O título deste artigo
encerra em si uma dualidade proposital. Por um lado, pode ser tomado como
irônico, pois faz uma alusão à forma sensacionalista como a maçonaria
repetidamente é tratada por grande parte dos meios de comunicação de massa –
como ‘misteriosa’, cheia de segredos e símbolos estranhos. Entretanto, a
maçonaria de fato encerra em sua filosofia antigos mistérios, revelados apenas
aos seus membros.
Por incrível que
pareça, em pleno ano de 2014 muita gente ainda não faz ideia do que é a
maçonaria, a despeito das toneladas de informação sobre essa instituição que
circulam nas livrarias e, em maior volume ainda, na internet.
Muitos acham que ela é
uma sociedade secreta, embora funcione em prédios nas principais avenidas das
cidades e tenha personalidade jurídica constituída normalmente, como qualquer
outra organização. Outros acreditam em toda aquela bobagem de satanismo, gerada
por uma combinação perigosa de falta de informação e intolerância.
A maçonaria segue então
com seu estereótipo misterioso para a maioria da população, atmosfera reforçada
notadamente pelo caráter privativo de suas reuniões, que acontecem literalmente
a portas fechadas.
Mas que mistérios
serão esses que a maçonaria supostamente esconde das massas?
Para entendermos
melhor, faz-se mister uma compreensão mais profunda da palavra ‘mistérios’. O
dicionário Michaelis lista vários significados para este vocábulo. A maioria é
relacionada com ’segredo’ ou ‘algo de difícil compreensão’.
Outras conotações
surgem dentro do escopo religioso, especialmente o cristão. Mas a mera
significação não é suficiente para entender a magnitude do conceito maçônico
deste termo. Para isto, vamos pedir ajuda à filosofia, em particular, à
filosofia do mundo antigo, que é a origem de muitos dos conceitos usados e
estudados na maçonaria até hoje.
No antigo Egito e
Grécia, sábios criavam centros de instrução onde candidatos que quisessem
participar deveriam provar seu merecimento antes de serem admitidos. Este
processo para o acesso chamava-se iniciação, e os centros chamavam-se escolas
de mistérios.
O faraó Akhenaton, que
iniciou seu reinado no Egito por volta do ano 1.364 a.C., e Pitágoras, filósofo
e matemático grego nascido em 570 a.C., foram exemplos de pensadores que fundaram
tais escolas. Os ensinamentos eram repassados em um ambiente privativo, longe
dos olhos e ouvidos das massas, e versavam sobre ciências (matemática,
astronomia, etc.), artes, música e ainda religião e espiritualidade.
O próprio Cristo
mantinha um círculo interno de discípulos – os doze apóstolos – a quem ensinava
sua doutrina com maior profundidade. Quando falava para as massas, Jesus usava
uma linguagem mais simples, em forma de parábolas, para facilitar o
entendimento.
Disse Ele: “Não deis
aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas” (Mateus
7:6), em uma clara referência de que nem tudo é para todos.
Hoje em dia, muitos
dos conhecimentos destes antigos grupos continuam sendo ensinados, mas os
locais não são mais ocultos. A antiga sabedoria dos iniciados deu origem a
muitas das disciplinas comumente ministradas nos colégios e universidades.
Graças às escolas de
mistérios, a ciência se desenvolveu mesmo nos períodos mais negros da história,
e chegou a um nível de complexidade que, certamente, para os antigos seria
visto como, no mínimo, surpreendente – talvez até inimaginável.
Portanto, concluímos
que os mistérios mencionados no simbolismo maçônico são um corpo de
ensinamentos, repassados aos seus membros de forma tradicionalmente inspirada
nos antigos métodos das escolas de mistérios.
É certo que há uma
corrente dentro da maçonaria que defende que essas escolas eram, na verdade, a
própria maçonaria em sua forma primitiva; entretanto, estas suposições carecem
de comprovações históricas e a maioria dos autores modernos tende a concordar
que a maçonaria, na verdade, herdou o método antigo, tornando-se depositária de
sua sabedoria.
Mas se a explicação da
origem desses mistérios é simples assim, por que a maçonaria não permite então
que qualquer pessoa adentre seus templos e compartilhe desse conhecimento?
Qual o sentido das
portas fechadas, dos rituais e dos símbolos desenhados nas fachadas de seus
prédios e vestes de seus membros?
A resposta é,
novamente, a tradição. Os maçons formam um grupo muito antigo, cuja origem
histórica deu-se em uma época tumultuada e confusa da humanidade – a idade
média. Nessa época, as monarquias, geralmente aliadas ao clero, não estavam
dispostas a dividir seu poder de influência com mais ninguém.
