A Corda de 81 Nós é um dos
símbolos mais controversos da iconografia maçônica. Como símbolo ela se presta
a diversas interpretações e sua origem e real significado tem sido objeto de
múltiplas especulações. Isso ocorre porque todo símbolo carrega em si um elemento
de Gestalt. Cada observador acrescenta ao seu significado as suas próprias
intuições a respeito. [1]
Nos templos maçônicos, a Corda
de 81 nós é encontrada no alto das paredes, junto ao teto e acima das colunas
zodiacais, como ornamento obrigatório, parecendo indicar que ali é posta para
delimitar um determinado território, o qual deve ser preservado de
interferências externas.
Sua origem histórica parece vir
dos antigos canteiros de obra medievais, onde os chamados maçons ─
literalmente, trabalhadores de maço e cinzel ou seja, artesãos que trabalhavam no
esquadrejamento das pedras que iriam compor os edifícios, costumavam demarcar o
seu local de trabalho. Nesses espaços, normalmente conhecidos como Lojas, esses
trabalhadores de cantaria, costumavam se reunir para transmitir
instruções, receber seus salários, conversar sobre assuntos de seu interesse,
etc.
Essa, aliás, é uma das possíveis
origens históricas do termo Loja, aplicável à reunião dos trabalhadores da
construção civil, e da qual derivou a tradição maçônica. Como a profissão do
maçom era regida por rígidas regras corporativas, que faziam dela uma
corporação praticamente iniciática, essa medida, a de delimitar o espaço
maçônico dentro do canteiro de obras, era perfeitamente justificável. A corda
com nós também era usada para efetuar medições de distância para demarcação dos
espaços dentro do edifício. [2]
Já a razão de ela ter 81 nós
parece que deriva do apego à tradição medieval ao chamado modelo três por
quatro. Praticamente, todos os espaços geométricos dos edifícios antigos eram
desenhados a partir de uma projeção retangular que partia dessa medida e se
multiplicava por esse módulo conforme o tamanho que se pretendesse para o vão
livre que se queria dar ao espaço. Eram as chamadas “caixas”, a partir das
quais o edifício era metrificado e construído. [3]
Evidentemente essa não era uma
fórmula obrigatória nem se constituía regra geral para uma construção, mas
apenas uma tradição observada pelos construtores medievais. Era, segundo se
dizia, uma tradição derivada das técnicas de construção utilizadas pelos
arquitetos da Grécia clássica, onde o mais belo de todos os edifícios
jamais construídos, o Partenon, teria sido erguido a partir desse módulo.
Mais variadas, porém, são as
interpretações esotéricas que são dadas a esse símbolo, as quais são oriundas
de intuições místicas inspiradas em temas gnósticos e cabalísticos, onde entram
também o pitagorismo e a teosofia, correntes de pensamento que, como bem viu
Jung em sua análise da base psíquica do pensamento humano, são informadas por
um arsenal simbólico (arquétipos) que habita no Inconsciente Coletivo da
espécie humana desde suas origens.
O número 81 é um número
cabalístico por excelência. Ele é o resultado do número 3 elevado á sua
quarta potência. Esse número sugere um universo formado por uma base tripla,
que parte da noção de que na origem de tudo existe uma trindade de deuses:
(Pai, Filho, Espírito Santo, Brhama Vixenu e Xiva, Osíris, Isis, Hórus
etc), dando origem às realidades universais. Da mesma forma, são
três os formadores da raça humana (os filhos de Noé) Sem, Cam e Jafet), assim
como são três as ferramentas com as quais o Criador constrói o universo: a luz,
o som e o número e três as manifestações da Divindade antes de dar a si mesmo
uma condição de Existência Positiva: Aun, Aun Soph e Aun Soph AUR. [4]
Essas três manifestações se
derramam pelos quatros mundos da formação primordial, que são conhecidos como
os mundos de Atziloth, Briah, Yetzirah e Assiah [5]
Assim, o modelo três por quatro
é um arquétipo bastante presente na intuição dos profissionais da construção
civil e a ele foi integrada a tradição cabalística que se associa a esse
número. Na tradição cabalística, a trindade se revela nas três primeiras
séfiroths da Árvore da Vida ( Kether, Chokmah e Binah), que são as primeiras
manifestações da divindade no mundo da realidade positiva.
Elas se expressam através da
luz, do som e do número, que segundo essa tradição, são os elementos com
quais Deus faz o mundo. Destarte, como o universo é
construído através das combinações do Nome Inefável (o Tetragramaton)
formado pelas letras IHVH (IAVÉ), que resulta no número 12, temos uma base
trina multiplicada por quatro, como formulação básica da estrutura do universo.
Por isso temos toda a mística do povo de Israel em torno desse número.
As doze tribos de Israel, os
doze signos do Zodíaco, os doze apóstolos de Cristo, os doze profetas do Velho
Testamento (seis maiores e seis menores) os doze livros da constituição doreino
de Israel, que são o Pentateuco (5), Josué (1), Juízes (1), Samuel (2) Reis (2)
e assim por diante. .
