações concretas no âmbito da segurança pública, da saúde, da educação, na
modificação das leis penais e nas reformas políticas e judiciárias. Feito esse
trabalho e alcançados os resultados que merecemos, a Maçonaria tem que
retirar-se do primeiro plano e manter-se como vigilante das instituições
democráticas. A propósito e como exemplo disso, termino com a história de
Cincinato.
Por volta de 480 a.C., o Senado
Romano escolheu Lucius Quincio Cincinato, um pacato agricultor, célebre por sua
conduta austera, para apaziguar uma contenda entre os tribunos e os plebeus.
Cincinato aceitou a encomenda e
foi nomeado com plenos poderes para mandar e desmandar.
Alcançado o objetivo de sua
nomeação e restabelecido o respeito da Lei Terentilia Arsa, Cincinato
dirigiu-se ao Senado e entregou o cargo.
- Fica mais um pouco, Cincinato!
– disseram os nobres senadores. Foi tão profícuo seu governo!
Podemos fazer de você um César,
um deus! Fica, Cincinato!
E o povo uivava na praça: -
Cincinato! Cincinato! Cincinato! O povo - unido - jamais será vencido! etc!
etc! etc!
Mas Cincinato agradeceu. Esboçou
um sorriso, fez uma discreta reverência ao presidente do senado e declarou:
- Já cumpri com meu dever de
cidadão. Minha tarefa não é política nem militar. Por isso vou regressar à
minha vida pastoril. Com licença, meu arado me espera.
Dito isso, virou as costas e
caminhou a pé até sua fazenda e calçou as botas de fazendeiro.
Naquela mesma tarde os vizinhos
viram o homem que amanhecera com o maior poder de Roma nas mãos conduzindo,
feliz da vida, seu velho arado.
Aprendam
com Cincinato!
(*)
O Irmão José Maurício Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica
de Pesquisas “Quatuor Coronati, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à
Grande Loja Maçônica de Minas Gerais.