Assim, a perseguição a
grupos considerados subversivos tornou-se uma obsessão, resultando no
assassinato de centenas de milhares de pessoas. A chamada ‘caça as bruxas’ era
um mecanismo de controle pelo medo, e a religião, através da manipulação dos
conceitos das Sagradas Escrituras, exercia um domínio da sociedade extremamente
eficaz.
Some-se isso ao fato
da maioria do povo não saber ler nem escrever, e pronto: estava formado o
panorama perfeito para a instalação de uma tirania.
Os maçons e outros
grupos de pensadores, como os rosa-cruzes, tiveram que ocultar seus
conhecimentos e manter suas opiniões em segredo – nessa época, as ordens
iniciáticas eram mesmo sociedades secretas, cuja sobrevivência dependia do grau
de invisibilidade que eram capazes de manter na sociedade dominada pelo poder
virtualmente ilimitado dos déspotas políticos e religiosos.
Hoje a maçonaria não
tem mais a necessidade de ocultar suas atividades. Aliás, na grande maioria dos
países que substituíram os regimes absolutistas pela democracia, os maçons
estavam entre as fileiras dos responsáveis por tais mudanças. Acontece que,
sendo a ordem maçônica uma instituição que preza muito por sua própria
história, mantém ainda sua tradição herdada das escolas de mistérios, onde o
candidato a tornar-se maçom e ser recebido em uma loja deve provar ser
merecedor de tal aceitação.
Mas iniciação hoje
adquiriu um caráter simbólico e já não repete os penosos sacrifícios da
antiguidade. Para se ter uma ideia, na já mencionada Escola Pitagórica, o
recém-admitido não poderia proferir uma só palavra por cinco anos. Cinco anos
no mais absoluto silêncio!
Práticas como essa
ficaram para trás, e a ordem nunca esteve tão aberta como atualmente.
Praticamente toda loja maçônica conta com uma página na internet, onde divulga
textos e fotos de suas atividades. Muitos maçons fazem questão de salientar sua
condição, ostentando anéis, pingentes ou broches com emblemas. E aquele que
demonstrar interesse em entrar, tem toda a liberdade de conversar com um maçom
conhecido e declarar seu propósito de fazer parte da ordem.
É válido ressaltar
que, apesar de práticas mais radicais terem sido deixadas de lado, o processo
de admissão ainda é bastante rigoroso, pelo simples fato de que, para a
maçonaria, o importante não é a quantidade de membros e sim a qualidade destes.
Depois de uma conversa
explicativa inicial, sindicâncias e entrevistas são conduzidas por maçons
experientes, no intuito de avaliar o grau de interesse verdadeiro, bem como as
qualidades de um ‘homem livre e de bons costumes’, além da crença em um Ser
Supremo – prerrogativa obrigatória para a concretização da afiliação.
Tendo desenvolvido uma
filosofia e método próprios de instrução ao longo dos anos, a maçonaria tem
mantido seu caráter simbólico e iniciático através dos séculos. A beleza de
ensinar e aprender através de alegorias é algo que, atualmente, só pode ser
vivenciado no interior de uma loja maçônica.
A história da ordem e
sua sabedoria está encerrada em seus rituais e suas lendas, que são passadas de
maçom para maçom, da maneira antiga – por via oral. No interior de templos
ornados com símbolos arcanos, homens que se tratam uns aos outros como irmãos
buscam lapidar seus espíritos.
Os pedreiros de hoje
erguem edifícios simbólicos, cujos tijolos são as virtudes humanas, solidificadas
em nossas atitudes diárias com a argamassa do estudo diligente e da
perseverança no trabalho.
Muita coisa já foi
desvelada, em livros e revistas abertos ao público, até mesmo propositalmente,
para permitir que o preconceito dê lugar à compreensão nas mentes das pessoas.
Mesmo o interior dos templos pode ser visitado com certa frequência por não
membros nas sessões públicas.
Mas ainda há verdades
ocultas para serem vislumbradas. Porém, ao contrário do que o senso comum
imagina, elas não estão escondidas por códigos, escritas em livros ou
desenhadas em símbolos; a descoberta do verdadeiro segredo da maçonaria
acontece mesmo é no silêncio do coração de cada maçom, de acordo com sua
própria evolução mental e espiritual, com desdobramentos que influenciam sua
vida e as vidas das pessoas que o cercam – e isso é, verdadeiramente, o grande
mistério da ordem.
Texto: Ir.´.
Eduardo Neves MM
Fonte: Adap.Vivência
Maçônica 16