Na física atômica pode ser feita
uma analogia com as leis fundamentais de formação da matéria universal que são
a relatividade, a gravidade e a termodinâmica. Essa base tríplice, que
geometricamente se firma sobre um triângulo equilátero, resulta num universo
tridimensional (altura, profundidade, largura).
Por outro lado, como o universo
é constituído por quatro elementos fundamentais (terra, ar, fogo, água),
projetado em quatro direções (norte, sul, leste, oeste), isso significa que a
sua conformação pode ser representada pelo número três na sua quarta potência,
que resulta no número 81, número sagrado, que na tradição cabalística é
representado pelos 72 anjos que servem diante do trono de Deus (os
semanphores), mais os 9 Elohins, mestres construtores do universo. [6]
Esses anjos são portadores
dos archotes, ou seja, portam a luz que dá existência ao universo em suas duas
estruturas (a material e a espiritual), razão pela qual a planta do universo
cabalístico serve de inspiração para a conformação geométrica da Loja Maçônica.
[7]
Dessa forma, a corda de 81 nós
representaria uma delimitação territorial da estrutura da Loja Celeste, que é
todo o cosmo, razão pela qual, nas antigas Lojas especulativas era costume
marcar no solo, com giz ou outro instrumento de traçado, os símbolos da Ordem,
circundados por uma borda semelhante a uma corda cheia de nós. Nessa
simbologia se dizia que ali se construía obra semelhante aquela realizada pelo
Criador.[8]
Segundo o ritual do Grau 20 do
Supremo Conselho do Grau 33 do Paraná, 81 anos era a idade de Hiram Abiff
quando foi assassinado. 81 era também o número de meses que um irmão precisava
para chegar ao ápice da Escada de Jacó no antigo ritual dos maçons do Real
Segredo, na França e na Alemanha.[9]
Em termos filosóficos, a corda
de 81 nós significa a “amarração” universal feita pelos Irmãos em torno do
universo representado pela humanidade. Os nós são os irmãos (representação
simbólica dos 72 arcanjos e os nove Elhoins) com as mãos dadas, formando o
quadrilátero sagrado, onde a abertura aponta que qualquer pessoa de bons
costumes pode adentrar nesse quadrilátero e participar dessa união em prol da
evolução e da felicidade da raça humana.
Assim, o simbolismo da Corda de
Oitenta e um Nós vai muito além de uma mera ornamentação no teto do templo
maçônico. Cada um pode pensar e interpretá-lo que quiser acerca desse símbolo.
Por isso o associamos á uma Gestalt. Não importa o que ele de fato significa
como imagem ou mesmo como signo no campo da semiótica e da semiologia, nem
mesmo o seu significado em termos de filosofia. Importa sim o que ele
fala ao espírito do Irmão.
Pois a Maçonaria, como toda
disciplina iniciática, só tem sentido como atividade espiritual. O resultado
dela no mundo profano é mero reflexo dessa atividade. Será útil ou inútil,
virtuoso ou nocivo conforme os Irmãos entenderem a mensagem que os símbolos da
Ordem lhe comunicam.
Por
João Anatalino
[1]Gestalt é a doutrina que
ensina que a soma das propriedades de um objeto formado em nossa mente é mais
do que ele realmente é, pois a mente acrescenta ao objeto outras propriedades
que ela “acha” que o objeto tem. Exemplo disso é uma nuvem no céu, que olhada
por diferentes pessoas pode assumir formas totalmente diversas na mente de cada
observador.
[2] Jean Palou- A Maçonaria
Simbólica e Iniciática, Ed Pensamento, 1978
[3] Fulcanelli- As Moradas
Filosofais- Madras, 2012
[4][4] Na Cabala, Deus,
antes de fazer o universo é considerado como uma energia em estado latente (com
Existência Negativa). Na sua tarefa de fazer o universo ele se manifestou como
Existência Positiva.
[5] De acordo com os
ensinamentos da Cabala, a atividade divina na construção do universo se manifesta
em quatro mundos formativos que são: o mundo da luz (Atziloth), o mundo
do espírito (Briah), o mundo do energia (Yetzirah) e o mundo da matéria
(Assiah).,
[6] Knorr Von Rosenroth- A
Kabbalah Revelada- Madras, 2010. Tabela que mostra a relação entre a Árvore da
Vida, os quatro mundos de formação, as combinações entre as letras do Nome
Sagrado e as diferentes conformações assumidas pela energia divina no trabalho
de construção do universo.
[7] Vide o nosso ensaio,
publicado neste Recanto das Letras, “ O Templo e a Árvore ”, no qual
mostramos a relação simbólica existente entre os desenhos da Árvore da Vida da
Cabala, e o desenho do Templo maçônico.
[8]Idem, Jean Palou –Maçonaria
Simbólica e Iniciática, citado. Pois segundo a ótica dos maçons medievais, as
igrejas que eles construíam eram cópias simbólicas do universo, na forma como
Deus o construía.
[9] Artigo II da
Constituição dos Princípios do Real Segredo para os Orientes de Paris e Berlim,
edição de 1762